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Cristiana Beltrão

Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
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A cozinha contemporânea morreu?

O que é, de fato, a cozinha de vanguarda

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 out 2022, 13h55 - Publicado em 6 out 2022, 17h29
JO&JOE Rio de Janeiro: Hotel no Largo do Boticário é inaugurado
Largo do Boticário: região recebeu investimento de cerca de 70 milhões de reais para a renovação do casario, respeitando suas principais características originais, e para a conservação da floresta nativa ao redor. (./Divulgação)
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Pergunte a qualquer um: “O que é cozinha contemporânea?”.

Eu perguntei. E ainda tive a coragem de pesquisar, com um olhinho meio fechado, todas as vezes em que o termo foi usado recentemente na internet para classificar o estilo de alguns desses restaurantes e dos pratos que melhor o definiriam. 

As respostas orbitavam em torno de cinco categorias:

1) Há quem acredite, por exemplo, que é quando se mistura aligot com sushi. 2) “É quando a pessoa tem um monte de espumas e gelatinas no prato”. 3) “São coisas que não são coisas, como uma falsa laranja esculpida, que na verdade tem mousse de chocolate branco dentro”. 4) “É quando a cozinha é mais oriental, ‘tipo’ tem algas, kimchi, shoyo ou gengibre”. 5) É a cozinha que faz “releituras” (como as 1825 versões de carbonara).

Pois é. Nunca pensei que algo que significasse “do nosso tempo” pudesse ficar tão datado… 

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Metade das definições de “contemporaneidade” para consumidores, jornalistas e até mesmo chefs ou donos de restaurantes se refere a práticas que ficaram populares nos anos 70, como a cozinha fusion ou a cozinha molecular de Ferran Adrià que se espalhou pelo mundo nos fim dos anos 80.

O título ficou tão engessado no tempo que não costuma trazer nenhuma brisa de vanguarda aos lugares que toca. Precisamos urgentemente rebatizar as boas coisas. 

Muita gente ainda costuma torcer o nariz para termos que, de fato, significam a vanguarda na gastronomia, como sustentabilidade, localismo, sazonalidade, pagamento justo a todos os elos da cadeia, zero desperdício, uso de orgânicos, foco em pequenos produtores e veganismo, só para citar alguns. Consideram frescura, puro marketing, ingenuidade, utopia, “comida boa é outra coisa”. Não faço aqui nenhuma apologia. Escrevo (gostem ou não) do que veio para ficar. 

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De fato, há muito blá blá blá e pouca materialização de “vontades” para que virem realidade. O fato é que entregar qualidade carregando tanto conceito nas costas custa caríssimo, envolve um tremendo esforço no desenvolvimento de fornecedores, mudança dos hábitos engessados dos clientes (que também pregam uma coisa e fazem outra), a mudança de uma lógica de distribuição totalmente diferente da que existe nas últimas 5 décadas e tantos outros fatores que antecedem. Daí os principais representantes dessas correntes serem raros, caros e nunca 100% fiéis ao conceito. Ainda assim, é importante ir na direção certa.

E assim, fui parar em Laranjeiras.

Já tinha ouvido muito falar do Trégua, desde a campanha de financiamento coletivo que rodou no ano passado que contava com o depoimento dos chefs Rafa Costa e Silva (um dos que mais admiro no país pelas boas bandeiras que carrega) e do Oswaldo Oliva, restaurante incrível na Cidade do México que visitei no ano passado. Ambos exaltavam num vídeo as qualidades do casal de jovens cozinheiros que tentava captar recursos para um pequeno restaurante de 13 lugares, naquele bairro. 

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A casa é um corredor delicioso, apertado e sem compromisso, projeto de sonho da talentosa mineira Ana Paula Soares e Victor Guimarães Lima, carioca com raízes no Ceará, que queria jogar futebol, mas acabou na cozinha para a nossa sorte (desculpaê, Victor). 

Comi maravilhosamente bem, a começar pelo jiló com purezinho aveludado de feijão verde e couve chamuscada. Queria uns quatro. O prato principal era uma costelinha de porco levíssima, delicada, que ainda rendeu um caldo muito bem feito e cheio de colágeno. Também provei o chuchu com requeijão e kimchi e o prato vegetariano, de abobrinhas, cogumelos e cevadinhas, sensacional. Não dispensei o pão feito na casa, melhor decisão para raspar os molhos ricos, e ainda lambi os beiços com o creme de abóbora frio e sorvete de iogurte com toque de erva doce, único prato na sobremesa. O serviço foi excelente, a carta tem rótulos muito corretos orgânicos e biodinâmicos, com o dedo preciso e competente da Maira Freire, do Lasai. Até o café da Serra do Salitre é bom, fresco e torrado aqui no Rio pela Five Roasters. Tudo isso, pasmem, a R$63 (sem bebida). Não dá para fazer melhor a esse preço.

Tudo ali é bem contemporâneo, no melhor e mais simples sentido, uma cozinha que eu gostaria de rebatizar de ‘sustentável’, que me perdoe o povo de minha própria geração. Sustentável é um ideia que não dá para colar no prato e sim na cadeia. É termo que diz respeito à retaguarda, que trata bem ingredientes e pessoas. Quem tem estrada, como eu, reconhece.

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E ainda dá para se fazer de turista num day-use no Joe&Joe, hostel com 80 quartos a poucos passos dali, no adorável Largo do Boticário, cheio de lindos e bem decorados espaços gregários, cercados de verde e de história, como manda um futuro que não existe sem preservar o passado (mas esse é outro post). 

Se a ‘nova’ cozinha contemporânea será rebatizada, não sei dizer, mas o Rio continua sendo o lugar que eu mais gosto de visitar. 

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