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Velocidade mínima

Os feriados concedidos nos dias de jogos no Maracanã são a face mais visível das medidas drásticas adotadas em uma cidade onde o tráfego está à beira do colapso

Por Ernesto Neves e Felipe Carneiro
Atualizado em 2 jun 2017, 13h04 - Publicado em 4 jul 2014, 12h19
ILUSTRAÇÃO BETO UECHI/ESTÚDIO PINGADO
ILUSTRAÇÃO BETO UECHI/ESTÚDIO PINGADO (Redação Veja rio/)
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Copa do Mundo é um sucesso. Contrariando previsões catastrofistas, a festa segue firme. Quem trabalha no comércio ou vive dele, no entanto, tem reclamado muito de um efeito colateral da maratona da bola. “Essa história de feriado toda hora é um tormento para a gente, é uma perda de mais de 20%”, estima Aldo Gonçalves, presidente do Clube dos Diretores Lojistas do Rio de Janeiro. A maioria dos cariocas ganhou, nas últimas três semanas, além dos dias livres nos jogos do Brasil, outras três folgas concedidas pelo prefeito Eduardo Paes quando ocorreram partidas no Maracanã. A ideia não era propiciar ao torcedor o deleite de assistir à disputa entre a Espanha e o Chile ou da França contra o Equador ou a Alemanha. O único motivo da decisão foi aliviar o trânsito nas ruas para não atrapalhar a chegada nem a saída do público que foi ao estádio, encravado entre o Centro e a Zona Norte.

Quem circula pela cidade sabe que o deslocamento de carro ou ônibus se tornou um tormento nos últimos meses, seja ele no horário de pico ou não. Mesmo com as folgas e as férias antecipadas, um levantamento feito por VEJA RIO entre os dias 24 de junho e 2 de julho com o auxílio do aplicativo Waze, programa que mede o fluxo de tráfego em tempo real, mostra que algumas das principais vias do Rio lembram as artérias entupidas de um cardíaco sob contínuo risco de infarto. Parte delas fica tão engarrafada que, nos períodos mais críticos do dia, é mais rápido realizar o percurso a pé do que de automóvel (veja o quadro com as médias de velocidade na pág. 26). “Foram muitos anos de baixíssimo investimento na infraestrutura, situação agravada pelos estímulos à compra de automóveis. O resultado é que a frota cresceu em 1 milhão de veículos nos últimos dez anos. Aí, não há milagre”, admite o secretário municipal de Transportes, Alexandre Sansão.

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O Rio vive hoje uma situação sem paralelo em sua história. Além dos limites impostos pela própria geografia, a cidade tem passado por uma série de interdições para que novos projetos de infraestrutura e reurbanização sejam tirados do papel a tempo dos Jogos Olímpicos de 2016. Como resultado, temos hoje um sistema viário que depende de meia dúzia de corredores para fluir. A velocidade média da cidade no início da manhã e no fim da tarde chega a cair para risíveis 15 quilômetros por hora, segundo os dados da CET-Rio, coisa comparável ao deslocamento de uma galinha em disparada (veja o quadro na pág. 28). Se a situação já andava ruim no fim do ano, com as obras do metrô entre Ipanema e a Barra e do BRT Transcarioca, na Zona Norte, a demolição da Perimetral, iniciada em fevereiro, eliminou temporariamente um corredor de tráfego importante e adicionou ingrediente extra aos congestionamentos. As obras no Porto, por sua vez, impuseram o fechamento de vias como o Mergulhão da Praça XV, redistribuindo o fluxo de veículos para outras regiões. Não à toa, hoje a área que une Botafogo a Laranjeiras é considerada a mais complicada, tomando o título de outros pontos historicamente lentos, como a Barra da Tijuca. Calcula-se que somente no Túnel Rebouças tenha havido um derrame de cerca de 32 000 carros aos 158 000 que transitavam por ali habitualmente. Pior ainda ficou o Santa Bárbara. Ali o volume passou de 93 000 para 120 000 veículos, um acréscimo de 30%, suficiente para criar um cenário desolador na Rua Pinheiro Machado, com reflexos que avançam até o Cosme Velho.

Administrar tamanho caos exige que se priorize, a qualquer custo, a fluidez das principais vias, que, segundo os dados da CET-Rio, registram no máximo 30 quilômetros por hora. Com a utilização de aproximadamente 1 000 câmeras, a companhia acompanha a situação geral através do Centro de Operações Rio (COR), na Cidade Nova. Com base nas informações produzidas, o órgão determina a área de atuação dos 850 agentes de trânsito. Há um ano, o COR utiliza a base de informações proveniente das medições do Waze, o mesmo dispositivo adotado no levantamento de VEJA RIO. O programa se vale de uma vasta rede de smartphones usados pelos motoristas, que, uma vez conectados por GPS, propiciam um retrato detalhado de como o tráfego flui pela cidade. Para evitar o estrangulamento, empregam-se duas medidas. A primeira, de baixo custo, é a adoção de faixas seletivas, que escoam o trânsito nos horários de pico. A outra é a redução no tempo de espera em sinais. Essa última até consegue aliviar as retenções, mas, num sistema próximo do limite como o do Rio, acaba por criar novos engarrafamentos, em ruas não prioritárias. É justamente nelas que a pesquisa identificou a pior velocidade.

