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Por dentro da favela

Designer alemão recém-chegado ao Vidigal traça um detalhado mapa da área

Por Lula Branco Martins
Atualizado em 5 jun 2017, 14h31 - Publicado em 6 jun 2012, 18h05

Na semana que vem, por quatro dias seguidos, um pequeno bimotor poderá ser visto cruzando os céus da cidade, para lá e para cá, como se não tivesse destino certo. Seus voos devem acontecer por volta das 11h, num vaivém entre a Baía de Guanabara e a Zona Oeste, dentro da faixa que vai dos contornos do litoral até o Maciço de Gericinó. Voando a 1 quilômetro do solo, o aviãozinho estará cumprindo importante missão: tirar cerca de 1?200 fotos do Rio de Janeiro, pedaço por pedaço da cidade, para renovar a base de dados do mapa oficial do município – tarefa que cabe ao Instituto Pereira Passos (IPP), braço de urbanismo e cartografia da prefeitura. Juntar o quebra-cabeça formado pelas fotografias é um trabalho dificílimo, principalmente no que diz respeito às favelas, com seus inúmeros becos, e casas que não param de subir. E há, historicamente, mais um entrave ao mapeamento dessas áreas: a ação dos traficantes de drogas, que muitas vezes impedem o trabalho in loco de agentes, recenseadores e geógrafos. Mas há indícios de que esse quadro está mudando. O caso do Morro do Vidigal, na Zona Sul, é exemplar.

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Lá, em janeiro, foi instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora. “Agora podemos preencher esse buraco”, festeja o arquiteto Adriano Alem, do IPP, apontando o vazio de informações cartográficas (quase metade da favela) no mapa do Vidigal que mantém em seu computador. Se o poder público tem planos de, até dezembro, finalizar a “planta baixa” de uma área antes impenetrável, a ação voluntária das pessoas que ali residem veio de forma mais rápida. Há três semanas começou a circular pelos bairros próximos um fôlder detalhando a região, rua por rua, birosca por birosca. O curioso é que foi um cidadão nascido na longínqua Wolfsburg, que mora no morro há apenas dois anos, o idealizador do projeto. Chama-se André Koller, mas já ganhou a alcunha de “Alemão do Vidigal”. Formado em design, fascinado por geografia, ele tem 38 anos, sotaque carregado e uma certeza: “Sempre quis fazer um mapa daqui, mas só tive coragem depois que veio a pacificação”. Foram quatro meses percorrendo ruas e vielas, de lápis e papel na mão, anotando o que via.

Ao fim, conseguiu reunir mais de 200 endereços. Alguns podem ser considerados pontos de interesse turístico, outros não passam de comércio local – mas sempre “honestos”, como frisa o alemão. Tem de tudo: creches, chaveiros, brechós, oficinas, bares, restaurantes, academias, salões de beleza, rodas de samba, motéis, ateliês, lan houses, barbeiros, pet shops, açougues, sorveterias e lojas de açaí (confira o mapa completo em vejario.com.br). Há alguns pontos que, em época pré-UPP, não poderiam fazer parte do roteiro, a exemplo da trilha do Bico da Pedra, que vinha sendo usada como rota de fuga de criminosos, no topo da montanha.

Confira as dicas do alemão habitante do Vidigal

[—FI—]

Em sua apuração de formiguinha, Koller teve de, primeiro, conquistar a confiança dos moradores. Para isso se valeu de sua simpatia natural (gosta de conversar sobre samba, surfe, futebol) e contou com a ajuda de jovens da favela, que iam lhe abrindo caminhos. Não faltaram, porém, situações difíceis. Algumas lojas não têm endereço certo – muitas ruas simplesmente não possuem numeração – e há estabelecimentos sem letreiro, sem nome e às vezes sem janelas. Nesses casos o alemão geralmente fazia assim: “Senhor, esse bar é seu?”, perguntava. Se vinha resposta positiva, logo anotava o nome do dono. E é por isso que seu mapa é cheio de bares “do Duarte”, “da Cida”, “do Salomão”, sintoma de uma economia informal, mas pulsante, responsável pela relativa autossuficiência das 16?000 pessoas que moram ali.

Foram justamente esses pequenos estabelecimentos que ajudaram a bancar a tiragem inicial da publicação, de 4?000 exemplares. Koller, que não ganhou um tostão na empreitada mas vai aos poucos virando celebridade local, tentou desde o início patrocínio público e de empresas privadas, de fora da favela. Não conseguiu. Na semana passada, porém, veio uma notícia boa: ele fechou uma parceria com a organização da conferência Rio+20 para que seus mapas sejam utilizados durante a visita que delegações oficiais farão ao Vidigal, no próximo dia 18. Alguns deles serão impressos em tamanho gigante e expostos em placas, pelas ruas, para orientar as autoridades do evento e o público em geral. O designer, é claro, está orgulhoso do resultado de seu trabalho: “Não fiz um levantamento tecnicamente perfeito, o mapa pode não ter escalas exatas, mas acredito que, com ele, estou ajudando a dar mais reconhecimento e identidade aos moradores”.

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