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Rádio Novelo, a fantástica fábrica de podcasts

Praia dos Ossos, sobre o assassinato da socialite Ângela Diniz, atingiu a marca de 1 milhão de downloads, vai virar série de TV e mostra vigor da linguagem

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 18 dez 2020, 13h14 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00
Angela Diniz com um dos cotovelos colado ao rosto, num cenário montanhoso. A foto é preto e branco
Ângela Diniz: o homicídio acendeu as primeiras faíscas do feminismo (Acervo do Estado de Minas/Reprodução)
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Lançado em setembro em doze plataformas, o podcast Praia dos Ossos, da produtora carioca Rádio Novelo, revolve os detalhes do assassinato da socialite mineira Ângela Diniz pelo bon vivant paulista Doca Street em uma praia de Búzios, crime que sacudiu o país em 1976. Nos minutos iniciais, a apresentadora Branca Vianna faz um esclarecimento. Ângela Diniz, frequentadora das colunas sociais, não foi a mulher que ficou conhecida por desafiar costumes vigentes nem ostentar um barrigão de grávida nas areias de Ipanema — essa era a atriz Leila Diniz, falecida em um acidente de avião em 1972.

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O adendo de Branca sobre a vítima do homicídio que acendeu as primeiras faíscas do feminismo no Brasil não é mero detalhe, já que a média de ouvintes de podcasts é bem jovem têm entre 18 e 34 anos no mundo todo. “Até o começo dos anos 80, o caso foi amplamente divulgado, mas conversando com mulheres mais novas descobri que a história caiu no esquecimento”, diz Branca, fundadora da produtora. “O podcast acabou cumprindo duas funções: apresentar o crime às novas gerações e atrair um público mais velho, que não tinha o costume de ouvir histórias nesse formato”, avalia.

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Branca Vianna
A fundadora da Rádio Novelo, Branca Vianna: vinte produções e 15 milhões de downloads (Rádio Novelo/Divulgação)

Unindo uma narrativa envolvente, dois anos de intensa pesquisa e a cuidadosa edição das entrevistas, Praia dos Ossos vai muito além da reconstituição de um assassinato – o podcast cavuca as perversas consequências do machismo na sociedade, no jornalismo e no Poder Judiciário. Ângela Diniz costumava dizer que era “rica, bonita e boa de briga”, mas foi calada aos 32 anos, alvo de quatro tiros do companheiro.

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Durante o lendário julgamento de Doca Street, muitas vezes os advogados de defesa davam a entender que ele fora a vítima de uma mulher venenosa, que ofendera a sua honra. O desenrolar da trama, que culminou com o assassino condenado a quinze anos de prisão, deu origem à elogiada sequência policial de oito episódios, baixados por mais de 1 milhão de ouvintes em apenas dois meses.

Praia dos Ossos foi eleito o favorito dos curadores da Apple Podcasts e foi um dos programas mais ouvidos nessa plataforma em 2020. Parte do êxito está calcada em uma robusta estratégia de divulgação digital. A página do Instagram serviu como um catálogo visual de cada episódio, ilustrado com fotos da época. No Facebook, criou-se um grupo de discussão, hoje com mais de 2 500 pessoas. Todo esse burburinho acabou por chamar atenção da produtora Conspiração, que comprou os direitos de imagem para produzir uma série de TV em 2021.

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A filial carioca do YouTube Space: estúdio de podcasts inaugurado em fevereiro (Ana Paula Magalhães/Divulgação)

Muito antes de pensar em apresentar podcasts – para os não iniciados: conteúdos em áudio disponibilizados na internet, que podem ser escutados a qualquer momento, em plataformas como Spotify, Deezer e YouTube -, a linguista Branca Vianna, 58 anos, recorria a fitas-cassetes com programas em inglês e espanhol para treinar a função de intérprete simultânea, que desempenhou por três décadas.

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Sua estreia no universo do rádio sob demanda foi em junho de 2018, com o programa Maria Vai com as Outras, dentro do escopo da revista Piauí, fundada por seu marido, o documentarista João Moreira Salles. Em quatro temporadas, a série analisou o espaço da mulher no mercado de trabalho partindo de entrevistas com profissionais das mais diferentes áreas, da prostituição de luxo ao Congresso Nacional. Ao lado de Paula Scarpin, então repórter da Piauí, aficionada de rádio e diretora do podcast, Branca tomou gosto e quis se embrenhar nesse mundo. A pesquisadora americana Flora Thomson-Deveaux, esposa de Paula, juntou-se à dupla, parceria da qual nasceu, em abril de 2019, a Rádio Novelo, com cinco funcionários e apenas um cliente, a própria revista Piauí.

