Como é o trabalho de intérpretes de Libras, que roubam a cena em shows
O que pouca gente sabe é que a dedicação começa bem antes dos holofotes se acenderem

A bordo de um look dourado, cheio de franjas, a cantora Joelma até parou de bater cabelo para admirar, na beira da ribalta, a vigorosa performance do intérprete de Libras, que não só traduzia o show da diva paraense para a linguagem brasileira de sinais, como também a acompanhava na coreografia. A cena dos dois dançando juntos, registrada num arraiã no final de junho, viralizou nas redes sociais.
Outro viral recente mostrou a reação bem humorada do cantor Bell Marques ao ver a tradução, bem literal, digamos, de um de seus sucessos, a música Chupa Toda.
Quem frequenta grandes festivais de música em terras cariocas já notou: o trabalho desses profissionais rouba a cena, mesmo no cantinho do telão. As mãos deixaram de ser os únicos recursos usados para levar o espetáculo aos deficientes auditivos, e expressões faciais e o restante do corpo passaram a comunicar versos e emoções.
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Idealizador do 90’s Festival e do Enel Festival de Inverno Rio, que ocupam a Marina da Glória, Peck Mecenas conta que a acessibilidade está no seu radar desde as lives dos tempos pandêmicos. “No Dia das Mães de 2021, chamei Elba Ramalho, Fernanda Abreu, Sandra Sá e alguns tradutores. Afinal, todo mundo precisava se divertir”, relembra o diretor da Peck Produções.
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O que pouca gente sabe é que o trabalho dos tradutores de Libras começa bem antes dos holofotes se acenderem. No caso dos eventos da Peck, os intérpretes recebem o repertório com duas semanas de antecedência para estudar a fundo: montam playlists para escutá-las freneticamente, transcrevem as letras, pesquisam referências, assistem a entrevistas dos artistas e ainda escrevem um resumo de cada canção. “Selecionamos o elenco de acordo com as preferências musicais, garantindo a empolgação no palco”, conta Gabriel Sampaio, da GS Acessibilidade, contratada para os fervos na Marina da Glória.
Com grandes eventos no currículo, a exemplo do Mita e do Universo Spanta, Daniel Thorn virou sensação na turnê Tempo Rei, de Gilberto Gil, graças à sua entrega à poesia do astro. “Esse tipo de performance conversa mais com o público surdo do que uma tradução convencional”, observa Thorn.

“Eles fazem toda a diferença, retratam muito bem o sentimento. Me sinto altamente respeitada”, atesta Tatiana Arruda, 35, coordenadora de comunicação de uma multinacional que convive com deficiência auditiva profunda. Em maio, durante uma apresentação no Mimo Festival, no Circo Voador, Tatiana ficou especialmente impactada com o carinho de Juliana Linhares com a tradutora de Libras Kamila Rodrigues, convocando-a ao centro do palco. “É uma ação política, afetiva e efetiva. Quero que a comunidade surda esteja próxima do meu show”, afirma a artista potiguar, que já estudou a linguagem de sinais.
A acessibilidade feita com amor também está na televisão. Comandado por Cissa Guimarães desde o ano passado, o Sem Censura, da TV Brasil, conta com um grupo que empresta corpo e alma para desvendar as falas da apresentadora e dos convidados.
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Seis intérpretes se alternam de segunda a sexta, e as trocas ao longo das edições acontecem a cada trinta minutos, seguindo a recomendação da Febrapils, federação que agrega os profissionais da área. “É um trabalho meticuloso, alguns entrevistados falam muito rápido, a adrenalina é alta”, aponta Thamires Alves Ferreira, que integra a equipe.
“Não é mera inclusão, é acessibilidade com verdade”, define Cissa. A emoção é mesmo uma linguagem universal.
