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Um choque de realidade

Levantamento exclusivo mostra que a valorização desenfreada dos imóveis de bairros nobres chegou ao limite. De vinte anunciados em dezembro, treze não encontraram comprador, e a maioria dos proprietários já aceita baixar o preço

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h29 - Publicado em 27 jun 2012, 11h54
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A Praça Almirante Belfort Vieira não é exatamente o lugar mais cobiçado do Leblon. Trata-se de um cruzamento entre a Avenida General San Martin e a Rua Almirante Pereira Guimarães dominado por um conjunto de prediozinhos antigos mesclados a outros, mais modernos. Lá o trânsito é intenso e, às quartas, acontece uma feira. Mas, pelo menos no ponto de vista dos proprietários de um apartamento ali localizado, a vizinhança está no patamar da Place Vendôme de Paris, famosa por suas joa­lherias e por abrigar o hotel Ritz. O imóvel em questão, com 300 metros quadrados, quatro quartos, duas vagas na garagem e vista lateral do mar, está à venda por 7,9 milhões de reais. Ou seja, cada metro quadrado custa os mesmos 26?300 reais cobrados no endereço parisiense. E isso com banheiros e cozinha que clamam por reforma e armários aparentando cada um dos quase quarenta anos de uso. Por mais surreal que pareça, não se trata de uma novidade ou caso isolado no frenesi que tomou conta do mercado imobiliário carioca. A diferença é que agora os compradores não compartilham do mesmo entusiasmo. Assim, o tal apartamento frequenta há seis meses os classificados dos jornais, e não há nenhum sinal de que saia de lá se o preço não cair. “Os valores no Rio bateram no teto e, em alguns casos, o ultrapassaram, chegando a números que não são compatíveis com a realidade. Agora vivemos um momento de acomodação”, avalia o especialista Luiz Paulo Pompéia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp).

A valorização desenfreada que nos últimos anos dominou o setor começa a dar sinais nítidos de estabilização. Entre 18 de dezembro de 2011 e o último dia 19, VEJA RIO acompanhou negociações envolvendo vinte apartamentos de três e quatro quartos no Leblon e em Ipanema. No período, apenas cinco foram efetivamente concluídas, três delas com valor inferior ao pedido inicial. Dois proprietários, ao deparar com as atuais circunstâncias, desistiram da venda (um deles colocou a propriedade para alugar). E treze imóveis seguem encalhados. Nesse grupo, nove tiveram o preço reduzido ou estão abertos – muito abertos – a contraofertas. Para quem sonhava tirar proveito da escalada vertiginosa nos preços, trata-se de um revés e tanto. Os levantamentos do Sindicato da Habitação (Secovi-Rio) confirmam o freio na disparada. De maio de 2010 a maio do ano passado, as somas pedidas por unidades de três dormitórios no Leblon, por exemplo, aumentaram 78,4%. No mesmo período entre 2011 e 2012, a alta foi de apenas 4,5%. “A tendência agora é que ocorram reduções entre 20% e 25%, dependendo do lugar”, afirma Rubem Vasconcelos, da Patrimóvel, a maior imobiliária da cidade.

Tal ajuste é um choque de realidade em uma área que até então havia se expandido em ritmo de progressão geométrica. Ao contrário do que aconteceu em outras capitais a partir de 2005, o Rio demorou a se beneficiar do aquecimento no setor imobiliário. As peculiaridades geográficas e a saturação dos principais bairros mantiveram estagnado o volume de lançamentos. Da mesma forma, a violência urbana deixou em uma espécie de limbo bairros inteiros, como a Tijuca, e regiões de Botafogo, Copacabana e Ipanema vizinhas a favelas dominadas pelo tráfico. Nos últimos três anos, tal cenário sofreu uma reviravolta. Além da preparação para a realização de dois grandes eventos esportivos mundiais, a final da Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, o que traz a reboque uma sucessão de reformas na infraestrutura urbana, ocorreram investimentos pesados na área de segurança, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Simultaneamente, o crescimento da indústria petrolífera aumentou a procura por moradia entre profissionais que vêm de fora. “A cidade voltou a ser atraente, e isso impulsionou as negociações”, observa José Conde Caldas, presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).

