A ciência não para: tudo sobre a Universidade de Oxford no Rio
A chegada de um polo de pesquisas e ensino da instituição é uma injeção ao conhecimento em uma cidade na constante busca pela excelência
Demandada em potência máxima nestes turbulentos tempos pandêmicos, a ciência brasileira anda enfrentando sacolejos como nunca antes, derivados de um explosivo misto de falta de verbas e desconfiança da turma que veda os olhos à realidade. Às vésperas do Natal, 24 pesquisadores da Capes, órgão de alta envergadura à frente da pós-graduação nacional, renunciaram a seus cargos. A debandada chegaria a 138 especialistas, trazendo à tona uma crise sem precedente, provocada por problemas de orçamento que impactaram pesquisas já em marcha. Na Anvisa, a temperatura também subiu. Após autorizar a aplicação da vacina contra a Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos, diretores e técnicos sofreram ameaças vindas de um grupo insuflado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, ele chegou a pedir a divulgação dos nomes dos servidores que haviam chancelado a decisão — aliás, amplamente aceita na academia mundial.
Pois eis que em meio a este cenário inóspito e pouco alvissareiro veio uma ótima notícia: a prestigiada Universidade de Oxford, uma das melhores do planeta, abrirá em solo carioca sua primeira unidade de ensino e pesquisa fora do Reino Unido. O foco inicial é o combate à Covid-19, mas o plano é ir muito além. “A partir da base de profissionais e instituições no Rio, vamos trabalhar para formar cientistas e médicos e desenvolver novos conhecimentos”, resume o médico e professor Andrew Pollard, diretor do Grupo de Vacina de Oxford.
Por trás da bem-vinda iniciativa está a infectologista Sue Ann Costa Clemens, uma entusiasmada carioca que atuou diretamente nos estudos do imunizante desenvolvido por Oxford junto à farmacêutica AstraZeneca. O que viria a se tornar uma sólida e duradoura parceria começou no ano passado, após a cientista capacitar em quatro meses 22 centros de testes para a fabricação da vacina na América Latina, seis só no Rio.
Com toda essa rede erguida e funcionando, Sue Ann avaliou que não fazia sentido que a estrutura se dissolvesse com o passar da pandemia. Apresentou então a Pollard a ideia de dar continuidade às pesquisas nestas praias, enquanto buscava o apoio do Ministério da Saúde e da prefeitura, unindo todos os braços da parceria. “O Rio já esteve no auge das pesquisas científicas, caiu muito nesse quesito ao longo dos anos, porém ainda conta com vários institutos de ponta, como o Inca, o de Cardiologia e o Vital Brazil, e a Fiocruz, que podem contribuir imensamente com projetos futuros”, afirma a médica e agora diretora do projeto carioca, condecorada pela rainha Elizabeth no segundo semestre de 2021 com uma honraria concedida a pessoas que se destacam pela contribuição ao bem comum.
As reuniões para alinhar os detalhes da unidade de “Oxford in Rio”, como já é chamada, ou Oxford Brazil Unit, o nome oficial, não cessam. Acontecem diariamente e, não raro, passam das 23 horas. “Depois, ainda emendo outros trabalhos”, conta a incansável Sue Ann, que ainda arranjou uma brecha para lançar no fim do ano o livro História de uma Vacina.
Desse esforço concentrado, saíram algumas decisões sobre a nova instituição. Serão duas bases na cidade, uma delas no Instituto Carlos Chagas, na Avenida Beira-Mar, onde ficará o grupo de trabalho comandado por Sue Ann, formado por dez profissionais. Uma rede de 150 colaboradores ficará a postos do outro lado do oceano para dar o suporte necessário, podendo abraçar determinadas etapas dos estudos que têm como objetivo avançar no conhecimento e no tratamento da Covid-19 e outras doenças. Também estarão por lá os coordenadores da divisão educacional, outro alvo da cooperação — talhar cérebros para exercer a boa ciência. “Esta parceria servirá de vitrine para mostrar ao mundo a excelência em pesquisas médicas que temos aqui”, celebra Ricardo Cavalcanti Ribeiro, presidente do Instituto Carlos Chagas.
