Adultos de chupeta: o que significa esse comportamento?
Moda de adultos usarem utensílio infantil seria uma espécie de regressão

Muito ser falou na semana passada da “adultização” de crianças. Depois da denúncia do influencer Felca a respeito da exploração de adultos dos corpos de crianças e adolescentes em posts na internet, o assunto foi parar no Congresso e caminha para uma nova legislação que proteja um pouco mais o uso de imagem de menores.
Mas na contramão desse movimento, vemos a tendência, ou a trend, como se diz hoje em dia nas redes, de adultos recorrendo ao velho hábito infantil de chupar chupetas. Sob a alegação de ser antiestresse e evitar a ansiedade, além de colaborar para reduzir a vontade de fumar ou manter a abstinência. Quanto a este último argumento, minha área de especialização, posso assegurar que uma chupeta em nada é capaz de auxiliar a manter a distância do cigarro. Além disso, dentistas e outros especialistas em saúde bucal tem insistido na ideia de que a chupeta deforma os dentes e compromete a saúde da região.
O fato é que recorrer ao utensílio é uma forma de regressão à infância. Uma espécie de tentativa de administrar a pressão emocional valendo-se de um comportamento que remonta à segurança e ao conforto do início da vida. Um adulto de chupetas remete a uma certa ideia de exaustão com a fase adulta. A a verdade é que não faltam razões atualmente para se sentir exausto. Mas colocar uma chupeta na boca, definitivamente, não resolve o problema – apenas serve de alerta de que algo está errado e que é preciso elaborar novas maneiras de enfrentar desafios.
Diria mais: adulto chupar chupeta é uma coisificação das conexões. Para os bebês, chupetas são substitutos do peito, da mamada, um recurso para tranquilizar diante da ausência materna.
Desconfio que, nessa era de comunicações digitais, o item mais necessário é contato humano. Quanto mais amigos se tem online, maior o sentimento de solidão. E é nesse vazio que a chupeta tem espaço. Na falta. Na ausência.De certo modo, se assemelha ao papel do bebê reborn, só que às avessas.Ao invés de simular um filho, simula-se uma mãe.
A situação fica ainda mais complicada quando estes comportamentos são reproduzidos ad nauseam nas redes, posicionando-os como uma tendência de comportamento justificável. Essa lógica confirma a relevância de se criar uma estrutura emocional fortalecida, com discernimento, capaz de fazer escolhas orientadas pela vontade própria e não pelo comportamento da massa – ou da força das redes sociais.
A vantagem (ou desvantagem) é que chupeta e bebê artificial não reclamam, não choram, não brigam. Dão menos trabalho e não tem vontade própria. Mas não preenchem, não suprem a necessidade de afeto. E o vazio continua.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp (CRM 5249669-2 e RQE 21502); professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.