Musical sobre Rita Lee chega ao Rio em meio à onda de homenagens à cantora
Espetáculo é estrelado por Mel Lisboa, que também viverá a estrela no desfile da Mocidade; outras homenagens incluem um parque com o nome dela e filmes

Em 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, os Arcos da Lapa e o Museu do Amanhã amanheceram enfeitados com gigantescos óculos de lentes redondas e vermelhas. A intervenção nos dois cartões-postais do Centro foi o modo irreverente que a Mocidade Independente de Padre Miguel encontrou para anunciar o enredo de 2026: Rita Lee, a Padroeira da Liberdade. A homenageada, aliás, preferia esse título ao de Rainha do Rock, que, bem ao seu estilo, considerava “cafona”. “Ela adorava se fantasiar, tinha vários personagens. Sua leveza, alegria e modernidade têm tudo a ver com a escola”, diz o carnavalesco Renato Lage.
Números do espetáculoAté agora, o único pedido oficial feito pela família à escola do Grupo Especial foi a proibição de penas verdadeiras nos adereços, em respeito à conhecida militância da artista em prol dos direitos dos animais. A agremiação promete uma ala com amigos da cantora, e Mel Lisboa deve viver Rita na Avenida. Procurada por VEJA RIO, a atriz confirmou o convite, ainda em caráter informal: “Vai ser o maior barato”, vibra ela, que estreia nesta quinta, 26, a nova temporada do espetáculo Rita Lee — Uma Autobiografia Musical, no Teatro Casa Grande.
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Uma década atrás, ao assistir de surpresa à primeira montagem da peça Rita Lee Mora ao Lado, a homenageada fez elogios rasgados a Mel: “Você me fez muito melhor do que eu mesma”, brincou a cantora. Desde então, a atriz coleciona prêmios — o mais recente deles, o Shell de melhor atriz — e se apresenta sempre com casa lotada. No Rio, os ingressos para a temporada que vai até 3 de agosto se esgotaram dez dias antes da estreia, mas há chance de haver sessões extras, como foi em São Paulo, onde quase 90.000 pessoas viram o espetáculo desde abril de 2024.

“Tenho consciência de que é um sucesso que talvez não se repita na minha vida”, diz Mel. No palco, ela revive os aclives e declives de Rita, do primeiro disco voador avistado ao último porre da vida, entre muitas outras histórias. A narrativa passeia pela infância em São Paulo, Os Mutantes, o Tutti Frutti, o romance com Roberto de Carvalho e o ativismo animal, com 38 hits costurando a trama. Ícones como Hebe Camargo, Ney Matogrosso, Elis Regina e Gilberto Gil também são representados no palco, cada qual com sua importância na trajetória de Rita.

Juntam-se ao musical outros tributos recentes à diva conhecida pela ausência de travas na língua. No último Carnaval, ela já foi homenageada pelo bloco Céu na Terra nas ladeiras de Santa Teresa, arrastando um mar de foliões fantasiados de… Rita Lee. Ainda no dia 22 de maio — data, aliás, que Rita escolheu para celebrar a vida, já que não gostava de ter nascido em 31 de dezembro —, estreou nos cinemas Ritas, o documentário mais visto no ano, com mais de 33.000 ingressos vendidos.

Pouco antes, chegou ao streaming Rita Lee: Mania de Você, na plataforma Max, e, antes disso, o EP Revisita Rita, produzido por Moogie Canazio, com releituras de Frejat, Iza, Criolo e Duda Beat. Desde 2023, a cantora também dá nome a um parque na Barra Olímpica. “Ela virou mito ainda em vida, algo raro no Brasil, onde muitos artistas só ganham reconhecimento após morrer”, observa a pesquisadora Chris Fuscaldo, autora de Discobiografia Mutante. E ainda vem mais por aí: dois filmes de ficção, um livro de memórias de Roberto de Carvalho, outro musical e um projeto sigiloso que está nas mãos de João, filho do meio de Rita e Roberto.
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Transgressora, pioneira, debochada e genial, Rita Lee, que saiu de cena em 2023, aos 75 anos, desafiou convenções por mais de seis décadas. Seu início na música deu-se em 1966, com os Mutantes, ao lado dos irmãos Arnaldo Baptista e Sergio Dias. O primeiro grande hit solo, Ovelha Negra, de 1975, já apontava o caminho para o pop rock, gênero que ela ajudaria a consagrar.