Um exemplo prático do tipo de intervenção que a CET-Rio realiza no tráfego pode ser verificado na Lagoa. Ali, é preciso impedir que a Avenida Borges de Medeiros trave, o que poderia gerar um efeito dominó de lentidão com reflexos até a Barra da Tijuca. A solução é reduzir o tempo de fechamento do sinal no trecho próximo à entrada do Rebouças. Tal medida implica espera maior pelos motoristas que entram no túnel pela Epitácio Pessoa. Estrangulada, a avenida tem hoje lentidão permanente, que se espraia pelos arredores do Parque do Cantagalo. Já o homérico engarrafamento da Avenida Brasil fez com que os agentes de trânsito antecipassem o início da jornada de trabalho para as 5 da manhã. Como se trata da mais importante rota logística da cidade, ponto de passagem de 260 000 veículos por dia, foi preciso modificar os sinais da Avenida Francisco Bicalho. Quem chega ao Centro pela Brasil tem prioridade, em detrimento dos que optaram pela Linha Vermelha e pela Ponte Rio-N¬iterói. O impacto pode ser observado na lentidão crescente destas duas vias expressas. “A engenharia de tráfego permite que o problema seja amenizado. Sem ela, estaríamos em situação muito pior”, garante Joaquim Dinis, diretor de operações da CET-Rio. “Mas há limite para nossa atuação. Alívio mesmo só com a inauguração da Linha 4 do metrô e o fim das obras no porto”, pondera.

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De fato, ninguém tem a ilusão de que é possível sumir com os engarrafamentos ? talvez isso aconteça num futuro distante, com a chegada dos carros inteligentes, mas isso é outra conversa. Há, sim, espaço para melhora. A própria Secretaria de Transportes reconhece que, nas últimas duas décadas, foi privilegiado o investimento em transporte individual em detrimento do público e que a atual inversão de prioridades tende a reduzir o número de veículos nas ruas. Segundo especialistas, uma maneira muito mais rápida e barata de acelerar o fluxo é usar uma programação inteligente dos sinais de trânsito. A CET-Rio já é capaz de mudar e sincronizar os semáforos a partir de sua central de controle, mas isso é feito manualmente. Se nada atípico acontecer, a companhia pode fazer os ajustes necessários aqui e ali, mas uma chuva mais forte que derrube uma árvore em um ponto e cause um acidente em outro, por exemplo, já exige cálculos muito complexos para a equipe de operação, por mais preparada que ela seja. “É preciso um software que mude o sinal em função das necessidades, câmeras inteligentes que captem e processem as informações e permitam que se tomem as decisões mais adequadas. Nova York foi pioneira nisso, mas já encontramos iniciativa parecida em São Paulo”, explica Fernando MacDowell, especialista em engenharia de transporte.

Se o trânsito é responsável por levar cariocas e visitantes ao limite da paciência, os economistas têm na ponta do lápis o resultado de tamanha encrenca. Segundo estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio (Firjan), em 2013 as perdas provocadas pelos engarrafamentos alcançaram 28,7 bilhões de reais. Para piorar, o número é crescente, e supera em 1 bilhão de reais o prejuízo registrado em 2012. Ao ficar atravancado, o carioca perde em média 51 centavos por minuto. “De cada 100 reais produzidos pelo Rio, 8 vão para o lixo devido ao colapso da mobilidade”, afirma Rilley Rodrigues, especialista em competitividade industrial e investimentos da Firjan. A maior perda concentra-se nas nossas portas de entrada. Somente no trecho da Via Dutra que está nos limites da região metropolitana, vai para o ralo uma quantia estimada em 1 bilhão de reais. Já nos 58 quilômetros que compõem a Avenida Brasil, deixamos pelo caminho um montante três vezes maior. Se os setores industrial e de serviços são impactados diretamente, quem enfrenta engarrafamentos rotineiramente vê sua qualidade de vida se esvair. Cada trabalhador do Rio passa, por ano, o equivalente a quinze dias parado. “São números inaceitáveis, e o impacto é pago por todos nós”, completa Rodrigues.

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A partir deste mês, é possível que tamanho prejuízo comece a diminuir. Isso porque uma das grandes obras viárias finalmente foi entregue na última terça-f¬eira, dia 1º: o Arco Metropolitano. Os 71 quilômetros inaugurados ? faltam mais 74 ? já devem reduzir o fluxo de carros em 20% e, principalmente, o de caminhões da Avenida Brasil. A Transcarioca, em fase de implantação, entra em funcionamento normal antes de dezembro e deve tirar a maior parte dos ônibus convencionais do eixo Barra-¬Ilha do Governador. Até o fim de 2015, será aberto um novo mergulhão na Praça XV, com mais duas faixas além das antigas quatro, e, um ano depois, ele será ligado à via expressa subterrânea que substituirá a Perimetral. Estão prometidas para a mesma data as seis linhas do VLT, uma espécie de bonde moderninho. Na ligação Zona Sul-Barra, a duplicação do elevado do Joá vai se unir à chegada do metrô ao Jardim Oceânico e sua integração aos sistemas BRT e BRS. “O que torna o trânsito infernal é a falta de alternativas, mas dentro de alguns anos teremos melhores opções para circular pela cidade. Estamos no caminho certo”, resume Paulo Cezar Ribeiro, professor de engenharia de trânsito da Coppe-UFRJ. Hoje vivemos um caos, mas há luz no fim do túnel.

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