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Zico volta ao Maracanã para comandar clínica inédita de futebol

O maior artilheiro do templo do futebol, com a marca de 334 gols em suas redes, será também o primeiro jogador a produzir um evento no estádio

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 28 nov 2017, 16h37 - Publicado em 24 nov 2017, 10h18
O ex-jogador na arquibancada: 800 vagas na clínica  Zico Camp 10, com ingressos entre 800 e 1 500 reais (FELIPE FITTIPALDI/Veja Rio)

A jogada quase deu certo. De barriga saliente, repuxando de leve o joelho esquerdo e vestido de calça jeans e camisa social de mangas curtas, o senhor de 64 anos (aparentando menos) bem que tentou passar rápido e despercebido pela área de exposições do Maracanã na sexta-feira 17. Entretanto, foi só cruzar com uma aglomeração de meia centena de visitantes para que o grito “É o Zico!” fosse ouvido e desencadeasse uma verdadeira comoção. Em segundos, o esforço do craque para manter-se incógnito desmoronou. Enquanto ele posava para a foto da capa desta edição de VEJA RIO, o grupo ocupou a linha lateral do gramado, debaixo de um sol escaldante, na esperança de conseguir uma selfie ou um autógrafo do ídolo. E não eram só torcedores do Flamengo, em que Zico ocupa o trono de maior jogador da história do clube. Ele atendeu com gentileza e paciência um a um. “Meu sonho era ver o Zico jogar aqui, mas não tive a chance. Hoje estou realizado”, vibrava o pernambucano Jorge Paiva, de 46 anos, torcedor do Náutico, que exibia como troféu a camisa autografada nas mãos trêmulas. Tamanha emoção é explicável: não é comum uma visita ao maior templo do futebol mundial ser coroada com a presença do soberano absoluto da artilharia dali –  foram 334 gols marcados por ele naquelas redes.

É justamente na arena onde estreou como profissional, aos 18 anos, em 1971, e viveu alguns dos momentos mais importantes da carreira que o eterno Galinho de Quintino fará sua nova jogada. Pela primeira vez em 67 anos o colosso abrirá as portas para uma clínica de futebol. Batizado de Zico Camp 10, o evento começa a ter os ingressos vendidos nesta semana e acontecerá em 6 e 7 de janeiro. “Tenho três casas: aquela em que moro, na Barra, o Flamengo e, claro, o Maracanã”, resume o ex-jogador. Sua história começou a se misturar com a do santuário do futebol muito antes de sua estreia como profissional do rubro-negro. Aos 12 anos, quando já exibia uma habilidade fora do comum no time de futebol de salão do Inharé, agremiação de Cascadura, foi ao Maraca assistir a um jogo entre Flamengo e Vasco. Chegou ao estádio cinco horas antes, determinado a driblar a segurança e chegar até o campo. Ele queria sentir o prazer de pisar no gramado onde já haviam brilhado os deuses da bola. Na clínica que acontecerá em janeiro, as crianças e os adolescentes terão não só a chance de aprimorar os fundamentos do esporte como também correr, tocar a bola e dar uns dribles nas quatro linhas em que Zico fez história, Pelé comemorou o milésimo gol e Garrincha deu olés desconcertantes. A proposta é que a meninada com idade entre 7 e 14 anos experimente um quinhão da rotina de um jogador profissional. Para isso, os participantes (meninos e meninas) usarão as instalações destinadas aos atletas em dia de jogo, inclusive o vestiário. Ao final, os pais também terão a chance de mostrar seu talento em uma rápida pelada com ex-jogadores no gramado. A ideia é que a atividade, que deve reunir cerca de 800 jovens dispostos a pagar de 800 a 1 500 reais pela experiência, entre para o calendário oficial de eventos do Maracanã e do Rio, com duas edições anuais, em janeiro e julho. “Não poderíamos fazer esse evento com outro nome. A trajetória do Zico se mistura com a do estádio”, diz Mauro Darzé, diretor-presidente do complexo esportivo.

