Onda rastafári se espalha por bares, casas de shows e areias cariocas
Na praia, na Lagoa ou no Centro, o reggae e a cultura 'rasta' dominam o Rio com música e boas vibrações

Em março de 1980, Bob Marley (1945-1981), o maior nome do reggae de todos os tempos, aterrissou no Rio, mas na agenda, infelizmente, não constava uma performance para os cariocas. A lenda veio curtir a festa de lançamento da gravadora Ariola, da qual era contratado, no Morro da Urca, onde assistiu a uma apresentação de Moraes Moreira (1947-2020). Antes, participou de uma pelada no campo do Politheama, de Chico Buarque, no Recreio, Zona Oeste. Evandro Mesquita e o craque Paulo Cézar Caju, além do próprio Chico, bateram bola com o jamaicano, que chegou a marcar um gol. O astro levou na bagagem instrumentos bem brasileiros, como uma cuíca.
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Quatro décadas mais tarde, o espírito de paz e liberdade pregado por Marley anda em alta em terras cariocas. A Fundição Progresso está prestes a receber quatro shows da turnê de despedida da banda Natiruts, entre 27 de junho e 6 de julho. A princípio, seriam duas noites, mas os ingressos se esgotaram rapidamente, e a aposta foi dobrada. “Há altos e baixos, mas a cultura rastafári nunca morre”, resume Uirá Fortuna, diretor da Fundição Progresso.
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O ritmo jamaicano surgiu nos anos 1960 e descende da popularização do movimento amplamente difundido pela voz de Could You Be Loved. A corrente espiritual teve origem três décadas antes, na Etiópia. “A cultura ‘rasta’ é um estilo de vida, muito conectado à música e à positividade”, opina Egydio Junior, fundador do Jah Lapa, misto de bar, tabacaria e casa de shows, inaugurado em 2021. “Notei um movimento surgindo e tomei coragem para colocar de pé um sonho de adolescência”, conta o empresário.
Nascido em São Paulo, o Kingston Club fechou as portas em 2023 e, no ano seguinte, se mudou de mala e cuia para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Por lá, as festas abrangem diferentes gêneros sonoros do país caribenho, do contemplativo dub ao pulsante dancehall. O produtor Marcos Quental, convidado a participar da curadoria do projeto, observa que, no Rio, o reggae é influenciado pela aparelhagem potente da cultura do “paredão” utilizado em bailes funk, por exemplo. “As vibrações das caixas de som mexem com a gente, trazendo uma sensação de bem-estar”, filosofa.
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Programa mais carioca de todos, a praia também tem um point ao estilo jamaicano para chamar de seu. No Rasta Beach, no Leme, acolhimento é a palavra de ordem. “Aqui não tem preconceito, as pessoas entendem as diferenças. No fim das contas, são só corpos em roupas de banho tentando se divertir”, reflete Derik Machado, empresário que toca a barraca.
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Quem abraça essa cultura, no entanto, precisa lidar com a discriminação. “Muitas empresas torcem o nariz quando veem as cores características e o cabelo grande trançado”, desabafa o músico Nilson Batata sobre a dificuldade de conseguir patrocínio ao projeto Batuk Marley. A empreitada começou como um grupo que mesclava o reggae a sons brasileiros, inspirado na experiência do músico na banda de Gilberto Gil, e virou um programa de oficinas para estudantes. Mesmo com a falta de incentivo, Nilson vê o Batuk crescer. Em outubro, a Fundição recebe os The Wailers, cuja primeira formação acompanhou Bob Marley. Como eles mesmos cantam, “não se preocupe, tudo vai dar certo.”