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Analice Gigliotti

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Comportamento

Compulsão alimentar, games e rede social podem ser considerados adicções?

O passar dos anos traz novos comportamentos que podem ser associados à dependência

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 12 jul 2023, 09h33 - Publicado em 10 jul 2023, 14h29
Um cérebro com um aparelho de auscultar.
Todas as adicções tem um respaldo químico cerebral, especialmente a dependência em drogas, das ilícitas à cafeína.  (Shutterstock/Reprodução)
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Há alguns dias, fiz a mediação do bate-papo “Compulsão alimentar, dependência de games e uso excessivo de mídias sociais: estariam na categoria das adicções?”, com os colegas Antonio Egídio Nardi, Anna Lucia Spear King, Breno Sanvicente e Bruno Nazar. Reflexões muito interessantes foram ditas e aproveito aqui este espaço para compartilhar um pouco do muito que foi falado e que possa interessar aos leitores.

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que todas as adicções tem um respaldo químico cerebral, especialmente a dependência em drogas, das ilícitas à cafeína. Seu consumo afeta a maneira que o cérebro funciona. Muitas vezes pode ser difícil diferenciar o que é o uso recreativo de uma substância do uso excessivo, chegando à dependência ou adição. Termos como “tolerância”, “abstinência”, “perda de controle” ou “compulsão para usar” estão geralmente atrelados a uso ou comportamento abusivo. O principal fator a ser considerado é quando o usuário tem qualquer tipo de prejuízo, seja financeiro, emocional, na qualidade de vida, na saúde física ou na mental.

Mas por que alguém chega a se tornar adicto? Porque o consumo aciona o circuito de recompensa, o circuito do prazer, um conjunto de núcleos cerebrais, que envolve principalmente o sistema límbico e o córtex frontal. Eles são os responsáveis com que tenhamos todo tipo de satisfação: de matar a sede até encontrar um amigo. É este mesmo sistema que reage ao uso de substâncias. A questão é que o cérebro funciona o tempo todo em busca do prazer. Em outras palavras: qualquer ato do ser humano envolve o centro de recompensa cerebral. Em última instância, podemos resumi-lo ao grande motivador da nossa espécie.

O principal neurotransmissor desse centro de prazer é a dopamina. Nosso cérebro tem várias habilidades, uma delas é a capacidade de fazer adequações bastante radicais. Com o tempo, particularmente em indivíduos vulneráveis, é necessário cada vez mais estímulo para que se alcance a sensação de recompensa, independente de qual seja o estímulo em questão, de crack às compras, de cocaína aos jogos de azar (especialmente neste momento, de boom de site de apostas, acessíveis facilmente).

Porém, o que estamos assistindo nos últimos anos é que, com a evolução da sociedade e a criação de novos hábitos, surgem comportamentos associados à dependência, como tecnologia, games e descontrole alimentar.

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Quanto a tecnologia, não resta dúvida que é uma aliada da civilização, oferecendo uma série de vantagens no trabalho, no entretenimento e na comunicação. Mas ela também traz prejuízos – físicos e emocionais. A dependência de tecnologia é uma realidade hoje. Embora a adicção em redes sociais não esteja cientificamente comprovada, há vários estudos em andamento dedicados ao tema. O uso desenfreado de celular a todo tempo, em todos os ambientes, inclusive os inapropriados (teatros, restaurantes, ao volante) não é incomum. O termo nomofobia (no mobile phobia) foi criado para designar o medo de ficar sem celular, mas teve seu sentido ampliado justamente para o medo de ficar desconectado.

Os videogames também têm seu lado bom, como a capacidade de gerar socialização entre os usuários. No entanto, o uso sistemático pode acarretar no desenvolvimento de patologias. É preciso que pais e responsáveis fiquem atentos quando há prejuízo: como fazer as refeições enquanto joga; impactar no rendimento do trabalho ou estudo; ou na dinâmica de outros assuntos da vida, como família e relacionamentos – tudo para não parar de jogar. O limite é onde começa o sofrimento.

E comida? Vicia? É possível ficar viciado em algo que dependemos naturalmente para nossa sobrevivência e com a qual temos contato todos os dias? Antes de mais nada, é importante deixar claro que adição à comida não é um diagnóstico psiquiátrico ainda, e muito menos uma compulsão alimentar. A questão está no tipo de alimento que pode viciar. Ninguém é viciado em brócolis ou maçã. Os alimentos perigosos para adição – os ultraprocessados – são manipulados para serem mais gostosos e atraentes, ricos em açúcares e gorduras. Eles têm a capacidade de provocar aqueles pontos relacionados à dependência, especialmente nas mudanças neurobiológicas, gerando fissura e hipersensibilização do circuito de recompensa, desenvolvendo tolerância e abstinência, assim como as drogas.

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Ao final do bate-papo com os especialistas, o consenso era a necessidade de cautela, conhecimento e consciência do próprio limite.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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