Num ambiente machista e conservador, ser mulher e roqueira era ato de resistência. Não à toa, foi uma das artistas mais censuradas na ditadura militar. Em 1976, grávida de Beto, o primogênito de três, Rita foi presa sob acusação de porte de maconha — ela negava, dizendo ter largado as drogas durante a gestação. “Hoje acredita-se que a perseguição a ela tinha muito a ver com os temas que abordava: prazer feminino, liberdade sexual, feminismo”, avalia Oswaldo Santana, diretor de Ritas.
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As batalhas foram muitas, dentro e fora dos palcos. Em sua autobiografia, Rita relembra uma reunião com executivos de sua gravadora, todos homens, querendo ditar como a artista devia cantar, vestir-se e se comportar. Ela não se dobrava. “Enquanto vocês se masturbam com a minha vida, eu vou ao banheiro queimar um baseado. Alguém tá a fim?”, ironizou certa vez. Em outro episódio, ela e Tim Maia, ambos insatisfeitos com decisões da companhia, quebraram a sala toda do então presidente da gravadora, André Midani.

Mesmo com dificuldades pelo caminho, Rita foi a mulher que mais vendeu discos no Brasil — cerca de 55 milhões de álbuns. Sua mistura de humor ácido, autenticidade e talento atrai gerações diversas. Anitta, por exemplo, regravou Mania de Você para a abertura da novela homônima. Ela contou que teve a sorte de encontrar Rita algumas vezes na vida. “Sou fã dela como mulher e artista, além de reconhecê-la como um de nossos grandes ícones culturais”, exalta.
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Expoentes da cena independente, Julia Vargas e Natasha Falcão criaram o show LeeGal, juntando Rita e Gal Costa. Em maio, elas se apresentaram no Blue Note, em Copacabana. A Roda de Santa Rita, criada por artistas cariocas, também celebra a estrela com novas leituras de seus clássicos. Formada por cinco vocalistas e seis músicos, o grupo emou sucessos da roqueira ao som de pandeiro e tamborim. Nas apresentações do musical, Mel Lisboa percebe algo que muito a comove — a presença de jovens na plateia. “Eles ficam emocionados e saem do teatro com a impressão de que viram um show da própria Rita Lee”, conta.
Associada à paisagem paulistana, onde nasceu e viveu a maior parte da vida — da qual era a “mais completa tradução”, nas palavras de Caetano Veloso —, Rita Lee tem mais a ver com o Rio do que se imagina. Em 2007, tornou-se cidadã honorária. “Sou uma paulista branquela, não tenho samba no pé, mas sou apaixonada por esta cidade linda”, disse em um show naquele ano. Em 2012, no Circo Voador, anunciou a despedida dos palcos, com o bom humor que lhe era tão peculiar.
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“Ela era dona de uma autodeboche típico dos gênios”, define Mel, que também encarnou a ruiva na minissérie da Globo Elis — Viver É Melhor que Sonhar e narrou a autobiografia de Rita em versão audiolivro. Depois da curta passagem por aqui, o espetáculo vai rodar por outras cidades brasileiras. Não satisfeita, Mel revela que também adoraria fazer a artista no cinema. “Manter viva essa presença é importante não só para a música e para a cultura, mas para a própria história do país”, entoa a sua intérprete. Rita Lee é mesmo um caso sério.
PÁGINAS E TELAS
Obras para mergulhar na história da rock star
Ritas

Nos cinemas, o documentá rio de Oswaldo Santana e Karen Harley, com pesquisa de Antonio Venancio, referência na área, é contado do ponto de vista da própria artista. A produção mescla trechos da conversa realizada para o longa, imagens gravadas na pandemia e cenas de arquivo de shows e entrevistas.
Rita Lee: Mania de Você

Disponibilizado na plataforma Max desde maio, o filme do argentino Guido Goldberg traz depoimentos de ami gos como Gilberto Gil e Ney Matogrosso, além de familiares. O documentário mostra os herdeiros lendo uma emocionante carta escrita por Rita para eles e o marido
Rita Lee Mora ao Lado — Uma Biografia Alucinada da Rainha do Rock

O livro de Henrique Bartsch foi lançado em 2006, mas ele não viveu para ver o sucesso de sua obra graças ao musical homônimo, que trouxe Mel Lisboa no papel da cantora pela primeira vez. Narrada por uma vizinha inventada, a publicação mistura ficção e realidade.
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