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Violência epidêmica castiga saúde mental em comunidades cariocas

Pesquisadoras como Liliane Vilete alertam para o impacto negativo do estresse prolongado no desenvolvimento de crianças e jovens

Por Beatriz Villar, Beatriz Siqueira e Letícia Guimarães*
Atualizado em 4 jan 2023, 12h33 - Publicado em 4 jan 2023, 12h29
Foto mostra comunidade da Rocinha
Rocinha: moradores se recusam a deixar área com risco de queda de encosta (Geovanna Veiga/Arquivo pessoal)
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A violência em favelas cariocas castiga progressivamente a saúde mental de moradores, já abalada com a pandemia. Vira gatilho para transtornos mentais, cuja incidência, apontam pesquisas científicas, tem crescido desde 2020 no Brasil e no Rio.

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Moradora da Rocinha há 19 anos, Jaqueline de Oliveira ressalta que os nervos são afrontados pela recorrência de confrontos. “Na disputa entre facções [crimonosas] em 2017, por exemplo, ouvi um tiro muito de perto pela primeira vez. É óbvio que a gente ouve, é inevitável, mas sempre de longe. Neste dia os tiros estavam em cima da minha casa. Fiquei apavorada. Queria me enfiar debaixo da mesa. Minha mãe não estava em casa. Foi desesperador. Pensei em me mudar o mais rápido possível”, recorda. 

Os medos e incertezas decorrentes da insegurança, somados às tensões da pandemia, formam uma tempestade perfeita na saúde mental. A violência epidêmica produz traumas e tem uma relação direta com o desenvolvimento de transtornos mentais psiquiátricos de moradores do Rio e de São Paulo, como constata pesquisa do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, publicada em 2014. O levantamento identifica um efeito cumulativo: a cada trauma vivenciado, maior se torna a chance de se desencadear um transtorno mental. 

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A psiquiatra Liliane Vilete, uma das pesquisadoras envolvidas, explica que a duração do trauma é igualmente relevante. Impactos físicos e emocionais prolongados, derivados do contato regular com a violência, geram sequelas mentais mais significativas.

“Quando é submetuido a um evento estressante, o corpo ativa o modo ‘luta e fuga’. O coração acelera, a pressão arterial se eleva e a atenção tende a ficar focada nesse evento. É um mecanismo fisiológico que passa quando a situação acaba. No entanto, se o evento é prolongado, a pessoa não consegue voltar ao seu estado de equilíbrio”, esclarece a especialista.

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A fase de vida em que o trauma acontece revela-se igualmente crucial. Quanto mais jovem é a vítima, maior tende a ser o risco à saúde mental. Efeito observado, durante a pesquisa, em crianças e jovens que perderam pais ou parentes próximos em confrontos armados. “As crianças, além de serem um grupo vulnerável, se apoiam em sua rede proteção: a família. A fragilidade dessa rede, aliada a um cenário de vizinhança instável e privação econômica, influencia a forma com a qual a criança se desenvolve, inclusive sua saúde”, observa Liliane. 

O Instituto de Segurança Pùblica (ISP) registrou, entre janeiro e outubro de 2022, 3.735 mortes violentas no Rio. Embora corresponda a uma queda de 9% em relação ao mesmo período do ano anterior, a quantidade de casos mantém-se expressiva e concentrada nas populações pobres e vulneráveis. Reflexo do que alguns especialistas em segurança pública consideram uma guerra urbana, insuflada por disputas entre facções do tráfico e milícias em favelas.

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Para Jaqueline, o cenário belicoso se agrava com a naturalização de absurdos: “A gente realmente naturaliza situações que não são normais, como ver pessoas armadas no cotidiano, ao longo da nossa vida”.

O fantasma da violência assombra constantemente moradores de comunidades e periferias. Além de impactos sociais, econômicos, físicos, o espectro da insegurança, alertam pesquisadoras como Liliane Vilete, afetam inexoravelmente a saúde mental.

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A normalização da violência não diminui o medo e a ansiedade de quem se relaciona frequentemente com as suas várias faces. Pelo contrário, aumenta o risco de transftornos mentais, sobretudo se acompanhada da sensação de desamparo não raramente estendida ao poder público.

A estudante Karen Fontoura, moradora da Rocinha há 20 anos, relata: “Não me sinto protegida pela polícia. Tenho ansiedade, frio na barriga, medo. Não é apenas uma violência policial, mas sim uma violência governamental.”

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*Beatriz Villar, Beatriz Siqueira e Letícia Guimarães, estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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