Mais cara casa à venda no país custa 220 milhões de reais. Quem compra?
Bons ventos que agitam o mercado imobiliário de luxo ainda não foram suficientes para passar de mãos a mansão, em área de 11 000 metros quadrados, no Leblon
Encarapitada no alto do Jardim Pernambuco, nobre condomínio de casas no Leblon, a imponente mansão em estilo inglês parece saída de um episódio do seriado Downton Abbey. No hall de entrada, a escadaria cinematográfica conduz a seis suítes, salas de estar, jantar, reunião e música, uma biblioteca de dois pisos, dezoito banheiros e outros cômodos recheados de mordomias, tudo muito bem espalhado por 2 500 metros quadrados de construção. O generoso terreno de 11 000 metros quadrados — uma raridade na região — abriga ainda academia de ginástica, solário, sauna com vestiários, casa para funcionários e um belo orquidário. No jardim, que leva a assinatura de Burle Marx, há um lago, uma piscina com vista para o Cristo Redentor e a Lagoa e até um heliponto. Tanto luxo cobra seu preço: a casa, a mais cara à venda no Brasil de que sem tem notícia, foi posta no mercado por 220 milhões de reais. Quem encarar a fatura precisará incluir ainda na conta os elevados custos de manutenção — só de IPTU, para dar um exemplo, são 450 000 reais por ano. Desde novembro de 2019, o palacete segue à espera de um comprador, despertando a curiosidade dos mortais que o avistam a distância e revirando na memória de ex-vizinhos mistérios que o rondam.
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O preço é exorbitante até mesmo para os padrões do bairro, que possui o metro quadrado mais salgado do país: superior a 20 000 reais (veja no quadro). Na orla, o valor pode escalar para 35 000. Nos dois edifícios mais caros da cidade — o Cap Ferrat, na Vieira Souto, em Ipanema, e o Juan Les Pins, na Delfim Moreira, no Leblon —, um apartamento de 650 metros quadrados emoldurado pelo mar costuma ser vendido de seis meses a um ano depois de anunciado. As cifras oscilam entre 40 milhões e 50 milhões de reais. Especialistas admitem que a extravagante propriedade do Jardim Pernambuco é um ponto fora da curva. “Mas, quando se trata de um imóvel de alto luxo, devemos falar menos de preço e mais de valor. O potencial comprador não está buscando apenas moradia, mas status, projeção e segurança patrimonial. É como adquirir um quadro de Van Gogh”, defende Jacyr Tavares, da imobiliária JTavares. Para João Paulo Diniz, sócio da Invexo, especializada em imóveis desse naipe no eixo Barra-Zona Sul, ainda que o item à venda ofereça o que outros não têm, o valor está um tantinho alto. “Por esse preço é possível adquirir qualquer coisa em qualquer lugar do planeta. Mas comprador sempre tem”, pondera.
Entre o Morro Dois Irmãos e a Avenida Visconde de Albuquerque, o Jardim Pernambuco é hoje um dos endereços mais cobiçados da cidade. O arborizado condomínio delimitado por cancelas registra entre os moradores o humorista Helio de La Peña, o ex-presidente do Comitê Olímpico do Brasil Carlos Arthur Nuzman (que ali cumpre prisão domiciliar desde 2017), famílias tradicionais da alta sociedade carioca e alguns dos indiciados pela Operação Lava-Jato. As suntuosas casas variam de 30 milhões a 70 milhões de reais — quanto mais próximas à entrada, mais caras elas ficam. Mas nem sempre foi assim. Até os anos 1940, o lugar era uma chácara que abrigou o Quilombo do Leblon. Morador da Rua Codajás (uma das cinco do exclusivo enclave) desde que nasceu, o engenheiro e jurista Aloysio Maria Teixeira, 77 anos, lembra que seu avô foi um dos primeiros a chegar e logo arrematou três lotes. “Os terrenos eram baratos, por ser longe do Centro. Os preços regulavam com os da Rua Mundo Novo, entre Laranjeiras e Botafogo”, rememora.
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Alguns de seus amigos de infância eram filhos de vizinhos, como a atriz Marieta Severo e o jornalista Gilberto Menezes Côrtes, que viveu naquelas bandas com os pais de 1953 a 1973 (ao lado dos primos Marcos e Paulo Sergio Valle e do maestro Tom Jobim). Menezes Côrtes traz à roda uma daquelas histórias que perpassam gerações: a suspeita de que o local seja algo amaldiçoado. O antigo residente conta que a Rua Embaixador Graça Aranha, onde a mansão está situada, foi a última do loteamento a ser ocupada, pois até meados dos anos 1960 abrigava o terreiro de umbanda de Nilo Macumbeiro. “O doutor Nascimento Brito (ex-diretor do Jornal do Brasil) derrubou o terreiro para construir uma casa onde moraria com uma das filhas, mas seu genro morreu em um acidente e, em paralelo, a crise se instaurou na nova sede do JB”, lembra. Conhecido como o “Chinês da Barra”, o empresário Tjong Hiong Oei, dono da Terra Encantada, também teria ido mal nos negócios após se mudar para perto do antigo terreiro. O terreno foi então vendido à família Amaral, dona da extinta rede de supermercados Disco, que enfim ergueu a mansão. Pouco antes de ir à venda, vale lembrar, a exuberante propriedade ganhou as manchetes pelo despejo irregular de lixo na encosta do Túnel Acústico Rafael Mascarenhas, que acarretou o desabamento do teto sobre um ônibus e uma multa de mais de 2 milhões de reais.
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Um ponto, porém, pesa decisivamente a favor do casarão: ele é expoente do nicho do alto luxo imobiliário, um mercado tradicionalmente pouco sujeito às intempéries econômicas e que, nestes dias, caminha de vento em popa. “No Brasil, troca-se de imóvel a cada 24 anos. Com o público à caça de luxo, a média oscila em torno de oito a dez anos”, calcula Marcello Romero, CEO da Bossa Nova Sotheby’s International Realty, corretora encarregada da missão de passar a mansão de mãos. Se antes a cobiça de estrangeiros por esse tipo de joia imobiliária alavancava os negócios, hoje o público majoritário de propriedades desse padrão é composto de cariocas, seguidos por expatriados que foram morar em outros estados ou mesmo no exterior e buscam uma base na cidade. São em geral executivos de multinacionais das áreas de tecnologia ou óleo e gás, ganhando em euro ou dólar, empresários, empreendedores e a turma do mercado financeiro. “A alta demanda, aliada à escassez de ofertas, principalmente desse gênero de imóvel, levou a uma escalada gigantesca de preços nos últimos tempos”, explica Romero, que mantém sigilo acerca de potenciais compradores e de negociações que transcorrem nos bastidores. “É um processo lento mesmo”, diz. Por ora, o palacete em estilo inglês a poucos passos da praia segue com sua imensidão de quilômetros quadrados deserta de moradores.