O segundo endereço na capital fluminense que abrigará o núcleo de Oxford é o Centro Cultural do Ministério da Saúde, na Praça Marechal Âncora, onde poderão ser desbravadas áreas como as de doenças infecciosas, vacinas e cardiologia. Até o momento, há seis estudos engatilhados — um deles, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, testará a eficácia da utilização de doses fracionadas no reforço contra a Covid-19. Essas pesquisas podem desembocar no aumento da oferta mundial de imunizantes, sobretudo em países mais pobres e menos abastecidos deles.
O novo coronavírus é o ponto de partida de investigações científicas que se pretendem muito mais abrangentes. Estão na mira, por exemplo, os estudos de uma vacina contra a malária. “Queremos fazer os testes de eficácia no Brasil, já que temos a expertise nas pesquisas e a doença circulando no país”, adianta Sue Ann. Na seara acadêmica, o objetivo é, ainda no primeiro semestre, estrear cursos de atualização na área de saúde global, oferecidos em modelo híbrido (on-line e nos auditórios do Carlos Chagas), com dupla certificação, brasileira e europeia.
Mais antiga universidade de língua inglesa e uma das mais longevas do mundo, a ilustre instituição de ensino superior britânica teve suas primeiras aulas ministradas em 1096. Situada em Oxford, concentra um conjunto de 39 núcleos de ensino espraiados pelo centro medieval, daí o apelido que lhe foi dado pelo poeta Matthew Arnold — “a cidade dos pináculos sonhadores”.
O protagonismo em desenvolver uma das pioneiras vacinas contra a Covid-19 é apenas um dos feitos da instituição de onde já saíram 28 primeiros-ministros do Reino Unido (entre eles Boris Johnson) e trinta vencedores do Prêmio Nobel. Leva a fama ainda por ter tido no corpo docente nomes como o romancista Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas, e J.R.R. Tolkien, de O Senhor dos Anéis. “Estar em contato direto com diversos departamentos desta que vem sendo a melhor universidade do mundo há séculos só tem a acrescentar, e muito, ao Brasil”, enfatiza Sue Ann, observando o outro lado da moeda: “Oxford também tem muito a ganhar, uma vez que seus cientistas terão acesso ao estudo de doenças inexistentes em território britânico. Estamos ampliando as possibilidades de descobertas e ganhos científicos para a humanidade em nível de saúde global”, celebra.
A versão Oxford à beira-mar, com direito a logotipo que inclui o Cristo Redentor de braços abertos e ondas que remetem ao calçadão da orla, criado pela Secretaria Municipal de Educação, soma-se a outros centros de excelência nos campos de pesquisa e ensino na área de ciência e saúde.
É o caso do Instituto D’Or (Idor), que investe firmemente em seu programa de intercâmbio de cientistas brasileiros, também por meio de parcerias com instituições internacionais, e envereda por áreas ainda pouco exploradas. “Queremos fortalecer as colaborações e evitar a evasão de cérebros, o que nos exige criar situações que permitam aos pesquisadores treinar no exterior, avançar e voltar para desenvolver pesquisa de ponta no Brasil”, diz Fernanda Tovar-Moll, presidente do Idor, que lançará neste ano cursos de graduação em enfermagem e psicologia, no mesmo terreno do Hospital Glória D’Or, onde o espaço será ampliado para alojar laboratórios voltados à pesquisa clínica.
E quando parece que os ventos estão soprando contra, outra boa nova agita a ciência nestas praias: a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, inaugurou em dezembro um Biobanco, iniciativa pioneira que poderá reunir 1,5 milhão de amostras de materiais biológicos humanos e não humanos. Erguido ao custo de 40 milhões de reais, o complexo, com previsão de funcionar a pleno vapor já no primeiro semestre, inicialmente só vai tratar de assuntos referentes à Covid-19, mas, mais adiante, a ideia é receber outros vírus, bactérias, fungos e protozoários, além de coleções zoológicas e botânicas, como ocorre nos grandes museus de história natural planeta afora.
É como ter ali uma cópia guardada do material mais importante, do ponto de vista taxonômico, epidemiológico e biotecnológico, de várias espécies. “Essa estrutura permitirá o enfrentamento de futuras epidemias, a partir de um banco que servirá para pesquisas, desenvolvimento de kits de diagnóstico e vacinas”, esclarece Manuela da Silva, gerente-geral do projeto. Mais uma demonstração de que a luz da ciência nunca se apaga.
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