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Reforma administrativa sob batuta de novo reitor gera polêmica na PUC-Rio

Apesar de negar que a universidade atravesse uma crise financeira, o padre Anderson Pedroso sustenta que é essencial centrar forças na saúde contábil

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 24 jul 2024, 20h55 - Publicado em 19 jul 2024, 06h00
Novos tempos: brasão tradicional foi reformulado para trazer modernidade à marca
Novos tempos: brasão tradicional foi reformulado para trazer modernidade à marca (PUC Rio/Divulgação)
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Era outono na Gávea, e atrações como o rap­per Sant e o Forró de Pife subiram ao palco do ginásio da PUC-Rio para o Festival de Primavera, em maio de 2023. Aquela edição do já tradicional evento, inicialmente marcada para novembro do ano anterior, havia sido adiada em meio à escalada dos números de casos de covid-19.

Ao fim de um dos shows, Brendo Bryan, aluno de matemática e então coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes, conclamou, de microfone em punho, a plateia a se unir a ele numa espécie de grito de guerra: “Ei, PUC, cadê os 40 000? Você não vai parar o movimento estudantil”.

No inflamado discurso, ele explicou que o DCE recebe 60 000 reais por ano da universidade para investir em cultura. Só que, com a crise pandêmica, 40 000 reais teriam sido congelados e nunca repassados. O clima ali era de insatisfação geral.

Esse tipo de queixa, que hoje circula a toda sob o belo pilotis, é desdobramento de uma política mais abrangente, e muito impopular no campus, de frear gastos, tosando aqui e ali verbas que, aos olhos de alunos e mestres, seriam preciosas à vida universitária.

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As temperaturas começaram a se elevar em junho de 2022, quando o padre paulista Anderson Antonio Pedroso, 49 anos, assumiu a cadeira de reitor — e o caldeirão das polêmicas só ganha fervura desde então.

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Imediatamente, o jesuíta colocou em marcha acelerada o que ele chama pelo pomposo nome de “projetos de atualização administrativa” da instituição, fundada em 1940 como Sociedade Civil Faculdades Católicas e instalada em prédio anexo ao Colégio Santo Inácio (sete anos mais tarde, a Santa Sé lhe concedeu título e prerrogativas de Universidade Pontifícia, e a operação migrou para a Gávea em 1955).

arte PUC

A questão agora é que o plano de Pedroso envolve passar a tesoura em gastos, o que naturalmente gera repúdio entre os atingidos, e renovar o que ele considera ultrapassado, um terreno em que a controvérsia corre solta. “A PUC reúne tudo o que há de mais moderno, de equipamentos a professores. Mas não adianta manter um computador de última geração se o software estiver desatualizado”, explica o reitor, doutor em história da arte pela Sorbonne, em Paris, e mestre em teologia pela Universidade Gregoriana, em Roma.

Ele conta inspirar-se em modelos como os do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Georgetown, ambos nos Estados Unidos, e pretende implantar naquele privilegiado quinhão de área verde o tripé sustentabilidade, equidade e transparência, tão repisado no ambiente corporativo.

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Neste ano, o reitor viajou à China para selar contratos de parceria com duas universidades em torno de projetos de transição energética e está com os olhos voltados para o Amazonizar, programa de incentivo a pesquisas sobre o bioma. Foi ainda recém-criada no campus uma área de compliance, com a ideia de fazer cumprir um receituário que põe como prioridade o zelo ambiental, social e ético.

A cartilha implantada por Pedroso incluiu o incentivo ao desligamento de funcionários já aposentados pela Previdência ou com mais de dez anos de casa — tudo enlaçado com a reformulação da marca, assinada pelo escritório da designer Ana Couto.

O brasão, agora mais moderno, vem acompanhado do slogan: “Acolher pessoas, expandir saberes, voar mais alto”. “É uma estratégia que alinha posicionamento, negócio e comunicação, respeitando o papel histórico da PUC”, esclarece a designer, formada pela universidade.

Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT: modelo para a universidade carioca
Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT: modelo para a universidade carioca (MIT/Divulgação)

Apesar de negar que a PUC atravessa uma maré de águas revoltas, como uma crise financeira, o reitor sustenta que é essencial centrar forças na saúde contábil. Para ajudar a manter o caixa em dia, foi recrutado o ex-ministro da Economia do Vaticano, o jesuíta espanhol Juan Antonio Guerrero, assessor especial da reitoria.

É ele o responsável por implementar o plano estratégico que definirá o passo a passo das mudanças até 2030. Homem de confiança do papa Francisco, Guerrero é conhecido por ter controlado com mão de ferro as finanças da Santa Sé. Precisará exercer tal habilidade na Gávea. Em 2015, a PUC contabilizava 13 000 alunos na graduação.

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As matrículas desabaram para pouco mais da metade na pandemia e, atualmente, o número está em 9 100, dos quais 40% são bolsistas. O reitor, aliás, passou a analisar pessoalmente os pedidos de desconto, um a um, o que até então era atribuição da vice-reitoria comunitária.

“Fiquei honrado ao receber uma ligação do padre Anderson me perguntando se eu estava de acordo com as porcentagens concedidas aos alunos que indiquei”, diz o padre Medoro de Oliveira, pároco de Três Rios e ex-professor de teologia da PUC.

É natural que docentes e funcionários habituados a tempos de menos aridez torçam o nariz para a nova mentalidade em vigor no campus. “Se um projeto parece consumir dinheiro e não trazer retorno financeiro ou se o reitor não vê razão em exibi-lo no LinkedIn, corta sem mais delongas. Está todo mundo com medo dessa gestão”, desabafa um professor de ciências humanas com décadas de PUC, que preferiu não identificar-se.

O temor tem rondado nestes dias o departamento de Comunicação, sobretudo o projeto Comunicar, que há quase quatro décadas ajuda a talhar talentos para o jornalismo — passaram por lá nomes como Márcio Gomes, da CNN, o crítico de cinema Marcelo Janot e a escritora Martha Batalha.

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No início de junho, ex-estagiários lançaram uma carta aberta alertando para um processo de desmonte e de interferência editorial da reitoria nas pautas conduzidas pelos alunos, o que é negado pela universidade. “Não tenho a pretensão de ser unânime. Sempre digo que podemos viver em círculos, voltando sempre ao mesmo lugar, ou em ciclos, atrás de renovação. As pessoas têm que entender que a PUC vive um novo ciclo”, afirma o padre Anderson, deixando a atmos­fe­ra no campus para lá de aquecida.

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Nesta quarta (24), a PUC-Rio enviou uma carta a VEJA Rio sobre alguns pontos abordados na reportagem. Abaixo, a íntegra do comunicado:

1. Quanto à queda no número de alunos, em junho de 2022, quando a atual gestão assumiu a Reitoria, a universidade estava com cerca de 8.500 estudantes matriculados na graduação. Em 2015, a universidade tinha cerca de 13 mil estudantes de graduação. Trata-se de uma curva constante que, segundo os dados, começou em 2017 e se acentuou com a pandemia de Covid-19. As iniciativas propostas pela nova gestão têm conseguido aumentar o número de estudantes, agora, em 2024. O número atual é de cerca de 9.100. Além disso, durante esta gestão, a PUC-Rio atingiu o marco histórico de cerca de 40% de estudantes com algum tipo de bolsa de estudos. O trabalho de manutenção e ampliação desses recursos representa o cuidado para garantir esta rede de compromisso e responsabilidade social, consonante com sua identidade e missão.

