Era quase Páscoa e fui entrevistar o coelho
onde se esconde o bom cacau do Rio de Janeiro?

Pisava a palha no chão, meio torta, desviando a cabeça dos galhos e distraída com o farfalhar fofo e seco debaixo dos pés, quando avistei uma plaquinha que dizia: “violeta, pêssego”.

Nomes de cacau, há muito, deixaram de ser coisa bonita. Em geral, são combinações de letras e números, como SJ 02, PS 13. Nada romântico para quem gosta de comer.
Aquela placa, ali, no meio dos cacaueiros, me fez parar.
“Esse é um dos pés preferidos do Albertus”, disse o Paulo. “Rodamos umas 80 árvores. A gente quebrava o fruto, provava e anotava o cheiro”.

Albertus Eskes é um dos maiores especialistas em cacau do Brasil e, há alguns anos, acompanha o trabalho de Paulo Sergio da Silva Leite, do Sítio Cerejeiras, em Bom Jesus do Itabapoana, Norte Fluminense.
Chegamos exaustos, depois de sete horas de uma estrada serpenteante, que entrava e saía de Minas e depois entrava e saía do Espírito Santo, mas… tinha bolo e café. Quem nos recebe com bolo, como diz a querida Alice Dias, devia entrar logo na lista de pessoas preferidas na vida.
E não era qualquer bolo. Foi feito de banana e nibs de cacau, tudo orgânico e certificado, escavado, semeado, plantado, batido e assado ali, e oferecido por Ana Bittar, também agrônoma e mulher de Paulo.
Eu sabia que tinha chegado no céu.

Foi fazendo aula prática, na faculdade de agronomia, que Paulo Leite conheceu o fruto. Desviou dos irmãos, que vivem da atividade leiteira, e hoje é um dos três produtores de cacau da região, com 3 mil pés da mais alta qualidade.
Caminhar com o casal pelo Sítio Cerejeiras, dá outro sentido à palavra chocolate, um produto tardiamente reconhecido pelo fruto (aleluia!), e historicamente produzido em países que nunca viram um cacaueiro.
Não é sem um manejo correto que se obtém o tão cobiçado “cacau fino”. Para fazer bom chocolate, o fruto deve ser bem plantado, adubado, regado, podado, fermentado e temperado.
Em cada um desses “ados” mora o inferno.

Para quem não entende do assunto, já escrevi bastante sobre chocolates. Falei sobre a história do alimento, aqui, e também sobre o que é cacau fino, prêmios e tal, aqui. Se cutucar, brotam mais colunas que vão ajudar a entender o motivo de eu ter parado em Bom Jesus.
Patricia Nicolau, especialista em cacau e integrante do Movimento Cacau RJ roda o Estado capacitando e dando visibilidade aos produtores de cacau do Estado. Muitos ainda estão engatinhando no processo de fazer cacau fino, mas definitivamente não é o caso de Paulo Leite. Foi depois de provar uma barra feita por ela, com as amêndoas do Sítio, que decidimos pegar a longa estrada até lá.
Mirar na melhor amêndoa, com agricultura orgânica e agroflorestal, é o negócio do Sítio Cerejeiras.

À distância, tudo é floresta, mas por trás da aparência desordenada e selvagem, tudo tem seu papel. São 3 ou 4 andares de plantas para regular a exposição ao sol. Lá no alto, estão as nativas ou exóticas, mais abaixo, outra fila de plantas e outra, e outra. Virava para um lado, e era palmeira real, gliricidia, angico, e embaixo, o cacau, em sucessão e espaçamento bem pensados. Do outro, ipê preto, mamona, pupunha, banana nanica ou d’água, e embaixo, o cacau. E ainda, trabalhando em silêncio pela qualidade, tinha cupim, formiga, bongolo (minhoca), ajudando na ciclagem dos ingredientes.
São 3 hectares (3 campos de futebol) de um paraíso regulado pelo código florestal e com direito a área de compostagem, no final. Este ano, plantam mais 1.100 pés.
De acordo com Paulo, o caro não é a estrutura, são as pessoas. É cuidar da colheita e pós-colheita, toda manual, feita pelo casal e mais dois funcionários.

“A qualidade a gente produz no campo. Depois disso, ninguém melhora o alimento; tem que conservar direito”, diz Paulo. “A indústria quer a manteiga do cacau, sua parte mais valiosa. Aí sobra uma amêndoa ruim que ela homogeneíza. Eles põem lá uma baunilha ou adicionam manteiga desodorizada, que dá um aspecto gorduroso ao produto. Aqui, a gente quer tratar bem a semente e preservar a manteiga que é 60% da amêndoa para usar no chocolate”.
E a cada riacho, cachoeira, subida de morro ou desviada de cipó, eu ia empilhando conhecimento:
“Se deixar muito tempo na estufa perde o aroma”; “não pode deixar o cacau mofar; tem que ter 8% de umidade”; “esse espaçamento de 3 metros é bom, porque da escuridão, nada sai”; “para ter aromas florais e frutados, o cacau precisa estar novo”; “se ‘conchar’ demais, os defeitos somem, mas também muito do que dá personalidade ao cacau”; “a adstringência acontece quando ele não foi bem fermentado”; “gosto se forma quando o cacau ‘sangra’… por isso, dizem que o cacau é fêmea”; “o cacau pega gosto de tudo que está à sua volta, todo cuidado é pouco”; “a gente fermenta em cocho de tatajuba, que é madeira que não dá cheiro”; “fermentamos pelo método Anima, do Alberto, que reduz o amargor e potencializa os aromas”; “o cacau faz seu próprio gosto”…
Enquanto todo o processo acontece, quem se encarrega da classificação, organização dos processos, catalogação e cumprimento das exigências dos órgãos de certificação é Ana Bittar, que, para a nossa alegria, também tempera lindamente o chocolate.

Felizmente, o cacau do Sítio não vai para a grande indústria. Vai para pequenos chocolateiros artesanais como a Black Cacau, no Rio de Janeiro, entre outros, mas foi feito ali na propriedade para a nossa visita.
Eram só dois ingredientes com aquilo tudo nas costas: um cacau maravilhoso e o açúcar orgânico, batidos por 70 horas na moageira e temperados em granito da região.
Não tem como a gente não se sentir humilde, ao ver tanto trabalho e cuidado transformado naquela pequena barra em minhas mãos, de fechar os olhos, com gosto de frutos secos como nozes, ameixas e muita uva passa.
Que coelho, que nada!
A Páscoa por trás do meu chocolate tem é gente do Rio de Janeiro.
