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Por André Carvalhal, escritor, consultor e especialista em design e sustentabilidade
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Empatia radical: por que devemos colaborar em tempos de coronavírus?

O único contágio válido no momento é esse

Por André Carvalhal Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 abr 2020, 18h05 - Publicado em 8 abr 2020, 18h34

Em poucas semanas (que já se parecem como meses) o Coronavírus tem dado grandes lições àqueles dispostos a aprender com situações difíceis. Para muitos, a maior delas é a aceitação de que o sistema capitalista vigente já não funcionava tanto.

Depois de todas as notícias que vimos da regeneração da natureza – águas dos canais ficando cristalinos em Veneza, diminuição da poluição do céu de São Paulo, enquanto golfinhos e cisnes apareceram na costa da Itália – tivemos a primeira prova que relaciona a ação do homem (com a poluição causada por carros e fábricas, por exemplo) com a nossa sobrevivência.

O lockdown na China eliminou 25% das emissões de gases de efeito estufa, tornando o ar mais puro. Além disso, a diminuição de particulados pode ter salvo 77.000 pessoas, um número 20x maior que o de mortes causadas diretamente pelo Coronavírus (até a data da pesquisa) no país, de acordo com o estudo realizado pelo pesquisador Marshall Burke. O que pode nos levar a conclusão que sim, o nosso sistema atual mata mais que o Coronavírus.

Aqui no Brasil, o sistema capitalista-selvagem-patriarcal no qual estamos inseridos, também faz vítimas todos os dias – há muito tempo. As principais causas são a desigualdade social, o desequilíbrio na distribuição de renda, mas também o preconceito, a marginalização, a falta de cuidado com aqueles tidos como “minorias”. Mas fomos nos acostumando com essas notícias e achamos que essas vítimas (vidas) valem menos que as do Corona.

O que o vírus fez foi confirmar a fragilidade do sistema e das nossas relações e dividir aqueles com aspirações individuais dos que tem aspirações coletivas. Mas a nova noção é de que é impossível descolar uma coisa da outra. Antes aqueles que estavam em situações mais vulneráveis se prejudicavam sozinho. Viviam infelizes, com restrições, morriam, mas não mudavam em nada a vida daqueles com privilégios e papeis sociais elevados (saúde, dinheiro, emprego e estabilidade).

A noção de hoje é que de nada adianta comprar todo álcool gel ou máscara do mercado para salvar um sujeito e sua família, pois se faltar ao menos favorecido, ele pode contaminar o sujeito, que não vai viver para sempre trancado dentro de casa. E também a noção de que o sujeito não é autossuficiente com sua família, em algum momento ele vai precisar “do outro” – que seja um médico ou um entregador.

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É preciso lidar com o fato de que os menos favorecidos não têm condições de fazer compras para estocar, guardar. Em muitas comunidades eles sequer têm água para lavar a mão. É impossível ficar a 1 metro de distância dos outros em pequenos cômodos superlotados. Falar em álcool gel é quase piada (de mal gosto, claro). As comunidades são como barris de pólvora para o vírus e podem colocar por água abaixo todos os esforços de contenção, caso ele se espalhe por lá.

A nossa população pode não ter tantos idosos quanto a Europa, mas temos uma parcela grande de pessoas vivendo em condições de vulnerabilidade nas favelas, periferias, tribos indígenas… Não é à toa que as primeiras vítimas letais na Europa foram o presidente do Santander (em Portugal), Antonio Vieira Monteiro e o ex-presidente do Real Madrid (em Madrid) Lorenzo Sanz, enquanto no Rio de Janeiro foi uma empregada doméstica que (ao que tudo indica) pegou de sua patroa. Isso faz do Brasil um caso particular, que pode mudar as estatísticas do mundo.

Pode parecer que o vírus é democrático, mas não, aqui no Brasil, suas vítimas têm idade, classe social, cor, gênero… Se as medidas de contenção não forem eficazes, qualquer um poderá se contaminar, mas quem irá morrer em massa serão os que vem sendo oprimidos, marginalizados, excluídos. Pessoas com baixa renda, desempregadas; índios, que ficam distantes de redes de saúde e apoio; mulheres, que são a maioria em comunidades; idosos e portadores de doenças (principalmente os que não tem acesso à saúde particular), e por aí vai.

O Coronavírus é um alerta de que não dá mais para viver sem uma noção sistêmica nas relações. Enquanto o nosso sistema continuar oprimindo e excluindo, todos seremos vítimas. Nossas decisões e escolhas devem passar não só pelo que precisamos hoje, mas pela clareza do mundo que queremos viver. Este, baseado na exploração não cabe mais.

O único contágio válido neste momento é a empatia radical, que nos oferece a oportunidade de se valer do sentimento de que estamos todos no mesmo barco para colocar em prática de uma vez por todas, a nossa capacidade de colaborar além fronteiras, de sistemas de crenças ou blocos políticos.

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É hora de colocar em prática medidas propositivas e colaborativas, compartilhando aprendizados, materiais, medicamentos, e apoio financeiro. Cooperação entre classes, compartilhando saberes, fazeres, renda, comida… É hora de criarmos uma economia regenerativa e colaborativa. Enquanto não fizermos isso, estaremos quebrando termômetros para acabar com a febre.

André Carvalhal é consultor e especialista em design e sustentabilidade. Autor dos best-sellers “A Moda Imita a Vida: Como Construir uma Marca de Moda”, e “Moda com Propósito: Manifesto Pela Grande Virada”, além do finalista do prêmio Jabuti 2019 “Viva o fim: Almanaque de um novo mundo”. 

 

 

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