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“Torcer até morrer”: fãs do America sobrevivem ao declínio do clube

Entusiastas como André de Paula, fundador da torcida AnarcomunAmerica, renovam devoção ao clube em jornadas na Segundona do Carioca

Por João Vitor Lopes e Rodrigo Carauta*
23 ago 2023, 11h00
Foto mostra torcedores do time de futebol américa usando camisas vermelhas
Torcida do América: apegada à nostalgia e com esperaça de que o time mude o rumo (Rodrigo Carauta/Reprodução)
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“Hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer, morrer, morrer”. Os versos iniciais de um dos mais belos hinos do futebol brasileiro retratam bem a perseverança apaixonada vivida pelos torcedores sobreviventes do America. Há décadas eles resistem à decadência do clube que encantava o Rio com o indefectível uniforme vermelho e jogadores bons de bola.  

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Passados 41 anos da coroação como “campeão dos campeões”, o declínio esportivo, econômico e midiático não desbota a importância histórica do America Football Club (sem acento, frisam os tradicionalistas), fundado em 1904, na Tijuca, Zona Norte carioca. Tampouco diminui a idolatria reciclada nas arquibancadas do subúrbio, da periferia e do interior fluminenses.

A devoção – escancarada já no hino composto, em 1945, por Lamartine Babo, ele próprio torcedor americano – renova-se entre a realidade de partidas sofríveis na segunda divisão do Carioca e o sonho de voltar à elite do futebol.

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Boa parte dos que acompanham o America no prolongado purgatório não conheceu seus tempos de glória. No entanto, gerações distintas de torcedores alimentam, com o Diabo, uma relação acima dos resultados. Cultivam uma conexão além do futebol, uma identificação movida a afeto.

O time hoje flerta com a zona de rebaixamento para a terceira divisão do Campeonato Estadual. Martírio inimaginável para um clube que soma sete títulos cariocas – o último em 1960 – e arrebatou, em 1982, o Torneio dos Campeões. Convidado para esta competição nacional, que reunia os campeões e vice-campeões brasileiros, o America roubou a cena. Venceu o Guarani por 3 a 1 na final. Mais do que a conquista singular, a equipe rubra encantou por reunir talentos como Pires, Eloi, Moreno e Gilson Gênio.

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Sucessivos desacertos administrativos, políticos e financeiros empurraram o clube ladeira abaixo no fim do século passado. Para torcedores e dirigentes atuais, inúmeras são as razões de o America ter sumido das principais competições e dos holofotes. Envolvem desde brigas com a Federação do Rio e com a CBF até uma sequência interminável de equívocos gerenciais.

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Conhecido como o clube mais simpático do Rio, “segundo time de todos”, o Mecão desfruta de um apoio generalizado à sonhada e difícil volta por cima. Parte dos torcedores preferiria, contudo, vê-lo temido pelos rivais, em vez de tratado como amigo da vizinhança:

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“Fico feliz quando passo com a camisa do America e o porteiro brinca: ‘Aqui é Flamengo, nada de America neste prédio’. Precisamos recuperar esse reconhecimento”, enfatiza André de Paula, o André das Faixas, criador da torcida AnarcomunAmerica. Ele integrava às três centenas de abnegados que incentivavam o time contra o Macaé na ensolarada tarde de 27 de maio. Mesma data, lembra André, do 0 a 0 entre o Mecão e o Besiktas, da Turquia, em 1959. 

Os entusiastas agregados no estádio de Edson Passos, na Baixada, buscavam não só a vitória do anfitrião sobre a equipe costeira. Almejavam, acima de tudo, um reencontro com dias melhores.

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Diante da decadência americana, uma parcela dos torcedores refugia-se na nostalgia. Alguns deles apontam a mudança do campo – do Andaraí para Edson Passos – como um dos motivos da derrocada, e de certa perda de identidade. Na arquibancada, olhares desanimados suspiram saudades do “America de verdade”. 

Outros mantêm a animação e a fé. Vibram com cada vitória chorada na Segundona. Desencavam formas independentes de ajudar o clube. Assim se comportam os integrantes da AnarcomunAmerica. Liderada por André, a torcida nasceu em 2018 também como resistência ao governo que começaria naquele ano. Um resgate das origens do clube, justifica o fundador. Ele argumenta que futebol e política costumam se misturar:

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“A ditadura sabotou Zico nas Olimpíadas de 1972, por conta de perseguições ao seu irmão Nando (Fernando Antunes Coimbra). Já havia sabotado Edu, seu outro irmão, não convocado para a Copa de 70, apesar do ano magnífico”, exemplifica. 

Não obstante os ideais políticos, a campanha principal da torcida organizada concentra-se em atrair novas adesões ao America. Não raramente a organização banca o ingresso e o transporte daqueles que não podem arcar com os custos para ver o time nos gramados. Sem esforços deste tipo, o duelo contra o Macaé, pela terceira rodada da Série A2 do Estadual, teria reunido menos ainda do que 328 torcedores. 

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O sol vespertino atormentava tanto quanto a sacrificada qualidade técnica do jogo. A equipe tentava corresponder ao clamor da arquibancada. Acumulava gols perdidos. A partida aproximava-se do fim quando esperança converteu-se em desespero. Aos 44 minutos do segundo tempo, o Macaé achou o gol em um escanteio. Quem não faz, toma, ensina a máxima do futebol. 

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A torcida mal esboçou reagir. O golpe parecia nem doer mais. Gritos pediam Romário, torcedor ilustre, para presidente do clube. Foram logo abafados por integrantes da AnarcomunAmerica. 

O bate-boca tornou-se inevitável. Confusão no campo e na torcida. Apesar da frustração, os alvirrubros, escaldados com o longo inferno, aparentavam não se abalar. Uns guardavam os instrumentos de percussão. Outros combinavam o encontro para o jogo seguinte, garimpavam aspectos positivos da partida, faziam contas para fugir de mais um rebaixamento.

*João Vitor Lopes e Rodrigo Carauta, estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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