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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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“O Golpista do Tinder”: quando o narcisismo encontra a carência

Documentário é um retrato do nosso tempo, farto de pessoas exibicionistas e solitárias

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 23 fev 2022, 14h57 - Publicado em 18 fev 2022, 14h55

Imagine um príncipe encantado, daqueles dos contos de fadas. Bonito, rico, bem-sucedido, galanteador, generoso, romântico. Ele é Simon Leviev, o magnata do ramo de diamantes que seduz as mulheres que conhece no Tinder com viagens, jantares e hotéis chiques pelo mundo. Mas eis que o príncipe vira sapo. Essa é a história de “O Golpista do Tinder” (Netflix), documentário que virou sensação e assunto de conversas em várias rodas.

Se não fosse pela presença das vítimas do golpista dando depoimentos, seria fácil acreditar que tudo não passa de ficção, de tão rocambolesca e inacreditável é a história. Saído de um subúrbio em Israel para alguns dos melhores hotéis e restaurantes do mundo, voando de jatinho particular, Simon vivia às custas das vítimas. Apenas de uma delas, arrancou 250 mil dólares, à custa de muita lábia. Mas os golpes não eram para que ele construísse um patrimônio e ficasse rico. O mais surpreendente é que o que conseguia extorquir de uma mulher ele gastava com outra.  Hedonista, tudo que conseguia roubar, Simon gastava em boates, festas e champanhe: o prazer como estilo de vida.

As histórias expostas em “O Golpista do Tinder” depõem muito sobre o nosso tempo. De um lado, a roda viva das redes sociais regida por exibicionismo vazio – a ponto de um psicopata narcisista conseguir conquistar mais de 100 mil seguidores apenas por ostentar uma vida glamourosa. Na outra ponta, mulheres usuárias do aplicativo de relacionamento que se deixam fascinar por braçadas de flores, viagens internacionais e áudios com declarações de amor de um homem que mal conheciam. Quanto mais conectadas em rede estão, mais sozinhas se sentem.

Em um dado momento do filme, uma das mulheres pede que não se culpe as vítimas. Faz sentido. Mas é impossível não especular o que as fez se deixarem enredar em uma trama absurda e manipuladora, que envolve perseguição de bandidos e mudanças de identidade, apoiando suas decisões no mínimo questionáveis – tudo em nome do amor. Uma possibilidade plausível é a capacidade que o dinheiro tem de cegar face a fatos concretos que depõem contra o que se quer acreditar. Outra explicação é que algumas pessoas se recusam a encarar a realidade de modo pragmático e se permitem viver em um conto de fadas. A postura de negação age como um mecanismo de defesa que, se à princípio poupa sofrimento, causa um estrago ainda maior quando a verdade vem à tona.

Aqui no Brasil, volta e meia a mídia apresenta casos semelhantes, de mulheres que foram enganadas por golpistas com juras românticas de relacionamentos à distâncias, o que já ficou conhecido como “Golpe do Amor” ou “Golpe do Namorado”. A lógica é a mesma: a exemplo de Simon, os bandidos investem um bom tempo para garantir a confiança da vítima em redes socais. Quando o alvo já está totalmente entregue, começam os pedidos de empréstimos “temporários” e depósitos “urgentes”. De acordo com a polícia, há relatos de mulheres que chegaram a perder 500 mil reais, com venda de joias e penhoras de casa para atender a extorsão.

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Quanto a Simon, depois de cumprir uma breve pena na prisão – sem qualquer relação com os golpes que aplicou nas mulheres – ele já está de volta à praça: dirigindo um carrão, viajando de jatinho, vendendo curso online de gestão, com uma nova namorada a tiracolo – e, pasmem!, com novo perfil no Tinder (que estava ativo há até poucos dias, antes da rede social bani-lo por razões óbvias).

O que muitos de nós se pergunta é: como essas mulheres foram capazes de cair nesse golpe? “Ele fala tudo que uma mulher carente em busca de um relacionamento quer ouvir”, justificou uma das vítimas. Portanto, enquanto houver mulheres dispostas a acreditar em príncipes encantados do Tinder, sapos como Simon Leviev terão terreno fértil para aplicar seus golpes.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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