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André Heller-Lopes

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A volta do Dito Erudito
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Dito erudito: o mundo da Lua

André Heller inspira-se num 'passeio lunar' pela praia para investigar a presença da Lua na arte.

Por André Heller-Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
10 jul 2020, 23h43
 (André Heller-Lopes/Arquivo pessoal)
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Na imagem quase ‘absurda’ um astronauta passeia pelo calçadão do Leblon. Esse pequeno vídeo que tive a sorte de gravar há alguns dias, viralizou. Assim, do nada e por mero acaso, testemunhei e imortalizei uma cena de puro teatro (carioca) do absurdo; é a ‘vida do absurdo’ banhando o Rio de Janeiro – e não parou por ai.

Face à cena real (que rendeu a mim duas ofertas de empresas que queriam comprar o clip), penso que vou rir do próximo que me disser que ópera é muito surreal. O pobre do enredo em que a velha cigana confessa ter jogado o próprio filho no fogo, por engano e no lugar do filho de um Conde, que por sua vez condenara a mãe da cigana por bruxaria, tornou-se obsoleto. Tenho até pena dos amigos que escrevem folhetins, tão alto parece ser os desafios que o futuro associará a palavra “ficção”. Não cito a trama do “engenheiro.civil.formado” ou do sujeito patético gritando numa lanchonete do centro que distância e uso de máscara são ‘viadagem’ porque tenho pena da óbvia falta de segurança do infeliz com sua própria masculinidade e não vou relembrar cenas de baixo calão (moral). Nem só do Leblon alimenta-se a realidade pouco crível. Não sendo a ordem mundial rapidamente reestabelecida por uma vacina, prevejo gerações de escritores empenhados em dar sentido à história do ‘pai-que-era-filha-que-era-tia-do-marido-que-virou-A-Mosca’.

Voltando ao meu astronauta do Leblon, doravante chamado de ‘a realidade’, o passeio ‘lunar’ aconteceu horas depois das polêmicas aglomerações nos bares do bairro. Se por um lado a explosão daquela noite faz pensar no imediato pós-guerra e no desejo de vida que segui-se a 1945, sinto também que essa é uma desculpa fraca face à evidência de que a volta à normalidade esgueirou-se com zero prudência e pouca compressão de que normalidade seguirá um ‘novo normal’. Onde estão com a cabeça os que aglomeram-se, gritam, humilham o funcionário público por um copo de cerveja? A expressão “no mundo da Lua” vem à mente.


A Lua, supunha-se, influenciava na sanidade mental e mesmo induzia à loucura — o termo ‘lunático’ é derivado dessa noção erradamente concebida. Talvez por dar asas à imaginação, tão próxima em sua presença diária e ao mesmo tempo tão inatingível (até 1969), a Lua desafia o limites da razão e pode levar o homem a perdê-la.

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A ninfa ‘Rusalka’, na ópera de Dvorak de 1901, canta um hino à Lua que é quase uma canção de amor sensual; ajusta-se perfeitamente a trama de amor impossível que fala de dois mundos que não são verdadeiramente conciliáveis, que não se tocam. O clima ‘lunar’, ou antes ausência da luz do astro prateado, acompanham também grandes cenas do balé clássico; basta pensar no ‘ato das sombras’ de ‘La Bayadère’ (1877), da cenas das Willis em ‘Giselle’ (1841) ou ainda em ‘O Lago dos Cisnes’ (1875)|. Meu caro Janacek, já em 1908 convidava viajar para a Lua, aventurando-nos com um certo não muito sóbrio Sr Broucek. Lá, ele esbarra com um improvável grupo de elitistas culturais, evidenciando haver mais cultura na Lua do que na burguesia Tcheca… Um Pierrot enfeitiçado pela Lua é o centro do ‘Pierrot Lunaire‘ de Schönberg, de 1912. Antes dele, em 1905, o terceiro movimento da ‘Suite Bergamasque‘ de Debussy, chamado de “Clair de lune” homenageava a tonalidade da ‘Sonata ao luar’, de Beethoven, de 1801 (cujo ‘nome’ verdadeiro era “Sonata para piano n.º 14”, tendo ganho alcunha ‘lunar’ anos após a morte do compositor). Lua e loucura, aliás, já eram parte da fantasia artística muito antes do século XIX. Quase dois séculos antes de Neil Armstrong pisar no solo lunar, os compositores Galuppi, Paisiello e Haydn faziam uso de uma peça de Carlo Goldoni para falar desse “Il mondo della Luna”. No segundo ato vão todos para uma falsa Lua, de onde um velhote moralista (mas que permite-se colocar empecilhos à felicidade de um casal de jovens apaixonados) espera poder bisbilhotar moças trocando de roupa e casais em suas intimidades. Em 1939, Carl Orff, famoso por sua ‘Carmina Burana’, estreava “Der Mond”, ópera baseada em Grimm e onde uma dupla rouba a Lua, levando-a para seu país onde não havia uma. Mais tarde, ao morrerem tentam carregar o astro prateado para o túmulo; é São Pedro que interfere e resgata a Lua, pendurando-a novamente no céu. De todos os delírios artísticos envolvendo a Lua, talvez a ópera em um ato “Man on the Moon” composta para televisão em 2006, por Jonathan Dove, seja a menos lunática de todas.

Os loucos na lua e pela Lua. Uma burguesia estúpida. O medo do luar. A imoralidade e a vida alheia. O astro prateado fascinou dezenas de artistas num sonho postergado que explode em insanidade ao longo dos séculos. Talvez o que se viu nas aglomerações cariocas — ou londrinas — seja uma expedição (pouco responsável) à imaginação sem fronteiras, ou um desejo de jogar-se numa impressão de felicidade e normalidade.

Harlem
BY LANGSTON HUGHES

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What happens to a dream deferred?

      Does it dry up
like a raisin in the sun?
Or fester like a sore—
And then run?
Does it stink like rotten meat?
Or crust and sugar over—
like a syrupy sweet?

      Maybe it just sags
like a heavy load.

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      Or does it explode?

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