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Sem repressão, clubes dançantes do Rio ajudaram a propagar a cultura negra

Livro escrito pelo pesquisador e professor Leonardo Pereira revela o surgimento destes locais e como eles forjaram um espaço seguro de convívio social

Por João Viveiros Jorge*
Atualizado em 12 set 2022, 17h28 - Publicado em 12 set 2022, 17h26

A ausência da repressão policial contra os clubes dançantes cariocas forjou um espaço seguro de lazer, convívio social e expressão cultural para a população negra no início do século XX. Essa foi uma das descobertas de pesquisa do professor Leonardo Pereira, do Departamento de História, durante a escrita do livro A Cidade que Dança: Clubes e Bailes Negros no Rio de Janeiro (1881-1933). A obra conta a trajetória associações dançantes do Rio de Janeiro da Primeira República.

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Pereira revela o surgimento destes locais a partir da relação deles com a política, religião, o racismo e até feminismo. Os grêmios eram formados majoritariamente por trabalhadores de baixa renda negros e pardos, que usavam o espaço para lazer. Por causa do constante controle policial exercido com a população negra na Primeira República, os sócios das associações se aproveitavam da legalidade dos clubes para forjar uma área livre de repressão, onde poderiam afirmar a legitimidade das próprias práticas culturais.

“Os trabalhadores negros e pardos viram neste tipo de sociedade recreativa, que era legalizada, uma forma de conseguir a licença policial para criar seus espaços de lazer. Eram pessoas que não podiam participar dos clubes das elites da cidade. Mas que criaram, a partir de espaços precários, – às vezes em cortiços ou na sala de um dos sócios – associações com certa independência”, afirma Pereira.

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Segundo o professor, os clubes de maioria negra prevaleceram e expandiram a “febre dançante” citada no poema de Olavo Bilac. Já na década de 1920, quase todos os bairros da periferia do Rio tinham grêmios. O autor do livro ressalta também que a composição étnica das associações fomentou uma articulação importante entre os trabalhadores negros. Com os clubes, eles passaram a ter um ambiente importante de experiência cotidiana, articulação de laços de sociabilidade e afirmação das experiências em comum.

“Estes clubes foram espaços importantes de articulação e afirmação de legitimidade de trabalhadores negros e pardos. A partir destas associações, eles conseguiram um jeito de se inserir numa ordem republicana que tentava excluí-los”, explica ele.

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O objetivo era o lazer, mas a atmosfera das agremiações carnavalescas se misturou com a religião. A presença de lideranças da religiosidade afro-brasileira nos clubes era comum, como no caso de João Alabá. O babalorixá fundou e presidiu a Liga Africana, uma famosa associação dançante dos anos 1910, cuja sede era a casa dele.

A influência, no entanto, não ficou restrita à religião. Os grêmios aos poucos conquistaram a imprensa carioca. A transformação das associações em um fenômeno social mais amplo, afirma o professor, está ligada aos diálogos estabelecidos pelos integrantes dos clubes com o universo letrado e com a imprensa.

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“No mesmo momento de surgimento dos clubes dançantes, os jornais já tinham se constituído como uma empresa comercial que tentava expandir a base de leitores. Para atrair novos consumidores, os grandes jornais do Rio passaram a atentar para a força do fenômeno dos clubes dançantes. Este processo começa com a atuação de um jornalista negro do “Jornal do Brasil”, Francisco Guimarães, o ‘Vagalume’”, conta Pereira.

Segundo o historiador, o sucesso da coluna do “Vagalume” fez com que os grandes jornais do Rio também criassem espaços de divulgação das atividades das pequenas associações dançantes. O que, por sua vez, aumentou a legitimidade das agremiações e reforçou o fenômeno. A partir deste período, assinala Pereira, as tradições culturais negras passaram a integrar a base de uma nova ideia de nacionalidade, uma nacionalidade mestiça.

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Com a aceitação na imprensa e sendo bem-vistos pela sociedade, os clubes ganharam cada vez mais importância política, apesar do sistema eleitoral excludente do país. De acordo com o professor, os trabalhadores negros e pardos não ficaram passivos em relação à falta de representatividade e usaram o ambiente da associação para concretizar negociações políticas.

“As agremiações se convertiam em espaços de lutas dos trabalhadores, como em protestos e passeatas de operários. Eles também passam a apoiar candidatos ligados ao seu meio social e a sua causa. Isto acontece tanto em eleições locais quanto em eleições presidenciais. Não é por acaso que, já na década de 1910 e 1920, muitos destes grêmios recreativos entraram na folha de pagamento eleitoral de lideranças políticas importantes do Rio de Janeiro”, ressalta Pereira.

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O autor de A Cidade que Dança: Clubes e Bailes Negros no Rio de Janeiro (1881-1933) lembra que a campanha presidencial de Hermes da Fonseca foi uma das primeiras que se valeu grandemente do apoio das associações carnavalescas. Depois que Hermes da Fonseca foi eleito, ele reconheceu, inclusive, a legitimidade dos clubes.

O historiador ressalta ainda que, apesar da distância temporal entre os fatos do livro e os dias de hoje, o preconceito contra a periferia não mudou. Pereira afirma que antes da aceitação social, os clubes dançantes eram malvistos e taxados de promover uma musicalidade associada à barbárie, sexualização e promiscuidade.

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“O preconceito apenas muda de forma e de objeto. A forma como o funk e os bailes funk são vistos no Rio de Janeiro é muito parecida. A criminalização do espaço de lazer da juventude negra e periférica ainda é muito semelhante ao discurso de criminalização e ataque dos espaços dançantes do início do século 20”, aponta ele.

*João Viveiros Jorge, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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