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O palco da festa

Com o fim dos Jogos de Londres, todas as atenções se voltam para o Maracanã, o estádio que receberá as duas próximas grandes competições mundiais do esporte e acaba de entrar na reta final das reformas

Por Caio Barretto Briso e Ernesto Neves
Atualizado em 5 jun 2017, 14h25 - Publicado em 22 ago 2012, 18h10

Nos 62 anos de história do Maracanã não faltam imagens grandiloquentes para descrevê-lo, entre elas a de Coliseu moderno. Tal comparação nunca foi tão apropriada quanto nos últimos meses, quando a velha arena ficou tão desfigurada que nem mesmo os mais assíduos frequentadores conseguiam reconhecer a construção original. Assim como olhamos hoje o mais famoso monumento deixado pelos romanos e tentamos imaginar sua aparência no passado, era preciso muito esforço para enxergar no esqueleto exposto na Zona Norte do Rio o complexo esportivo que vai atrair a atenção de todo o planeta em 2014 e 2016. Coincidência ou não, com o apagar da chama olímpica em Londres no último domingo, o gigante carioca começa agora a emergir dos escombros. Em meio à parafernália de guindastes, máquinas e peças metálicas que servem de fôrma para o concreto armado já é possível ver o imponente contorno da nova arquibancada, mais inclinada e sem as divisões em níveis da original, e os módulos onde ficarão os camarotes entre o anel inferior e o superior. O aro metálico com mais de 1 quilômetro de diâmetro que sustentará a nova cobertura, tecnicamente chamado de anel de compressão, já está praticamente concluído no lugar que servia como base da velha marquise de concreto. São marcos de que a corrida contra o relógio para finalizar as obras até fevereiro de 2013 acaba de entrar em sua etapa final. “O estádio foi construído em 22 meses e será reconstruído em dezoito. É um trabalho heroico”, diz Ícaro Moreno, presidente da Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop) e um dos principais responsáveis pela renovação do local.

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Reformas monumentais como a do estádio mais famoso do país costumam ser recheadas de números superlativos e episódios épicos. No caso do Maracanã, a reconstrução reflete a grandiosidade e a importância do complexo, um dos cartões-postais mais visitados da cidade. A estrutura original teve 80% da arquibancada destruída a golpes de britadeira e máquinas pesadas. O gramado foi transformado em terreno para a movimentação de 202 veículos, entre tratores, caminhões e escavadeiras. Em uma delicada operação, removeu-se toda a cobertura de concreto original de 24?000 metros quadrados, manobra considerada um prodígio de engenharia – apesar de ter encarecido a obra em 200 milhões de reais. Apenas nessa empreitada, as lajes e as vigas foram serradas com cabos de aço especiais e partidas em peças de mais de 100 toneladas cada uma, todas retiradas com o auxílio de guindastes e suportes de aço. A etapa mais emocionante da epopeia está prevista para começar entre a última semana de setembro e o início de outubro, quando será instalada a nova cobertura projetada pelo escritório alemão Schlaich, Bergermann und Partner. Sessenta componentes metálicos de 40 toneladas e 68 metros de comprimento cada um, sustentados por 20 quilômetros de cabos de aço, serão erguidos simultaneamente por 120 macacos hidráulicos. Ao todo, a montagem e a suspensão levarão duas semanas. Uma vez no lugar, a armação receberá por cima uma membrana de fibra de vidro revestida de teflon. A operação para estender a lona terá um toque espetacular, pois será realizada por um grupo de alpinistas. “Eles escalarão a estrutura, desenrolarão a membrana e farão todos os ajustes lá em cima”, diz o arquiteto Bernard Malafaia, encarregado da cobertura.