Um ano e meio depois, a equipe saltou para mais de trinta colaboradores, e as vinte produções da Rádio Novelo já somam 15 milhões de downloads. Entre os atuais clientes, consta o gigante do áudio Spotify, que tem exclusividade na distribuição do podcast Retrato Narrado (série cuja primeira temporada destrincha a trajetória do presidente Jair Bolsonaro), além de Boletos Pagos, com dicas sobre finanças, Vidas Negras, sobre personalidades negras brasileiras, e Novo Normal, dedicado à temática feminista.

Em andamento, há também projetos em parceria com ONGs, instituições culturais e empresas. “Os primeiros meses na Rádio foram como apagar incêndio, com várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Varei muita madrugada editando podcast”, conta Paula Scarpin, diretora de criação da Rádio Novelo. “Agora vamos começar a pisar no freio, refletir sobre o tipo de conteúdo que queremos produzir e, aí, sim, buscar empresas que viabilizem o projeto.”

Os podcasts apareceram no começo dos anos 2000. Uma década mais tarde, receberam um relevante impulso da tecnologia, com o avanço
dos smartphones, e foram ocupando espaço à medida que se tornavam mais inventivos. Em 2014, explodiu nos Estados Unidos o podcast Serial, sobre assassinos em série, que coleciona mais de 420 milhões de downloads.

No Brasil, um herdeiro direto é o Caso Evandro, tema da quarta temporada do Projeto Humanos, sobre o desaparecimento de uma criança no litoral do Paraná em 1992. Vai virar série no Globoplay, livro pela HarperCollins Brasil e já passou dos 5 milhões de downloads. Outro sucesso consolidado por aqui é o semanal Nerdcast, com média de 1,5 milhão de downloads em cada um dos mais de 700 episódios produzidos.

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“Há muito tempo dizem que o rádio está em crise, mas na verdade a crise é das emissoras, que não conseguem pensar em conteúdo para encantar os jovens. O podcast cobre esse buraco, com um custo de produção bem baixo: qualquer pessoa pode gravar episódios com o próprio celular e editálos em softwares gratuitos”, observa Marcelo Kischinhevsky, professor de rádio e doutor em comunicação e cultura pela UFRJ.

O Brasil já é o segundo maior consumidor de podcasts do planeta,atrás dos Estados Unidos – há dez anos, os brasileiros nem sequer figuravam na lista dos dez principais ouvintes. O Spotify afirma que 20% de seus usuários têm trocado músicas por conteúdos informativos e que o mercado brasileiro segue embalado por um crescimento de 20% ao mês.

Afinado com esses tempos, o YouTube Space carioca inaugurou, em fevereiro, um estúdio exclusivo para gravação de áudios, oferecendo infraestrutura a criadores em busca de audiência. Um estudo do Ibope, de maio do ano passado, apontou o YouTube como a plataforma mais usada para escutar podcasts no país.

A pesquisa também mostrou que, embora 40% dos brasileiros já tenham feito pelo menos uma incursão nesse universo, cerca de 30% não sabem ainda o que é um podcast. “É tudo muito novo, portanto há espaço para explorar diferentes formas de contar histórias e modelos diversos de negócios”, conclui Branca Vianna. Vale ficar com os ouvidos atentos às novidades.

Nerdcast
Nerdcast: arrasa-quarteirão tem cerca de 1,5 milhão de downloads por episódio (Nerdcast/Reprodução)

Futuro promissor

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A ascensão dos podcasts e os hábitos de consumo dos ouvintes:

A produção de programas em áudio cresceu 240% entre outubro de 2019 e junho de 2020 no Spotify

Pesquisa da Deezer mostrou que 25% dos ouvintes consomem mais de uma hora de podcast por dia

Nerdcast, uma das séries mais ouvidas do país, tem média de 1,5 milhão de downloads por episódio

Segundo a Associação Brasileira de Podcasters, 57% dos ouvintes têm nível superior ou pós-graduação

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Nos Estados Unidos, a publicidade em podcasts deve movimentar mais de 1 bilhão de dólares em 2021

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