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Largo da Prainha: novo ponto boêmio resgata memórias da cidade

Reconhecido como berço de um dos bares mais descolados do mundo pela "Time Out", local reúne público diversificado das manhãs às madrugadas cariocas

Por Amanda Mussi*
22 set 2022, 19h27

O Largo de São Francisco da Prainha foi escolhido como palco de homenagem ao sambista Hilário Jovino, que residia no Beco João Inácio, próximo ao local. O projeto mais recente do artista John Souza é um mosaico de cinco metros do sambista. Inaugurado em agosto, o mural de John quer resgatar a história de uma figura importante para o samba e o Rio de Janeiro. A recente popularização da Região Portuária do Rio despertou na comunidade local a vontade em salientar a carga cultural da região e exaltar personagens de origem africana que contribuíram para a cultura brasileira. 

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Este não é o único projeto de John Souza, historiador e morador do Morro da Conceição. O artista criou o Ateliê Nave Cosmonauta, onde junto com a companheira, Natália Reyes, desenvolveram workshops e intervenções urbanas com mosaicos. O objetivo é representar, através de murais, workshops e intervenções urbanas, a história de personagens relevantes que marcaram a cultura brasileira. 

Na escada de principal acesso ao morro da Conceição está localizada a intervenção do projeto “Eu cuido do meu destino”, criado pela Cisco em parceria com o Comitê Rio 2016. O mosaico criado pelo casal de artistas colore os degraus da escadaria com a representação de  figuras como a Tia Lúcia, Hilário Jovino, Malandro, Cacique Aimberê, Imagens da Capoeira e outros. Durante o processo de execução e instalação, 130 moradores da região tiveram a oportunidade de fazer workshops e contribuir para a obra com as próprias mãos.

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Para Souza, apesar da representação de Jovino na escadaria, o personagem ainda merecia seu próprio mural, no Beco João Inácio. Segundo o historiador, a vida do sambista pernambucano que chegou ao Rio em 1892 determinou os rumos do Carnaval carioca, especialmente no que toca à representação de elementos da cultura africana. “Eu entendo, de acordo com tudo o que estudei, que o Hilário Jovino encontrou uma brecha em meio à repressão aos  elementos da cultura africana, para conseguir colocar suas manifestações culturais na rua.”, disse. 

Essa brecha estaria representada no movimento de Jovino de inserir o Rancho no Carnaval de rua. A presença dessa figura nas celebrações de carnaval começou com a participação em ranchos que surgiam no Beco João Inácio, por parte de vizinhos e colegas de habitação. O prédio onde Jovino morava, segundo John, era compartilhado com outras pessoas que chegavam da Bahia ao Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida, sob abrigo do Pai de Santo João Pequeno.

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Após tornar-se Agã (quem bate o atabaque) em terreiro de Candomblé da região, Jovino começa a participar de ranchos que celebravam o Dia de Reis até que funda o Rei do Ouro, seu próprio rancho. A partir desse momento, introduz a prática de desfilar o Rei do Ouro no carnaval, e inova no sentido de representar a cultura africana de modo a driblar a resistência por parte da burguesia da época. 

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“Existia uma resistência muito grande por parte da elite às manifestações culturais de origem africana.  Mas as manifestações de carnaval, aos olhos dessa burguesia, ainda tinham elementos muito mais fortes da cultura africana do que essa manifestação do rancho. Tinha o Maracatu, Zé Pereira, e uma série de manifestações que traziam os traços da cultura africana com mais força”, contou John Souza. 

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Enquanto a elite reagia com repressão às manifestações mencionadas, o Rancho de Jovino trazia uma organização mais próxima do que era aceito por essas camadas da sociedade carioca. Propunha uma instrumentação diferente, não apenas com percussão, mas adicionava o violão, cavaquinho e instrumentos de sopro na melodia. A partir dessa mudança, o Rancho ganha palco no Carnaval e novos outros vão surgindo.

Outra inovação trazida por Hilário Jovino foi o enredo único, já que até então, cada Ala tinha um enredo. Introduziu também a figura do Mestre Sala, o que posteriormente foi feito por outros grupos e é hoje parte essencial nos desfiles de escola de samba, conduzindo, junto à Porta-Bandeira, as bandeiras das escolas de samba durante o desfile.

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“Alguns grupos vão fazendo desfiles no formato do Rancho e o próprio Hilário Jovino começa a fundar vários outros, sendo um grande agitador do Carnaval no Rio de Janeiro. Então nós percebemos que o rancho foi o embrião das escolas de samba, e a atuação do Hilário Jovino foi super importante. É uma figura que nós valorizamos muito por aqui e não é muito falada. A nossa ideia é trazer essas histórias para discussão”, disse o artista.

Ricardo Sarmento, que fundou o Bloco Escravos da Mauá junto com colegas de trabalho, considera a Zona Portuária do Rio um espaço que passa por uma situação paradoxal de conservação e abandono. Por causa da falta de atenção pelo local, as estruturas ficaram preservadas, não viraram objeto de especulação imobiliária. 

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“Na praça XV havia uma arquitetura parisiense que foi destruída nos anos 50 por uma visão de cidade grande, pautada em cidades americanas. Enquanto na praça Mauá, as coisas ficaram lá, porque não se dava atenção a elas, é um paradoxo”, disse.

O bloco, que anunciou seu término no fim de agosto para dar espaço a novas iniciativas da região, foi criado para resgatar e valorizar a história das ruas. E nessa trajetória de trinta anos, o grupo conseguiu contribuir com diversas mudanças positivas na região.

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“Desde os anos 80 se falava de renovar aquele lugar. Na época que fui diretor cultural, tentei incluir um projeto de usar os espaços públicos e os auditórios. E nesse processo de defender o espaço, as pessoas do trabalho se mobilizaram, montamos um bloco aqui, resgatando aquela ideia lá dos anos 80, de falar sobre a região”, contou. Para Ricardo, não se trata de uma história passada, e sim uma história presente.

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*Amanda Mussi, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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Este conteúdo integra o conjunto transmídia que reúne produções em texto, áudio e vídeo sobre memória. Foram feitas por estudantes de Comunicação da PUC-Rio, com a orientação dos professores Alexandre Carauta, Creso Soares Jr., Chico Otavio, Felipe Gomberg, Luís Nachbin e Mauro Silveira.

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