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Junta Local leva comida boa, local e justa das feiras ao Mercado São José

Fechado em 2018, espaço revitalizado terá curadoria dos responsáveis pelos "ajuntados", pequenos produtores que já são parte da cena gastronômica do Rio

Por Paula Autran
Atualizado em 17 nov 2023, 11h18 - Publicado em 16 nov 2023, 20h00
 (Fotos Samuel Antonini/Divulgação)
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Era 2014, e o cientista político Thiago Nasser finalizava sua tese de doutorado sobre consumo alimentar. Nela, o pesquisador abordava a importância dos chefs na promoção de produtos orgânicos e brasileiros, e cutucava a questão da reforma agrária. Foi quando surgiu a oportunidade de juntar a fome com a vontade de comer. Frequentador do extinto bar Comuna, em Botafogo, ele conheceu um dos sócios, o jornalista Bruno Negrão, que comentou sobre a dificuldade de encontrar fornecedores e itens de qualidade. Assim nasceu a Junta Local, uma receita de sucesso que estreou como um site para cadastrar e ajudar pequenos produtores a vender diretamente ao consumidor. O negócio foi aos poucos ganhando substância, saiu do mundo virtual e virou uma grande feira, com edições já realizadas por toda a cidade, Niterói e até São Paulo.

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O próximo desafio é ousado — assumir o Mercado São José, um cartão-postal de Laranjeiras, após cinco anos de abandono. Com a empresa de engenharia Engeprat, a Junta forma o consórcio que será responsável nos próximos 25 anos pela gestão do espaço, prestes a completar oito décadas. A reinauguração está prevista para o segundo semestre de 2024. “Acredito na gastronomia como uma ferramenta de transformação. Nosso objetivo é oferecer comida boa, local e justa para as pessoas”, resume Thiago, dando uma provinha do tempero presente nas iniciativas que levam a marca registrada da Junta.

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Dos primeiros pedidos feitos pela internet, a Junta Local passou a atuar em frentes variadas e hoje reúne 180 “ajuntados”, como são chamados os associados. Eles se espalham por três feiras fixas, que já fazem parte do calendário da cidade (em Botafogo, na Gávea e na Tijuca), além de baterem ponto na feirinha da Travessa Euricles de Matos, em Laranjeiras, e nos eventos que acontecem com frequência em endereços como o Museu da República, o MAM e o CCBB, reunindo 5 000 pessoas, em média, por edição. A feira on-­line, que serviu de embrião para o projeto, segue a pleno vapor, com entregas em domicílio de segunda a sexta de itens avulsos ou das caixas do clube de assinatura, o Assina Junta — elas contêm desde legumes e verduras a produtos mais sofisticados, como charcutarias artesanais e cafés de torrefação especial. São todos selecionados com base em uma “carta de valores” criada pelo grupo em 2017, na qual se prioriza, entre outros, a proximidade do produtor, o respeito ao meio ambiente e a qualidade do alimento.

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De casa própria: o projeto do novo mercadinho (à esq.), que terá expositores com a curadoria dos sócios da Junta, Bruno, Mariana, Guilherme e Thiago (à dir.) (Fotos Daniela Dacorso e Prefeitura do Rio/Divulgação)

Com essas premissas em mente, a Junta se prepara para fazer a curadoria dos expositores do Mercadinho São José. O prédio e o terreno ao lado pertenciam ao INSS e foram comprados pela prefeitura do Rio para serem readequados ao uso gastronômico e cultural que o imóvel, tombado pelo município em 1994, tinha até ser fechado, em 2018. “Entendemos que era importante reativar o mercado, e o modelo da proposta do consórcio vencedor se mostrou o melhor”, diz Gustavo Guerrante, presidente da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar). Com aporte de 8,5 milhões de reais, o Mercado São José vai ganhar cobertura no pátio interno, que será climatizado, e uma área de convívio no terraço. Ampliados, os dez tradicionais boxes serão destinados a “ajuntados” de diferentes especialidades, que podem ir da padaria à peixaria, passando por açougue, charcutaria e queijaria. O característico chafariz será mantido. No anexo, que terá elevador, o entreposto se estende pelo 1º piso; no 2º, haverá bares e restaurantes; já no 3º, projeta-se o terraço com ombrelones. “Há uma tendência de criar mercados com boa gastronomia e climatização”, ressalta o gestor do projeto pela Engeprat, Luis Renato Rocha, que participou da revitalização do Mercado Municipal de Niterói.

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A ideia é agitar a área com um calendário de programação cultural, oficinas e experiências gastronômicas. “Mercados, como feiras, precisam ter curadoria e gestão, senão não funcionam”, defende Thiago, prevendo eventos temáticos diversos, dedicados aos refugiados, à Amazônia e a vinhos naturais, só para dar alguns exemplos. O local será uma espécie de showroom da empresa, que hoje conta com dois antigos produtores e agora sócios — a confeiteira Mariana Medeiros, que cuida dos assuntos comunitários, e Guilherme Cerqueda, que trocou a palha italiana pela administração financeira. A dupla busca posicionar a Junta como um movimento, com atuação ativa em comissões e fóruns, como o do Pacto de Milão, fomentado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Não somos uma mera feirinha gastronômica. Isso aqui é importante para a cidade. Todo mundo gosta de comer bem, e a comida é algo que pode unir as pessoas”, reforça Thiago, empenhado em envolver o poder público na elaboração de políticas que, a partir do zelo com a alimentação, possam contribuir não só para a boa nutrição, mas também para saúde pública, cultura e até questões urbanas.

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A inspiração para transformar a Junta Local na feira que conquistou os cariocas e agora vai virar mercado veio da Argentina, onde Bruno conheceu o Buenos Aires Market, paraíso dos fãs de alimentos orgânicos e locais, entre queijos, embutidos, pães, mel, geleias e doces típicos. “Queríamos um espaço assim, vivo e cheio de significado”, lembra. O Rio é tradicionalmente afeito a esse tipo de iniciativa. No último meio século, brotaram na paisagem feiras temáticas em profusão — a Hippie de Ipanema, a do Rio Antigo, a Babilônia e, mais recentemente, a Carioquíssima e O Fuxico. Bastou uma convocação, via Facebook, e logo apareceram quarenta produtores de alimentos ansiosos para estabelecer contato direto com o consumidor. “Houve uma identificação do público, e o espaço passou a ser um lugar de projetos gastronômicos, de pessoas que iam fazer comida usando ingredientes dali”, relata Thiago, orgulhoso da exitosa trajetória. Está aí a essência desse tipo de feira: selar um elo de confiança, saber como a comida que vai à mesa é produzida, trocar receitas e memórias. Agora, a Junta terá, além de tudo o que já colheu, uma casa para chamar de sua.

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