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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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Ozempic, Victoza e os inesperados efeitos colaterais do emagrecimento

As novas consequências na saúde física e mental em quem aplica injeção para diabetes com o objetivo de perder peso

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 16 fev 2023, 08h58 - Publicado em 15 fev 2023, 12h21

Como tudo que aparece com cara de fórmula mágica, há alguns anos virou febre o uso de medicamentos para controle de diabetes visando a perda de peso, sob a orientação de médicos ou não. Nos Estados Unidos, chegou a haver um alerta para que não faltassem remédios para quem de fato precisa deles, como diabéticos e obesos. Por aqui não foi muito diferente e isso não chega a ser uma novidade. O Brasil é um dos países com maior índice de automedicação do mundo, inclusive de remédios de uso controlado por receita médica. Segundo o Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), 79% dos brasileiros com mais de 16 anos admitem tomar medicamentos sem prescrição médica ou farmacêutica. 

De repente, nomes de remédios como Ozempic e Victoza passaram a figurar com certa frequência em rodas de conversas, com uma naturalidade um tanto exagerada. Criados para aumentar a ação do hormônio que aumenta a secreção de insulina, não se pode dizer, de fato, que esses medicamentos não emagreçam os pacientes. Embora não sejam indicados com essa finalidade (à exceção do Saxcenda), eles têm sido recomendados off-label (ou seja, para além das indicações descritas na bula) por atuarem de forma semelhante ao hormônio GLP1, produzido no intestino. Toda vez que nos alimentamos, esse hormônio sinaliza para o cérebro que é hora de reduzir a fome. Reproduzindo esse modus operandi, esses medicamentos oferecerem maior sensação de saciedade e ajudam no controle da glicemia no organismo, o que acaba levando a uma perda de peso concreta.

No entanto, mesmo sob orientação médica, os remédios de controle da obesidade podem apresentar uma série de efeitos colaterais físicos – como pancreatite e falência renal – e mentais, como depressão, ansiedade e confusão mental.

Mas a novidade é que, recentemente, dermatologistas relataram uma consequência inesperada diante do emagrecimento acentuado causado por esses medicamentos: muitos rostos ganharam novos contornos. Pessoas que conseguiram perder até 20 quilos, de repente se viram com o rosto flácido, emagrecido, cansado, envelhecido o que acabou por gerar nos Estados Unidos a expressão “Ozempic face” (ou “rosto de Ozempic” em português) para definir a aparência dos novos magros a base de remédios, segundo o jornal The New York Times.

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“Depois de uma certa idade, é preciso escolher entre o rosto e o corpo”, diz a famosa frase atribuída à atriz Catherine Deneuve, para explicar a dificuldade em manter os dois em harmonia. Isso acontece porque a perda de peso atrasa o envelhecimento biológico, mas acelera o envelhecimento facial. Resultado: uma corrida aos consultórios americanos de pacientes com mais de 40 anos em busca de botox e outros preenchimentos que dessem conta de manter o viço do rosto.

A notícia provoca algumas reflexões bastante interessantes. A primeira delas é a dificuldade que a sociedade contemporânea tem em lidar com o envelhecimento, em entender que se trata de um processo natural e orgânico da vida. Num tempo em que toda a fonte de interesse se encontra na juventude – impulsionada pela bilionária indústria da beleza –, envelhecer parece significar ser colocado automaticamente para escanteio. “Moramos num país onde “velha” vem como um negócio pesado. Colocam uma coisa ruim ao lado da experiência que a maturidade traz”, afirmou a apresentadora Xuxa em recente entrevista ao jornal O Globo.

Ganhar idade – e aparentá-la – impõe passar por mudanças biopsicossociais que não podem ser escamoteadas por rugas preenchidas. Madonna apareceu na festa entrega dos prêmios Grammy com o rosto bastante modificado por procedimentos estéticos. O rosto é dela, a vida é dela, portanto ela deve agir como bem entender. Ninguém pretende, a esta altura do campeonato, ensinar Madonna a ser livre. O ponto é o quanto ela se submeteu às intervenções porque quis (tomara!) ou para se encaixar, aos 64 anos, em um padrão da cultura da beleza jovem, ainda mais rigoroso no mundo do showbusiness.

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O segundo ponto – talvez mais grave – que eu gostaria de levantar: será que esses novos magros estão envelhecidos mesmo? Ou será que se trata de uma distorção da imagem que a pessoa tem de si mesma?

A terceira vertente que chama a minha atenção é a dificuldade de as pessoas se sentirem realizadas com o que tem. Claro, cada um pode se sentir infeliz com uma coisa ou outra no seu físico, mas o curioso é que logo que essa questão se resolve, já se busca uma outra meta – muitas vezes ainda mais difícil. Antes era o peso, agora é o envelhecimento. E assim escraviza-se numa ciranda de desejos onde a satisfação plena está sempre no futuro que nunca chega. Provocações existenciais que Ozempic e Victoza jamais imaginaram que poderiam causar como efeitos colaterais.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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