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O novo Maracanã que o torcedor conhecerá a partir do próximo ano é radicalmente diferente do que fechou em agosto de 2010. A divisão entre o anel inferior e o superior simplesmente deixou de existir. A arquibancada seguirá um único padrão de inclinação, o que permitirá melhor visão do gramado, mesmo dos pontos mais altos e afastados. Os 100 camarotes que ficavam no topo da estrutura desceram para um nível intermediário e serão agora 110. Dos 86?000 assentos restarão 78?800, todos retráteis e com uma distância de 50 centímetros entre as fileiras. Dos lugares disponíveis, apenas 3?600 ficarão fora da área coberta, contra 48?500 antes da reforma. A padronagem de cores das cadeiras também será diferente, com nove tonalidades de azul, amarelo e branco misturadas entre si por todo o estádio, para dar a impressão de que não há vazios na plateia, mesmo com público rarefeito. A distância entre a primeira fila e o campo foi drasticamente reduzida. Serão apenas 14 metros até a linha da lateral – antes, em alguns pontos, eram quase 30. Quatro telões informativos serão instalados sobre os setores norte, sul, leste e oeste. Trezentas e sessenta câmeras com lentes ultrapotentes perscrutarão a multidão a partir da passagem pelas roletas. Além da reabertura das duas rampas monumentais, quatro torres de acesso foram construídas, permitindo que o esvaziamento do estádio seja feito em apenas oito minutos. Uma última novidade: não haverá fosso de separação entre a torcida e o gramado, nem parede de acrílico ou algo equivalente. “Será uma forma completamente diferente de ver futebol”, promete Carlos Zaeyen, gerente-geral do projeto.

conheça os história dos trabalhadores do maracanã

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Enquanto a bola não rola no estádio, quem rouba a cena no colossal canteiro de obras são os operários. Pela vastidão do complexo, 5?300 homens e pouco mais de duas centenas de mulheres trabalham duro, divididos em dois turnos de dez horas diárias, sete dias por semana. É uma minicidade onde existe até uma unidade avançada do Bope que atua à paisana, com doze homens infiltrados entre os funcionários. Os policiais já flagraram mais de 400 pessoas em atos ilícitos, todas sumariamente demitidas. Em sua maioria, os pedreiros, auxiliares, montadores e soldadores são nordestinos ou filhos de migrantes que vieram para o Rio trabalhar na construção civil (conheça a história de alguns deles nos quadros ao longo desta reportagem). Outro traço comum é o fato de se empregarem preferencialmente em empreitadas de grande porte e alta complexidade, como a construção de usinas hidrelétricas, pontes, shopping centers e até o teleférico do Complexo do Alemão. Ganham entre 1?000 e 2?500 reais em média. No Maracanã, a hierarquia é rígida e pode ser percebida pela cor dos capacetes. Os engenheiros usam o branco. Os operários, cinza, azul e laranja. Na hora do almoço, eles não se misturam. Cada grupo tem o próprio restaurante. Embora a relação seja amistosa, as partes já se estranharam em duas ocasiões, quando os trabalhadores braçais entraram em greve. Eles reclamaram do salário, exigiram benefícios melhores e alegaram que estavam bebendo leite estragado no café da manhã. “Um exagero. Aqui usamos leite em pó, que não estraga”, responde Wilson Busanello, gerente administrativo e financeiro do projeto. Mesmo assim, todas as reivindicações foram atendidas e as paralisações encerradas rapidamente para não comprometer mais ainda o cronograma apertadíssimo.

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Intervenções radicais e custosas envolvendo estádios repletos de história como o Maracanã costumam provocar polêmica em qualquer lugar do mundo. Até mesmo na civilizadíssima Londres, aclamada como exemplo de organização de megaeventos esportivos e gestão de instalações olímpicas, a reconstrução do Estádio de Wembley se transformou em uma dor de cabeça de proporções titânicas entre 2000 e 2007. Além dos intermináveis sete anos de obras, a renovação da arena onde o Brasil perdeu para o México a final do futebol no último dia 11 custou estratosféricos 798 milhões de libras, ou 2,5 bilhões de reais. Por aqui, ainda há quem não se conforme com as intervenções no velho complexo inaugurado no dia 17 de junho de 1950, uma semana antes de receber a abertura da Copa do Mundo – sem reboco na marquise e com andaimes na arquibancada entre os torcedores. O palco de inesquecíveis espetáculos protagonizados por Didi, Garrinha, Pelé, Nilton Santos, Zico, Romário e tantos outros gênios da bola, de fato, jamais será o mesmo. A pintura descascada, os banheiros em petição de miséria e as lanchonetes horrendas que apenas denegriam a imagem do complexo já são parte do passado. Quando os portões forem reabertos, os cariocas finalmente conhecerão um templo renascido dos escombros, tal qual a fênix que enfeitou o apagar da pira olímpica britânica na cerimônia do último domingo.

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