“A cidade foi tomada!” — Odete Roitman se espanta com as corridas no Rio
Ela voltou – e deu de cara com o Rio tomado por corredores. Tentei imaginar o que a icônica personagem de Vale Tudo diria sobre essa gente suada e feliz

Eu corro — e amo correr. Mas às vezes me pego pensando: o que será que uma figura como Odete Roitman diria se visse o Rio de Janeiro, de um domingo ao outro ocupado por pelotões de pessoas de shortinho, número no peito e sorriso aberto às 6h da manhã? A resposta é simples: “A cidade foi tomada!”, diria Odete, com aquele olhar de desprezo que só ela é capaz.
A personagem icônica voltou com força total na nova versão de Vale Tudo, e imagino que o fenômeno coletivo das corridas de rua seria, para ela, mais um retrato da decadência da sociedade. E o pior: Affonso agora é triatleta — o que, na cabeça da mãe, deve ser mais grave do que frequentar um restaurante sem lagosta e champanhe.
O que vem a seguir é uma provocação bem-humorada — e apaixonada — em cima do olhar ácido (e perspicaz) de Odette Roitman sobre como se tornou impossível andar pelo Rio de Janeiro sem esbarrar em corredores lindos e felizes.
Spoiler: ela odiou esse fenômeno das corridas de rua e diz que jamais correria… nem pra escapar de um escândalo!
“Acordar às cinco da manhã? Só se for pra fugir do país”
Odete considera quase um crime sair da cama antes do sol nascer pra correr. Honestamente? Às vezes eu também. “Domingo é para ler o jornal em silêncio, não para sair correndo feito fugitivo. Parece uma seita”, diria ela, ajeitando os óculos escuros.
“Virou desfile de gente suando. Que mau gosto”
Segundo Odete, a orla virou uma Fashion Week do suor. “Tênis que custam o preço de uma bolsa da Louis Vuitton? Tops e shortinhos neon combinando? O que aconteceu com o bom e velho moletom cinza dos anos 90? Que dress code lamentável”. Confesso que tenho tênis que já paguei em 10 parcelas.
“Postam até o suor, minha filha”
Não basta correr, tem que postar. Mas Odete ainda não consegue lidar com tanto entusiasmo digital: stories no meio do treino, selfie no pórtico, post cheio de emojis no Strava. “A corrida virou reality show?” Já fiz tudo isso também, claro! Só fico pensando o que será que ela vai achar quando souber que Maria de Fátima é influenciadora…
“Ninguém mais vai à praia, vai ao treino. Decadente”
Hoje ninguém mais diz que vai à praia — vai ao treino. “Ouvi um rapaz comentar ‘vou fechar na Urca’ e achei que fosse assinar um contrato de apartamento. Nada disso, era só o final de um treino”. Sim, a linguagem dos corredores é um assunto à parte.
“Esse povo se ama demais. Cansa”
Odete desconfia do clima fraterno entre os corredores, especialmente durante as provas. Gente que nunca se viu gritando “vamos, brilha, tá voando” para alguém que está pingando de suor. “Nunca vi tanta exaltação por gente suada, e o pior: espontânea”. Eu, sinceramente, acho lindo. Fico emocionada quando ouço uma motivação durante a corrida.
“Já já lançam curso de como suar com carisma”
Posso imaginar o dia em que ela vai flagrar Maria de Fátima gravando no calçadão um vídeo com “5 dicas pra correr com estilo”. “O que essa menina não faz por engajamento…”, vai suspirar. Eu não julgo. Se tivesse mais seguidores, faria igual.
“Correr agora é luxo. Essa terra não tem jeito”
Odete ficou chocada com o investimento de gente que nem é atleta profissional: tênis com placa de carbono, gel sabor banoffee, relógio com GPS e Wi-Fi. “No meu tempo, corrida era castigo. Agora virou experiência premium”. Ela tem um ponto. Pago mais por tênis de corrida do que por sapatos altos!
“Affonso agora faz transição. Isso é o fim”
A gota d’água foi ver o próprio filho, sempre tão formal, comentando sobre a transição nos treinos de ciclismo para corrida. “Ele agora só fala em zona de frequência cardíaca. Tenho saudade da época em que falávamos de ações na bolsa”. Eu achei chique. Mas entendo a dor dela.
“O carioca trocou o espumante pelo isotônico. Lamentável”
Ela notou que agora as pessoas marcam treinos coletivos como quem antes marcava um drink. “Se eu ouvir mais uma vez a frase ‘só vou se for longão leve’, eu peço demissão da humanidade”. Confesso que já recusei festa para dormir cedo antes do longão de fim de domingo. Sim, eu me tornei essa pessoa.
“O pior é que estão todos felizes. Como pode?”
Mas o que mais incomoda Odete não é o suor, o Strava, nem o look neon. É a alegria generalizada. “Eles acordam cedo, suam, sofrem… e ainda agradecem”. E não é que ela tem razão? Tem alguma coisa nessa alegria coletiva que parece incomodar quem não corre — ainda.
É claro que tudo isso é exagero – e é para ser, para rirmos de nós mesmos. No fundo, Odete representa aquele olhar crítico — e tantas vezes divertido — que todo corredor já enfrentou. Quem não tem um amigo que já se espantou diante da rotina que nos move, achando estranha a felicidade em fazer tudo isso sem motivo aparente?
Mas tem motivo, sim. E tem sentido também. E quem sabe, um dia, até Odete acabe cedendo. Começa com uma caminhada no calçadão… e quando se der conta, estará ensaiando um post com a legenda: “Ninguém segura uma Roitman quando ela decide ir até o fim”.