Por que o número de patinetes elétricas diminuiu tanto no Rio?

Alto número de acidentes, empresas em rota de colisão com o poder público e veículos em péssimo estado de conservação ameaçam o funcionamento do sistema

Por Bruna Motta
Atualizado em 16 out 2020, 12h31 - Publicado em 16 out 2020, 07h00
Patinetes: no momento, somente a empresa americana Lime atua na cidade (Pixabay/Reprodução)
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O caminho parecia livre para a chegada dos patinetes elétricos. Seguindo a trilha do bem-sucedido sistema de compartilhamento de bicicletas, a opção motorizada caiu rapidamente no gosto dos cariocas e podiam ser vistos por todos os cantos da Zona Sul. Bastava colocar o pé na rua para dar de cara com um deles a sua frente. A realidade agora é outra: dos poucos que restaram, não raro são encontrados jogados no chão e em péssimo estado de manutenção. Apontados como uma solução para aliviar o sobrecarregado sistema de transporte público, auxiliando os passageiros em trajetos de curta distância, os patinetes diminuíram drasticamente de quantidade nos últimos meses no Rio, após uma série de atritos entre as startups responsáveis pelo serviço e o poder público. “Não houve uma regulamentação e quando começaram os primeiros acidentes, o governo precisou reagir aos patinetes e não os incentivar”, diz Juliana DeCastro, pesquisadora do Núcleo de Planejamento Estratégico de Transportes e Turismo da UFRJ.

Os casos foram muitos e alardearam os riscos. Em dezembro de 2019, um turista iraniano em lua de mel com a esposa no Rio, morreu atropelado após cair de um patinete elétrico na Avenida Atlântica, em Copacabana. Arshad Asadi Banran, de 31 anos, foi levado ao Hospital Miguel Couto, mas não resistiu aos ferimentos. “A cidade foi criada num sistema “carrocêntrico”, não há ruas e faixas pensadas para receber esse tipo de transporte. Até hoje as bicicletas sofrem aqui no Rio”, diz Juliana. Segundo a especialista, além da questão do planejamento urbano, também houve erros de estratégia das empresas, que deixavam eles ‘soltos’ pela rua, sem estações fixas – no caso das bikes, elas são retiradas e devolvidas em locais pré-estabelecidos. A má repercussão do sistema e os acidentes recorrentes, aliados a problemas financeiros enfrentados pelas principais startups, fizeram com que as opções fossem rareando. No início do ano, a Grow – resultante da fusão entre as marcas Grin e Yellow – deixou de operar por aqui.

Ainda não dá para dizer se os patinetes foram apenas um modismo passageiro, mas toda a movimentação acendeu o sinal amarelo para o futuro da micromobilidade no Rio. Além de toda destreza que o usuário deve ter para pilotá-lo, pesou também o preço das viagens sobre duas rodas. “É uma opção cara de deslocamento”, diz Daniel Guth, consultor em políticas de mobilidade urbana e coordenador de projetos da Aliança Bike. Em geral é necessário pagar uma tarifa de largada, cerca de 3 reais, para desbloquear o veículo, e depois mais 50 centavos por minuto de uso. “Só para acionar, é quase uma passagem de ônibus. Fora que todas as empresas que atuaram no Rio disponibilizaram o equipamento apenas nas zonas nobres da cidade, provocando pouco impacto no sistema de transporte”, criticou. No momento, somente a Lime, a maior empresa de aluguel do equipamento nos Estados Unidos, ainda está atuando por aqui, depois de ter parado as operações em março e retornado no fim de julho, com menos da metade da frota  – eram inicialmente 1000 patinetes, hoje não passam de 400. 

Há um alto investimento para manter os patinetes em circulação. As equipes de manutenção precisam recolhê-los a cada 48 horas para recarregar a bateria, e os modelos, criados originalmente para uso individual, demandam manutenção constante pelo mau uso. Pelo que se vê nas ruas, muitas vezes mais de uma pessoa sobe no equipamento, o que é proibido por decreto municipal. Pelas regras da Prefeitura, só maiores de 18 anos podem fazer uso dos patinetes, não é permitido circular fora de ciclovias, ciclofaixas e faixas compartilhadas, nem ultrapassar o limite de velocidade de 20 quilômetros por hora, e recomenda-se o uso de capacete mas, na prática, não há qualquer fiscalização neste sentido. “Os patinetes, assim como qualquer outro serviço disruptivo, causam questionamentos. Ajustes nas regulamentações podem e devem ser implementados, sem que isso impeça o uso”, acredita Gabriel Di Blasi, advogado especialista em inovação.

Os exemplos lá de fora mostram que o caminho para os patinetes obterem êxito precisa ser pavimentado pelas autoridades públicas, a fim de regulamentar a atuação das empresas e o uso por parte da população. Em Nova York, até junho deste ano, eles eram proibidos nas ruas – uma decisão de 2004 baniu os equipamentos, diante do risco de acidentes, e estabeleceu multa de 500 dólares para quem utilizasse. O retorno só foi possível com a lei sancionada há três meses que traz artigos como a proibição do uso dos patinetes nas calçadas e por menores de 16 anos. Em Los Angeles, é necessário ter carteira de motorista válida, e em Amsterdã, na Holanda, permissão do órgão público de mobilidade. “O futuro das grandes cidades passa por meios de transporte mais leves e sustentáveis. É urgente que os agentes públicos legislem, pensem nos usuários e, mais que isso, incentivem o uso dessas alternativas”, diz Victor Andrade, coordenador do Laboratório de Mobilidade Urbana Sustentável da UFRJ.

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