(VEJA RIO/Veja Rio)

Basta ver a desenvoltura com que Zico anda pela imensidão do Maracanã para perceber que ele de fato se sente muito à vontade por ali. Dias antes do evento para a criançada, o craque protagonizará um concorrido bate-bola naquele campo, o Jogo das Estrelas, partida beneficente que no ano passado teve Neymar entre os participantes. Tamanha familiaridade só é turvada por um incidente que envolveu a organização da Olimpíada de 2016. Ao lado de Bellini, capitão do time que levou o título mundial de 1958, Zico ganhou a distinção de ter uma estátua sua no estádio. Porém, em meio à reforma para os Jogos, a peça foi retirada de seu lugar original e abandonada ao relento, num canto do complexo. Incomodado, ele mandou tirar a escultura do local e levou-a para a sede do Flamengo. “Para fazer a Olimpíada aqui, abriram-se as pernas para esses dirigentes canalhas, e deu no que deu. E não foi só com minha estátua que houve descaso. Muitas peças do acervo do museu do estádio sumiram. Foi uma vergonha”, irrita-se o ex-meia, normalmente calmo.

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Com Neymar, no Jogo das Estrelas, no Maracanã, em 2016: futebol beneficente (ALEXANDRE BRUM/AG. O DIA/Veja Rio)

Aposentado como jogador há 23 anos — teve uma despedida no Brasil em 1990 e outra, em 1994, no Japão —, o ex-camisa 10 do Flamengo e da seleção encarna um estilo singular de craque. Reverenciado até por quem não gosta do clube da Gávea, o único time que o jogador defendeu no Brasil, Zico continua uma marca fortíssima fora dos gramados. Muito dessa boa imagem foi forjada pela combinação de uma carreira ilibada com o jeito família e o talento com a bola nos pés. A clínica de futebol no Maracanã vem se somar a uma gama de negócios. Além da franquia de escolinhas de futebol, presente em dez estados e parceira de instituições como a Escola Eleva, criada pelo bilionário Paulo Jorge Lemann, o ex-jogador tem mais de trinta produtos licenciados. O melhor batedor de faltas da história do nosso futebol também foi homenageado há um mês pela Toyota: a Rodobens, que representa a montadora japonesa no país, lançou o Corolla Zico Limited Edition. O craque ainda virou personagem na versão 2018 do game Pro Evolution Soccer (PES), junto dos jogadores atuais do elenco rubro-negro. “O Zico é uma personalidade que o tempo preserva. O que fez em campo e o que é como pessoa são ativos para qualquer marca”, observa o publicitário Nizan Guanaes. Apresentador e comentarista do canal de TV paga Esporte Interativo, o ex-jogador é muito requisitado para eventos e palestras (o cachê, segundo fontes do mercado, vai de 50 000 a 80 000 reais). Neste ano estreou no YouTube. Produzido pela empresa que cuida dos vídeos do fenômeno Felipe Neto, o canal Zico 10 começou, em março, com 554 000 visualizações e já acumula quase 8 milhões de views. “Pesquisas mostraram que Zico é o único jogador brasileiro sem rejeição, na frente até de Pelé. Com a força do mundo digital, ele não só atinge quem o viu jogar como as novas gerações”, avalia Cassiano Scarambone, sócio da empresa de conteúdo Take4 e dono da produtora Millagro, que cuida do produto.

(Veja Rio/Veja Rio)

Não é só no Brasil que Zico, nascido Arthur Antunes Coimbra no subúrbio de Quintino, desperta idolatria. Diferentemente dos talentos atuais, fisgados por times europeus no início da carreira, ele chegou ao Udinese com 30 anos. Uma faixa do estádio da cidade de Udine, onde foi homenageado em agosto, resumiu a experiência no clube italiano: “Graças a você o mundo nos conheceu”. Peça-chave na profissionalização do esporte nos gramados nipônicos, onde defendeu o Kashima Antlers, o ex-­meia é endeusado no Japão. Foi naquele país que o ex-jogador virou treinador, comandando depois times na Turquia, Uzbequistão, Rússia, Iraque, Grécia e Índia. Em suas andanças pelo mundo não faltam passagens curiosas. Na terra do sol nascente cometeu uma gafe já no primeiro jantar importante: saiu brindando e dizendo tim-tim, o que provocou risadinhas entre os anfitriões (a expressão, em japonês, é usada para designar o órgão sexual masculino). Em 2011, no Iraque, um país ainda em constante tensão pós-guerra, levou um susto assim que desembarcou ao deparar com uma metralhadora no banco do carona do carro que o conduziria ao hotel. Hoje em dia, Zico diz que até gostaria de viver novamente a aventura de treinar times estrangeiros. A expertise técnica dos brasileiros, porém, deixou de ser desejável lá fora depois do vexatório 7 a 1 de 2014.