2. Quanto à questão mencionada do Diretório Central dos Estudantes (DCE), a Administração Central da PUC-Rio apoia as atividades promovidas pelo DCE com um repasse anual de R$ 60 mil. Durante a época da pandemia de covid-19, com o campus vazio, os recursos foram realocados para os programas de auxílio aos estudantes mais vulneráveis. Durante o primeiro semestre de 2024 foram feitas reformas nas casinhas da Vila dos Diretórios. Esses valores estão muito além dos R$ 40 mil mencionados. Em colaboração com a nova gestão do DCE, houve uma ampliação de recursos em outras expressões de participação estudantil como as Associações Atléticas e as equipes de competição, a Empresa Júnior, o Modelo Intercolegial de Relações Internacionais, entre outras iniciativas de impacto no corpo discente. Vale aqui ressaltar que, em 2023, o aporte para os auxílios alimentação, transporte e computador foi de cerca de R$ 3 milhões. Essa política tem sido defendida, garantida e ampliada pela Reitoria.

3. Quanto a uma mencionada política indiscriminada de cortes, a PUC-Rio nega que haja corte de custos e de pesquisas. O que ocorre é a aplicação de melhores práticas de gestão, mirando excelência na administração dos recursos para, com isso, aumentar o número de bolsas (que, ao contrário do que diz a reportagem, não são aprovadas diretamente pela Reitoria, mas passam por avaliação socioeconômica pela Vice-Reitoria Comunitária, para que os mais pobres e vulneráveis sejam atendidos).

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Quanto ao mencionado Plano de Desligamento Incentivado (PDI) realizado em 2023, trata-se de uma reedição de planos similares lançados em 2019 e 2021 (gestão anterior). O plano foi de livre adesão para funcionários técnico-administrativos, com mais de dez anos de casa e aposentados por algum órgão de previdência pública. Nesse sentido, o plano teve o intuito de assegurar a mobilidade de carreira e atuar com justiça em processos de ajustes do quadro funcional, em vista da continuidade da instituição (empregos e serviços).

4. Quanto à governança, a partir da proposta de um re-Design de serviços e modelo administrativo baseado nas melhores práticas, propôs-se um modelo de governança participativa e transparente. Ainda em setembro de 2022, houve o processo de mapeamento dos desafios a partir da criação de Grupos de Trabalho e, posteriormente, de Comissão, com ampla participação de professores e funcionários, representantes de setores da comunidade, com objetivo de aprofundar a reflexão sobre eixos centrais da atuação universitária. Houve participação de todos os que se dispuseram, com representatividade e corresponsabilidade. Todas as lideranças da universidade estiveram conscientes dos passos dados, com vistas à elaboração do Plano Estratégico 2024-2030 da PUC-Rio, dando continuidade ao processo, prioridades foram definidas e debatidas com a comunidade universitária em sua expressão mais plural, em um trabalho participativo e democrático.

5. Quanto ao Projeto Comunicar, ao contrário do que sugere a matéria, a ideia é fortalecer o seu ecossistema. Havia necessidade de atualizar o funcionamento acadêmico na relação com os procedimentos administrativos. Todo este processo foi acompanhado pelas Vice-reitorias Acadêmica, Administrativa e Comunitária em diálogo constante com o Departamento de Comunicação, que enviou a todos os membros uma comunicação (e-mail) explicando todo o processo.

Quanto à carta aberta encaminhada por ex-integrantes anônimos através das redes sociais, a Reitoria e Administração Central abriu canais e propôs o diálogo. Não fomos procurados. Preferiu-se o anonimato e a narrativa que não corresponde à verdade.

Quanto à escolha de uma pessoa para conduzir o Projeto, a Vice-reitoria Comunitária, em acordo com a Reitoria, solicitou que o Departamento de Comunicação propusesse um nome. A indicação do Prof. Alexandre Carauta foi corroborada, demonstrando abertura para o diálogo colaborativo e sincero, bem como capacidade de corrigir eventuais equívocos. Lamentamos que nada disso tenha sido comunicado na entrevista.

6. Apesar das críticas anônimas apontadas pela reportagem, a PUC-Rio é aprovada pela maioria (79,6%) de sua comunidade, como mostrou avaliação institucional, publicada em fevereiro, conduzida pela Coordenação Central de Planejamento e Avaliação, responsável pelo diálogo com o MEC. A universidade também foi eleita, em junho, pelo ranking da QS World University Rankings 2025, a melhor universidade privada do Brasil.

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