Viagem de corpo e alma: o turismo de bem-estar ascende no interior no Rio
Nessas regiões cercadas de natureza, um pontilhado de hotéis oferecem o que todo mundo — literalmente — quer nos dias de hoje: mente sã e ar puro
Os números são do “doutor Google”, aquele ao qual é praxe recorrer quando se está à procura de qualquer resposta: nos últimos meses, em pleno período pandêmico, as buscas pela pergunta “O que é qualidade de vida?” saltaram 130% por aqui. No mesmo, digamos, oráculo virtual, a caça pelo termo “saúde mental” avançou 30%. Foi justamente no afã de achar uma trégua que as pessoas começaram a garimpar cada vez mais opções para um belo respiro. E isso se refletiu no modo de viajar: o turismo de bem-estar — a principal tendência do mercado — só cresce desde que o mundo se pôs do avesso.
São passeios que põem os cidadãos ora enclausurados em lugares e experiências que contribuem para o equilíbrio pessoal, envolvendo exercício físico, práticas mentais, vivências na natureza, cardápios saudáveis e até lições de sustentabilidade. “Isso era muito associado a spas e retiros, mas está extrapolando esse universo para ter como cenário hotéis de todas as modalidades”, pontua Verônica Feder Mayer, vice-coordenadora do programa de pós-graduação em turismo da Universidade Federal Fluminense.
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E dá-lhe ofertas aprazíveis em propriedades não muito longe da cidade, repletas de novidades para deixar — ou, ao menos, tentar deixar — os hóspedes um pouco mais zen. Em Teresópolis, o Le Canton incluiu aulas de ioga e meditação na programação diária, ampliou os tratamentos no spa, administrado pela francesa L’Occitane, e dobrou o número de cavalos, para dar conta da demanda crescente pelos passeios nas montanhas.
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“A procura por essas atividades se estende agora pelos dias de semana, por gente que aderiu ao home office e prolonga a estada”, diz a diretora-geral Mônica Paixão, que já trabalha em outras iniciativas nessa seara, como a trilha de mountain bike a ser inaugurada até o fim do ano na propriedade com ares de castelo medieval na bela Serra Fluminense.
Com o exuberante pontilhado de montanhas que emolduram suas rotas turísticas, a região serrana, a mais fria do estado — com altitudes que variam de 300 a 2 800 metros acima do nível do mar —, tornou-se um convite natural ao relaxamento. “Além da subida de 50% nas reservas, percebemos que as pessoas estão ávidas pelos serviços de massagem e pelas áreas externas, como a das quadras esportivas”, corrobora Hugo Crocchi Filho, proprietário do charmoso Eco Resort Hotel Villa São Romão, com dez chalés cercados de verde, piscinas naturais e cachoeiras, em Lumiar, distrito de Nova Friburgo.
Não bastasse ter recentemente criado duas grandes hortas orgânicas no terreno (uma delas hidropônica), abertas aos visitantes, ele investe em um projeto, previsto para daqui um mês, em que o hóspede poderá colocar na bagagem os alimentos colhidos in loco. “Está tudo interligado: as pessoas querem mais natureza, mais esportes e uma alimentação melhor”, afirma.
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A preocupação com a saúde nestes tempos de vírus é natural. Angustiado em meio à rotina atribulada, o juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio Vitor Moreira Lima, 47 anos, ganhou da mulher no último aniversário, em agosto, uma semana no Rituaali Clínica & Spa, em Penedo, a duas horas e meia da capital, com direito a um cardápio de mais de trinta tratamentos e terapias.
De início, viajou meio contrariado, mas aprovou com tanto gosto a experiência que, no início deste ano, rumou para lá sozinho atrás de sossego. “Um novo mundo se descortinou para mim, sem exagero. Voltei outra pessoa”, comenta o juiz, coordenador do Comitê Estadual da Saúde, que havia adicionado à balança 30 quilos. Após as duas estadas no mato, já eliminou 19, voltou a surfar, abraçou as corridas, as partidas de tênis e incorporou a meditação à rotina. “Descobri nesse tipo de viagem uma forma de resgate à essência do que eu era e estava ali escondido”, filosofa o magistrado.
A turma sintonizada com corpo e mente não é mais, definitivamente, uma tribo isolada. “A questão do wellness tornou-se prioridade para gente de todas as idades. Temos notado cada vez mais jovens por aqui”, ressalta Lorena Trindade, diretora de marketing e relacionamento do Rituaali, que passa por uma ampliação — o número de chalés vai pular de 22 para 27 e, até o fim do ano, a área de hidroterapia (massagens, duchas e imersão) será expandida em 350 metros quadrados.
Encravado em uma fazenda com jardins projetados por Burle Marx, o hotel-butique Casa Marambaia, em Corrêas, também aposta no menu de atividades pró-saúde. A partir de setembro, haverá salas de massagem na área da piscina, saunas com hidromassagem e um espaço para cozinhar junto aos chefs, os franceses Roland Villard e David Mansaud. “Estamos investindo em alternativas para fazer com que o hóspede curta a beleza e as atrações locais, um ato de desconectar para reconectar, tão necessário no momento”, acredita Emir Penna, diretor da Promenade, administradora do empreendimento com mais de 7 quilômetros de trilhas.
Outro pilar sobre o qual está fincado o turismo do bem-estar é o da sustentabilidade. A associação de viajantes Circuito Elegante está, inclusive, lançando a chancela green, a fim de mapear os locais com boas práticas ligadas à conservação do meio ambiente. “A pandemia está colocando em evidência o que é importante para cada um, e a hotelaria tem de se adequar”, enfatiza a CEO Priscila Bentes.
Pois bem: a sensibilidade em relação aos recursos naturais vem norteando várias das novidades que brotam logo ali, a um breve trajeto de carro dos barulhos da cidade. Na pacata Sacra Família do Tinguá, o Uaná Etê, com seus 26 belos jardins (uma espécie de Inhotim fluminense), abriu o complexo de 135 000 metros quadrados, já na pandemia, para pernoite. A mais disputada das acomodações é toda revestida de vidro, sem banheiro nem luz elétrica. “Entregamos uma cesta de sobrevivência com lanterna, repelente, radiocomunicador e café da manhã”, detalha a harpista Cristina Braga, idealizadora do local emoldurado pela vasta Mata Atlântica.
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A cerca de quarenta minutos dali, em Vassouras, a histórica Fazenda São Luiz da Boa Sorte assinou, no fim de junho, um convênio com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro para reflorestar a área da propriedade, na região do Vale do Café. “Junto aos agrônomos, os hóspedes podem fincar no terreno sua muda. Já plantamos cerca de 2 000 nativas, mas o objetivo é ir além”, empolga-se a proprietária Liliana Rodriguez. A palavra do dia é viajar, cuidar de si e do planeta.
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