Elas no Ironman: o lado feminino de uma prova com nome de homem
No Rio, as mulheres são 20% do pelotão, mas já mudam a paisagem do triatlo com disciplina, estratégia e histórias cheias de emoção e superação
Da primeira braçada no mar em Copacabana ao sprint final no Aterro do Flamengo, o Ironman 70.3 Rio transformou a cidade em um palco de resistência na semana passada. Quase 2 mil atletas completaram a prova implacável: 1 km de natação (encurtada pelo mar mexido), 90 km de ciclismo e 21 km de corrida.
Desta vez, eu estava na torcida com minha filha, Alice, de 5 anos, que amou a farra: vestiu a camisa da equipe, fez fotos com “IronMans” fantasiados e pegou o megafone para gritar “você consegue!”. Nosso encontro com Anna Laura Secco, subsecretária executiva da Secretaria Municipal de Esportes do Rio, foi a cereja do bolo: ela emprestou para a Alice o troféu Amigo do Ironman, que ilustrou bem aquele momento.
Fiquei feliz de ver o quanto as mulheres têm um lugar especial numa prova com nome de homem, mesmo representando apenas cerca de 20% do pelotão. Os pódios da elite valem muito (e merecem ser celebrados), mas testemunhei de perto muitas outras campeãs e protagonistas de suas próprias metas.
Foi o caso de Debora Dyskant, triatleta amadora que divide a intensa rotina de treinos com a coordenação de marketing da Basel. Ela cruzou a linha de chegada festejando um marco: foi a primeira mulher da equipe Toscano a completar o percurso da prova.
“No último quilômetro da corrida, só pensava naquele jargão, ‘quando as pernas não tiverem força, use o coração’. Depois da natação e do pedal, cheguei ao meu limite de cansaço, sem dor, mas lutando para manter o ritmo até o final. Nessas horas a gente tem de ser super-heroína, sabe? Consegui ser forte e deu tudo certo: garanti o que eu queria”, lembra, feliz da vida.
Exigente consigo mesma, dessa vez Debora reconhece que se encheu de orgulho. “Foi uma das chegadas mais satisfatórias da minha vida; estava focada e entreguei até mais do que planejei. Veio uma sensação de plenitude, de missão cumprida. Uma felicidade rara porque sou tão autocrítica, sempre acho que poderia ter feito melhor. Mas desta vez pude dizer ‘parabéns pra mim’”.
Para ela, também pesou o simbolismo de pertencer a uma prova historicamente masculina. “Como mulher, completar o Ironman significa muito: numa prova em que cerca de 80% dos competidores eram homens, me senti ainda mais forte. Não é só homem que suporta esse nível de esforço. Nós conseguimos tudo o que eles conseguem, até um Ironman. Somos guerreiras”, conclui.
Na mesma toada, Vanessa Zamith, professora de inglês, relembra o que o endurance exige de adaptação no dia a dia.“É uma logística militar: acordava antes do sol para nadar, correr, pedalar ou malhar. O mais desafiador foi o ciclismo, porque os treinos são muito cedo — precisava acordar às 3h20 — e depois enfrentar o dia todo de trabalho. E, além disso, ainda tem supermercado, filho, namorado. Fim de semana? Em casa ou em programas matinê”.
Com o tempo, veio um ajuste de rota para liberar horas e tirar a culpa do caminho. “Passei a aceitar que minha casa não precisava estar impecável e que comida prática não é crime. Também parei de me culpar por não estar sempre disponível. Meu filho e meu namorado foram muito parceiros, adaptando-se à minha rotina e me apoiando”.
Estreante na prova, a triatleta Daniele Leal, cirurgiã vascular e mãe de um menino de 5 anos, conta que cuidar de si reverberou dentro de casa. “Meu conselho para outras mães é: façam algo por vocês. A minha vida é puxada, como a de todas as mulheres, mas vale muito a pena. Foi incrível como o meu filho percebeu como era importante para mim. Não precisa ser um Ironman. O importante é se desafiar e se dedicar a algo que te faça sentir melhor, como mulher e ser humano. Isso é importante para nossos filhos”.
Ver mais mulheres no Ironman é prova de que talento e perseverança não têm gênero. E não sou só eu que penso assim. “Isso vai além da prática esportiva: reflete uma transformação cultural, mostrando que mulheres estão conquistando seu espaço mesmo em desafios dominados por homens”, declara a médica esportiva Flavia Magalhães, autora de A insustentável leveza de ser mulher no futebol e referência em um campo majoritariamente masculino.
Para Flávia, na prática, faz diferença considerar particularidades femininas como saúde óssea, ciclo menstrual, níveis de ferro e riscos biomecânicos específicos. “Mulheres têm força, resistência e capacidade de superar barreiras. Um plano de treinos individualizado ajuda a prevenir lesões e overtraining, e faz toda a diferença na segurança e na longevidade esportiva. Cuidar da saúde física e mental não é luxo, é estratégia de performance”, incentiva.
O domingo carioca do Ironman 70.3 ainda rendeu um capítulo especial para outra mulher: a paranaense Manuela Cit, criadora de conteúdo e embaixadora da FILA, que venceu em sua faixa etária (30–34) e conquistou vaga para o Mundial de 2026, em Nice, na França.
“Disputar meu primeiro Meio Ironman foi uma experiência incrível e totalmente diferente de tudo que já tinha vivido. A parte mais difícil foi a corrida, última etapa. Mas a torcida fez toda a diferença”, declarou a triatleta, reconhecendo o poder da energia carioca que transforma todo esporte em algo ainda mais especial.
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