Por que a maior parte do plano de arborização do Rio nunca saiu do papel
Parcerias com grupos comunitários impulsiona plantios, mas ações mais efetivas esbarram na falta do Censo Arbóreo da cidade
Numa cidade reconhecida pelo verde dos cartões-postais, apenas 7% do planejamento de arborização efetivamente saiu do papel. O Plano Diretor de Arborização Urbana, promulgado em 2016, previa a efetivação de 199 tarefas. Segundo levantamento da Fundação Parques e Jardins (FPJ), órgão responsável pelo serviço, apenas 14 delas se concretizaram.
O projeto mais importante ainda não realizado é o Censo Arbóreo do Rio – um inventário de todas as árvores da capital fluminense -, que custaria cerca de 6 milhões de reais, segundo o próprio Plano Diretor.
O engenheiro florestal Flávio Telles, membro da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, alerta que, sem esse mapeamento, fica difícil encaminhar ações efetivas de arborização. “O censo de arborização da cidade é primordial para a gente saber realmente qual é a quantidade de árvores que tem na cidade, e qual é o real déficit”, esclarece.
A maioria dos programas de plantio não é feito com orçamento próprio dos órgãos públicos, já que eles são efetuados por meio de instrumentos legais, como medidas compensatórias, e por empresas credenciadas pela própria FPJ. De acordo com Telles, o setor de construção civil é o principal motor do financiamento da arborização no Rio hoje em dia, mas a indenização pelas árvores cortadas nem sempre equivale ao que foi perdido.
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“É difícil ter uma quantidade significativa de árvores, porque quando a construção civil está em baixa, planta-se pouco. Se a construção civil está em alta, planta-se muito. Mas, em compensação, também são tiradas mais árvores. E uma coisa é arrancar uma árvore adulta, outra coisa é você plantar uma muda”, explica o especialista.
A escassez de recursos para o plantio, inclusive de mão de obra, estão entre os principais entraves à arborização. A quantidade de técnicos no quadro permanente da Diretoria de Arborização diminuiu de mais de 20 para apenas seis ao longo de 38 anos.
“Grande parte das aposentadorias aconteceu num período muito curto. Saiu todo mundo do dia para noite, foi um arrebatamento”, lembra o engenheiro florestal da Fundação Parques e Jardins Cláudio Alexandre. “A gente tem medo disso aqui parar. O comentário não tem nenhum tom de crítica, mas simplesmente não há concurso. Temos de nos virar com o que temos”, preocupa-se.
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O dinheiro também é escasso. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima recebeu, neste ano, 200000 reais para o replantio de árvores em áreas urbanas – ação gerida pela FPJ –, enquanto a diretoria de arborização da instituição não ganhou recurso específico para a arborização. “No início dos anos 2000, chegamos a plantar 50000 árvores no ano, quase tudo com recurso próprio. Hoje é uma briga para conseguir plantar. No ano retrasado, plantamos quase 10000. Só faltou soltar fogos”, compara Alexandre.
Dentre os projetos do Plano Diretor, a Fundação concretizou aqueles que não exigiam aporte financeiro. Um dos mais importantes remete à interação com a sociedade civil por meio de coletivos – grupos de bairro organizados por moradores para plantar e conservar árvores na vizinhança.
O coletivo ambientalista Olaria Verde faz parte desse programa. Fundado em 2019 no bairro de Olaria, na Zona Norte, o grupo nasceu com uma mobilização de moradores depois de uma tempestade que derrubou diversas árvores na região. Hoje em dia, reúne quase 100 integrantes. Daniel Gustavo, um dos cofundadores, afirma que o coletivo plantou cerca de 400 árvores no ano passado e já iniciou um corredor verde no bairro.
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“O coletivo tem três pilares de sustentação. O primeiro é, de fato, plantar. O segundo é a educação ambiental, que a gente leva às escolas, com oficinas em praças públicas, por exemplo. O terceiro é a militância, a cobrança por verbas e políticas públicas para a arborização”, enfatiza Daniel.
Apesar dos cinco anos de atividade, a parceria com a Fundação Parques e Jardins só começou no ano passado. Ainda de acordo com Daniel Gustavo, o vínculo se desenvolveu a partir de uma mobilização popular. “A gente vem pedindo muda, terra, insumos de vários tipos, como o hidrogel, um produto que mantém a planta hidratada sem ter que irrigar toda hora. Nem sempre eles atendem. É esse o jogo”, resume.
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima não respondeu até o fechamento desta reportagem.
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Este conteúdo integra o conjunto de repórtagens em texto, áudio e vídeo feitas por estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, sob orientação dos professores Adriana Ferreira, Alexandre Carauta, Chico Otavio, Creso Soares Jr., Giovanni Faria e Luís Nachbin.
A edição do site de VEJA Rio é de Marcela Capobianco.