Hora de se remexer: treinos de mobilidade conquistam os cariocas
Evolução do alongamento, modalidade tem alta procura nas academias e contribui com a prática de esportes e a qualidade da vida cotidiana
A cada dia pipoca uma novidade no mundo fitness, que vai acompanhando as necessidades humanas. No período pandêmico mais agudo, foi a vez de os exercícios em casa e ao ar livre ganharem espaço, em um exemplo notável de adaptação. Agora, com a volta das atividades presenciais, as academias e os estúdios cariocas apostam firme nos treinos de mobilidade. Trata-se de um conjunto de exercícios para melhorar a saúde em geral e o funcionamento das articulações, tanto das pessoas que precisam se movimentar, como ombros, quadris e tornozelos, quanto das que requerem estabilidade para sustentar impactos — caso de joelhos e cotovelos.
A prática ajuda também a prevenir lesões, já que nenhuma parte fica sobrecarregada, e é amplamente usada para o aquecimento antes do treino. “Estamos falando da capacidade do corpo de se mover livremente e sem dores, não só para um melhor desempenho esportivo, mas para a qualidade de vida em ações cotidianas”, observa Eduardo Netto, diretor técnico da Bodytech. A crescente demanda pelo método levou a rede de academias, inclusive, a incluir em sua grade (inicialmente na unidade da Barra) uma aula inteira dedicada a tais exercícios, batizada de Mobility Training, com trinta ou cinquenta minutos.
Embora só recentemente a mobilidade articular tenha sido vastamente abraçada pela população fitness, ela já está na mira de treinadores e preparadores físicos há algum tempo. Na última década, as formas de aquecimento evoluíram muito e passou a prevalecer a compreensão de que só aquele bom e velho alongamento, tal como conhecemos, não dá mais conta sozinho do recado.
“O alongamento é um dos componentes da flexibilidade, mas não basta para preparar o corpo. É preciso um trabalho simultâneo de força, estabilidade e respiração”, explica Renata Amato, sócia do Celeiro, centro de treinamento de esportes de areia e condicionamento físico com unidades na Barra e no Recreio. Ali, ela e o marido, Jean Amato, começam todos os treinos com movimentos dessa natureza.
“Sempre se acreditou que devemos alongar os músculos para evitar estiramentos e distensões na corrida, mas estudos mostram que apenas isso não previne lesões”, afirma o ortopedista e maratonista Sérgio Maurício, especializado em medicina do esporte. Ele explica que, em uma aterrissagem no solo, tornozelos, joelhos e quadris funcionam como uma espécie de mola, amortecendo o impacto.
Quando esse sistema está com a capacidade reduzida, porém, pode levar a sobrecargas. A mobilidade justamente se encarrega de ativar os ligamentos e a cápsula que protege as articulações, o que é altamente desejável. Afinal, muita gente sem força nas articulações acaba se machucando feio.
Essas séries já vinham se tornando mais comuns e ganhando destaque no rol das tendências listadas pelo prestigiado Colégio Americano de Medicina do Esporte uns anos atrás, principalmente com o boom do crossfit e dos treinamentos funcionais. “São atividades intensas, que envolvem potência, explosão, saltos e movimentos não lineares, e sem preparo podem causar contusões”, lista Adriana Lemos, mestre em ciência da motricidade humana e professora da Rovertraining, na Barra, onde comanda, há um ano, aulas diárias desses movimentos.
Mundo afora, a maioria dos atletas de ligas profissionais — do basquete ao futebol americano e à ginástica artística — adota os chamados “protocolos de mobilidade”. É o caso da medalhista olímpica de vôlei de praia Ágatha Bednarczuk Rippel, que incorporou os exercícios na rotina antes dos treinos na academia ou na areia.
“Sinto o corpo inteiro trabalhar, membros inferiores e superiores, costas e lombar. Percebo que, se deixo de fazer, vou ficando mais endurecida”, avalia a jogadora de 39 anos, grávida de seis meses. Ela investe em movimentos específicos, para melhorar a sustentação e a amplitude, útil na execução de bloqueios, por exemplo.
Os benefícios são, em geral, atestados por esportistas de alto rendimento. Ex-Flamengo e prestes a embarcar para a Polônia, a também jogadora de vôlei Maira Cipriano, 27 anos, vê a mobilidade como parte fundamental da preparação de um atleta. Ponteira, ela treina movimentos de tornozelo, quadril e ombro para suporte e sustentação — é assim em todos os clubes pelos quais passou.
“Em quadra, vejo muita diferença na estabilidade e uma maior consciência corporal dos movimentos. Quando vou saltar para atacar, percebo o que estou ativando, o corpo fica mais solto”, comenta a jogadora. A atividade é indicada para muito além do panteão da alta performance. Vale para todos que, potencialmente, podem ter a mobilidade enferrujada — incluindo a vasta turma que passa tempo demais à frente do computador.
“Você ganha controle dos movimentos, desde os mais simples, como empurrar um sofá ou pegar uma caixa no chão e colocar em cima do armário, aos mais complexos, como até um duplo twist carpado (sim, aquela pirueta seguida de mortal duplo feita pelas grandes ginastas)”, enfatiza a fisioterapeuta e educadora física Renata Amato.
Além do sedentarismo e das posturas inadequadas no dia a dia, o envelhecimento é outro fator que faz piorar a rigidez e provoca dores nas articulações. “A pessoa começa a não conseguir amarrar os sapatos nem coçar as costas”, exemplifica Adriana, da Rovertraining, que recebe alunos mais velhos ou no sedentarismo (parados, ociosos).
As histórias de superação que ela testemunha são um motor para seguir com esses treinos: há o caso de uma mulher castigada por dores na coluna depois de duas décadas sem se exercitar, que nunca mais se queixou, e o de um estagiário que pratica krav magá e, após um mês, realizou um chute inédito. “Prevenir é sempre melhor do que resolver o problema”, lembra Stephanie Iara, professora da Bodytech responsável por implementar a aula-piloto de mobilidade.
Ela conta que os alunos que a procuram para redução de dor e de lesões relatam avanços já nos primeiros encontros. Gerente de uma empresa de seguro de automóveis e surfista amador nas horas vagas, Ricardo Costa, 46 anos, treina com Renata, lá no Celeiro, e também se entusiasma com o que vem colhendo.
“Cheguei com um cisto no joelho e fortes dores no ombro, deixei de surfar por causa da lesão e pensava que nem fosse mais conseguir agachar”, conta. Tempos depois: “Hoje não sinto mais nada”. Portanto, a ordem do dia é se mexer — e muito.
Sem parar
Outras tendências despontam no universo fitness
Outdoor
O ar livre está em alta, seja nas academias na praia, seja na prática de esportes como futevôlei, beach tennis e canoa havaiana (foto)
Recovery
São variados métodos de recuperação pós-exercício, entre eles a crioterapia, que consiste na imersão em uma banheira de gelo, usada pelo ator Cauã Reymond (foto)
Flow
Baseada em movimentos primitivos (como arrastar, levantar e agachar), a técnica utiliza o peso corporal numa sequência de movimentos
Miniaulas
Treinos compactos de até trinta minutos, integrando circuitos aeróbico ou de musculação com exercícios localizados
Academias híbridas
Alia aulas presenciais a experiências digitais, misturando antigas rotinas de ginástica, com equipamentos, a exercícios on-line em casa
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