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As únicas propostas que rejeita de antemão é ser político ou dirigente esportivo. “Não me arrependo de ter assumido a Secretaria de Esportes do Collor. Mas, se a gente for falar de políticos e dirigentes esportivos, ninguém pode mais jogar pela seleção ou disputar uma Olimpíada”, dispara. Entretanto, considera sua passagem pela direção executiva do Flamengo, em 2010, uma decepção. “Tentei ajudar o clube, mas havia outros interesses e começaram a acusar injustamente meus filhos de se beneficiarem do meu cargo. Processei pessoas que depois me pediram desculpas”, diz, sem revelar nomes. Apesar de Zico descartar a possibilidade de voltar a ser um mandachuva no rubro-­negro, suas opiniões ainda têm muito peso na Gávea. Na semana passada não fazia segredo, por exemplo, de seu apoio à volta de Adriano, o Imperador, ao clube. Sobre sua frustrada tentativa de candidatar-se à presidência da Fifa, há dois anos, o ex-jogador é enfático: “Eu me sentia preparado, mas não tenho jatinho para rodar o mundo comprando voto, como os outros fazem e eu jamais faria”.

Zico como treinador da seleção japonesa: profissionalização do futebol nipônico (KIYOSHI OTA/REUTERS/Veja Rio)

Na era Zico, como ficou conhecido o ápice de sua carreira, o craque era uma máquina de títulos. Conquistou a Libertadores e o Mundial Interclubes, foi campeão brasileiro em 1980, 1982, 1983 e 1987 e ganhou seis campeonatos estaduais, tudo pelo rubro-negro. Só não levantou o tão sonhado troféu dourado que simboliza o título mundial. Na Argentina, em 1978, a seleção amargou um terceiro lugar e, em 1982, quando a equipe canarinho ostentava o futebol-­arte e era franca favorita, sucumbiu diante da Itália. Sua mais frustrante atuação em uma Copa, porém, foi em 1986, no México, quando, ao ser escalado no segundo tempo contra a França, ainda frio e longe da melhor forma física, perdeu um pênalti. Os mais críticos chegaram a dizer que havia amarelado. “Foi difícil dormir depois, ninguém quer perder. Eu vestia a camisa com a cor mais famosa da seleção, então, como dizem, amarelei”, ironiza. O ex-jogador Júnior, com quem dividia o quarto no Mundial, parte em sua defesa: “É normal ter uma caça às bruxas. As pessoas se esquecem do sacrifício que ele fez, com intermináveis sessões de musculação, para estar ali. Isso em nada diminuiu sua história e a admiração dos colegas”. Um ano antes, “em uma entrada criminosa” do zagueiro Marcio Nunes num Flamengo contra Bangu, sua carreira foi posta em risco. Em três ocasiões, submeteu-se a cirurgia no joelho esquerdo — o que repuxa às vezes —, uma delas nos Estados Unidos. Poucos sabem, mas em uma noite, após a cirurgia no exterior, foi amarrado na cama de tanto que urrava de dor e recebeu doses cavalares de morfina. No dia seguinte, fez questão de dispensar o analgésico. É motivo de orgulho para ele dizer que jamais na vida pôs um cigarro na boca nem usou drogas. “Como em qualquer área, poderia ter acesso a drogas no futebol. O dinheiro te dá possibilidade de fazer coisas boas e besteiras também”, diz. Atualmente, com 25 quilos a mais do que tinha nos tempos de glória nos campos (tem 1,72 metro e 94 quilos), o craque aposentado se dedica aos negócios e ao convívio com a família — casado há 42 anos com Sandra, é pai de Júnior, Bruno e Thiago e avô de seis netos. Mas os olhos brilham mesmo quando ele pisa o verde impecável da grama bermuda celebration que recobre o solo sacrossanto do Maior do Mundo.

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