Nada amigável: Rio tem um caso de agressão por vizinhos a cada hora
Em 2022, chegaram ao TJ 560 casos relativos ao direito de vizinhança; este ano foram 226 registros até maio, motivados desde vasos de planta a vagas
Tema da série “Os outros”, da Globoplay, a escalada no desentendimento entre vizinhos vai muito além da ficção. Entre janeiro de 2018 e dezembro de 2022, houve no estado do Rio 35.244 ocorrências de ameaça, lesão corporal dolosa, homicídio, tentativa de homicídio e feminicídio envolvendo vizinhos. Isso equivale a um caso a cada hora e meia, em média. Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pelo jornal O Globo. Na trama, que se passa em um condomínio na Barra, a briga de dois adolescentes acende a faísca de violência entre as famílias, mostrando a intolerância e a agressividade que podem ocorrer intramuros.
+ Mais livro, menos farmácia: médicos se unem para abrir sebo em Laranjeiras
Na vida real, uma festa num condomínio na Taquara, na Zona Oeste, terminou com três pessoas baleadas, na noite deste domingo (9). Os disparos foram feitos por um policial civil, identificado como Ricardo de Castro Gomes, de 51 anos, que teria reclamado do som alto na comemoração, que estaria incomodando outras pessoas. Ele, então, teria discutido com um policial militar do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) que participava do evento. Após o bate boca, o agente abriu fogo. De acordo com a Polícia Militar, o PM não reagiu. “A festa estava transcorrendo normalmente, sem nenhum problema. Mas em determinado horário que aconteceu o incidente. O som realmente estava alto. Houve moradores que reclamaram, mas um foi fechar a porta e o outro não gostou. Não foi pelo som alto, não. Lamentavelmente, são moradores de bem do condomínio, mas infelizmente aconteceu isso. Foi um aniversário. A aniversariante teve o pé atingido por estilhaços. São todos moradores antigos”, contou ao Globo Francisco Chagas, corretor de imóveis que mora no condomínio há mais de 30 anos.
No ano passado, chegaram ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 560 casos relativos ao direito de vizinhança. Em 2023, foram 226 casos novos até o fim de maio. Os registros tem como motivo de discórdia de um vaso de planta colocado em área comum a vagas de garagem. De acordo com o advogado Ismar Coelho Júnior, os casos mais corriqueiros estão relacionados a perturbação do sossego, injúria, calúnia, difamação, ameaça, uso arbitrário das próprias razões e lesão corporal. Segundo a delegada Daniela Campos Rodriguez Terra, titular da 14ª DP (Leblon), as brigas entre vizinhos representam a maior demanda nas delegacias da Zona Sul. De 2018 a 2022, 70 homicídios dolosos no estado tiveram vizinhos como vítimas. Dezessete foram na cidade do Rio, segundo o ISP. Ocorreram ainda 14.574 lesões corporais — uma média de 7,9, ou praticamente oito, agressões por dia.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui
Para a psicanalista Renata Bento, a intolerância é a questão chave das brigas entre vizinhos: “Às vezes, as pessoas estão tão cheias dos próprios problemas que uma situação pequena se mistura a outras gerando a intolerância com o próximo”. A psicóloga clínica e hospitalar Glauce Corrêa conta que uma das sequelas das brigas entre vizinhos é o transtorno de estresse pós-traumático. “A violência que ocorre no espaço que consideramos de confiança tem um impacto psicológico muito grande nas vítimas. O medo gerado pode levar ao isolamento e desencadear um processo depressivo“, explica ela.