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A oferta escassa e a demanda aquecida criaram um ambiente propício para transações disparatadas, em que os preços eram jogados nas alturas – e normalmente encontravam candidatos dispostos a pagá-los. O valor médio pedido por um apartamento de quatro quartos em Ipanema, por exemplo, aumentou 463% entre 2009 e 2012. No ano passado, um imóvel de 500 metros quadrados no mesmo bairro, na Avenida Vieira Souto, foi negociado por inacreditáveis 36 milhões de reais, ou 72?000 reais o metro quadrado, um patamar assombroso em qualquer lugar do planeta. Tal quantia desbanca até metrópoles asiáticas notórias por seus preços salgadíssimos, como Xangai e Hong Kong, onde o metro quadrado chega a valer 50?000 reais. Parte dos cariocas passou a viver em um curiosíssimo universo paralelo, em que uma família de classe média, de uma hora para outra, se via dona de um patrimônio que podia valer milhões de reais. “O mercado virou uma loucura. Muita gente que nem tinha necessidade ou interesse em vender decidiu fazer sua aposta. Sempre com as cifras lá em cima”, comenta Johnny Guedes, diretor da imobiliária Nova Aliança.

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Obviamente, houve quem se desse muito bem em meio à corrida imobiliária. Mas o tom agora é de maior prudência e comedimento. A pesquisadora Marly Spínola, de 65 anos, foi obrigada a baixar o valor que pedia inicialmente para, enfim, fechar a venda. Com os filhos já fora de casa e a necessidade de reduzir gastos, ela decidiu vender seu três-quartos no Leme em novembro passado. A unidade, próxima à entrada do Morro do Chapéu Mangueira, uma favela pacificada, foi avaliada em 1,42 milhão de reais. Sem respostas aos anúncios, ela diminuiu o valor em 60?000 reais. Não foi o suficiente. O negócio foi concluído em maio por 1,25 milhão, ou seja, com um abatimento de 12%. “O oba-oba acabou. Achei que venderia muito mais facilmente”, admite. Na outra ponta, cada real economizado é comemorado como uma grande vitória, mesmo em operações vultosas. “A realidade é outra”, diz o advogado Paulo Roberto Pereira, de 61 anos. Ele acaba de economizar 180?000 reais na compra de um quatro-quartos no Leblon, originalmente anunciado por 2,6 milhões de reais. Dono de um imóvel também à venda em Ipanema, reduziu por conta própria em 200?000 reais o preço de 2,7 milhões atribuído pela avaliação de um corretor. “Os proprietários que procuram liquidez precisarão ter muita flexibilidade e paciência para negociar”, afirma Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi-Rio. Transações antes fechadas em no máximo noventa dias hoje levam entre seis e oito meses – ou mais.

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Desvendar a lógica que rege os preços e mecanismos da compra e venda de imóveis é uma tarefa complexa. Qualquer forasteiro que chegasse agora à cidade em busca de moradia e consultasse as páginas de classificados ou sites especializados concluiria que a euforia segue em pleno curso. É um equívoco. Um dos elementos que reforçam tal impressão errada são os anúncios publicados em jornais e dirigidos a proprietários solicitando apartamentos para compradores estrangeiros. Na verdade, essa é uma manjadíssima artimanha para captação de clientes, mas que acaba passando a ideia de aquecimento do mercado. Da mesma forma, é muito frequente um interessado ligar para uma imobiliária e ser informado de que há outros candidatos à mesma unidade ou que é preciso correr porque há o risco de alguém passar a sua frente. Mas basta esperar alguns dias para que os telefonemas insistentes dos corretores deixem evidente que o ritmo das negociações não está tão em alta quanto antes. “Qualquer artifício antiético é passível de punição e, dependendo do caso, leva à perda do registro. Um profissional não pode omitir informações nem agir de forma inescrupulosa para estimular a venda”, adverte Laudimiro Cavalcanti, conselheiro do órgão que regulamenta e atividade, o Creci-RJ.

Diante do atual cenário, a grande questão que intriga vendedores e compradores é se essa situação dará o tom do mercado daqui para a frente ou se tudo não passa de uma fase transitória. É difícil ter certeza absoluta. Sabe-se que os fatores que levaram a uma arrancada sem precedentes já não estão produzindo os mesmos efeitos. Em paralelo, há claros sinais de que a euforia faz parte do passado, com a estabilização dos preços e até um provável ajuste. Ainda assim, é grande o número de pessoas que acreditam que a escalada persistirá. Uma delas é a comerciante aposentada Eunésia Nogueira Cohen, de 79 anos, que desde dezembro tenta vender o imóvel de 300 metros quadrados onde mora em Ipanema por 5,8 milhões de reais. “Eu não tenho pressa e não vou baixar o valor. Quero comprar um imóvel para mim e outro para minha filha aqui mesmo no bairro”, diz ela. Só as leis da oferta e procura (e o tempo) podem responder se a aposta de dona Eunésia está correta.

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