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Comprovado: Ilhas Cagarras são hábitat de tartarugas-verdes

Pesquisa inédita revela que o arquipélago, integrante da seleta lista de pontos de esperança globais, abriga uma considerável população da espécie em ameaça

Por Luiza Maia
Atualizado em 16 jul 2021, 19h12 - Publicado em 16 jul 2021, 06h00
Pesquisa de campo: biólogos catalogaram 28 animais vistos com frequência -
Pesquisa de campo: biólogos catalogaram 28 animais vistos com frequência - (Daniel Shimada/Projeto Ilhas do Rio/Divulgação)
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É do filósofo grego Aristóteles (384 a.C-322 a.C) a frase “Em todas as coisas da natureza existe algo de maravilhoso”, uma espécie de bússola para os pesquisadores do Instituto Mar Adentro. Diariamente, por volta das 7 da manhã, eles partem da Marina da Glória rumo ao Arquipélago das Cagarras. Saem equipados com câmeras fotográficas, pranchetas resistentes a água e cilindros de oxigênio e realizam mergulhos para mapear a fauna marinha da região, parte de um estudo do Projeto Ilhas do Rio.

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Iniciada há um ano, a vasta exploração marítima trouxe aquele algo de maravilhoso: apesar de já serem vistas na localidade, descobriu-se que o conjunto de sete ilhas a 5 quilômetros das areias de Ipanema é o lar doce lar de uma considerável população de tartarugas-verdes, uma das cinco espécies encontradas no litoral brasileiro e atualmente em perigo de extinção. Durante as pesquisas de campo, foram catalogados 28 indivíduos avistados com frequência nessas águas. “Conseguimos comprovar que eles estão realmente usando o local como moradia em busca de descanso e alimentos por um período mais prolongado”, explica a bióloga Suzana Guimarães.

Algumas tartarugas já são até bem conhecidas dos pesquisadores. “Tem uma com uma mancha no casco que apelidamos de manchadinha e está sempre por lá. Muitas vezes, só de olhar, já sabemos quem é cada uma”, conta Suzana, que, a cada mergulho, registra hora, profundidade, comportamento, possíveis debilidades ou anomalias, estimativa de tamanho e outros dados sobre os répteis marinhos. As informações colhidas mostram que a maioria da população nos arredores das Cagarras é formada por animais em fase juvenil — etapa que, nesse caso, vai até os 25 anos —, com 35 a 80 centímetros em média, podendo chegar a 1 metro.

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Acredita-se que a alta concentração da espécie está associada às boas condições naturais da região, com pedras e amplos costões rochosos utilizados para descanso, além do farto e variado cardápio de espécimes que vivem por essas águas: de algas marinhas em abundância, alimento preferido da dieta das tartarugas, a certos invertebrados, como medusas e esponjas, consumidas especialmente na juventude.

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Ao chegarem à idade adulta, a tendência natural é que elas migrem para o litoral nordestino e as ilhas oceânicas, como Fernando de Noronha, em Pernambuco, onde o clima mais quente favorece os processos de reprodução e desova. Enquanto isso, as ilustres moradoras do arquipélago carioca dividirão a casa com uma rica fauna, protegida desde 2010, quando o local ganhou o status da primeira unidade de conservação marinha do Rio, sob tutela federal. A medida que delimitou a área, incluindo 50 metros de proteção no entorno das ilhas, proíbe a extração de recursos de forma direta, como a retirada da vegetação, a caça de animais e a pesca, tanto esportiva quanto predatória.

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Além de receber visitas de golfinhos e jubartes em rota migratória para o Nordeste, a região é ainda morada de muitos pássaros — reza a lenda, inclusive, que o nome das ilhas foi dado pelos portugueses por confundirem as fragatas, comuns na região, com as cagarras de sua terra natal. Outra versão sustenta que o arquipélago acabou apelidado assim em referência à grande quantidade de excremento das aves acumulada no relevo, dando origem à Ilha Cagade, no afrancesado, ou Ilha Cagado, em bom português.

O Arquipélago das Cagarras (acima): mais investimento em saneamento e fiscalização pode ajudar a combater a pesca fantasma (à esq.) -
O Arquipélago das Cagarras (acima): mais investimento em saneamento e fiscalização pode ajudar a combater a pesca fantasma (abaixo) – (Athila Bertoncini/projeto ilhas do rio; Suzana Guimarães; Caio Salles/Divulgação)

Composto das ilhas Laje da Cagarra, Cagarra, Redonda, Comprida, Palmas, Filhote da Cagarra e Filhote da Redonda, o Monumento Natural das Cagarras ganhou um relevante reconhecimento em 2021: ingressou na seleta lista global de Hope Spots, os chamados “pontos de esperança” no oceano, ao lado de Galápagos, no Equador, e da Grande Barreira de Coral, na Austrália, onde está localizado o maior santuário de tartarugas-verdes do planeta. Até então, apenas Abrolhos possuía essa distinção em águas brasileiras.

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O título internacional, oferecido pela ONG Mission Blue, criada pela bióloga e exploradora americana Sylvia Earle, enfatiza a importância da proteção de tais ambientes e já foi até tema de um documentário exibido pela Netflix. “No caso das Cagarras, as principais ameaças são os poluentes, como o lixo trazido da Baía de Guanabara e o esgoto lançado pelo emissário submarino de Ipanema, a apenas 2 quilômetros, além da pesca ilegal. É preciso investir em mais saneamento e aumentar a fiscalização ali”, frisa o professor de biologia Rodrigo Leão, da UFRJ.

O alerta do professor está em consonância com a Década dos Oceanos, iniciada neste ano e instituída pela Organização das Nações Unidas para mobilizar lideranças governamentais e a sociedade em torno de ações sustentáveis para os mares. A iniciativa faz parte da Agenda 2030, um acordo internacional selado pelos 193 estados-membros da ONU, que firmou metas como o uso sustentável dos oceanos e de seus recursos, o desenvolvimento de pesquisas para a conservação da biodiversidade e, até 2025, o freio à poluição de todo tipo.

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Um dos desafios é combater a pescaria fantasma, que ocorre por redes, linhas e anzóis abandonados, matando e mutilando espécies marinhas. De acordo com o levantamento da ONG World Animal Protection, esse material representa 10% dos resíduos lançados nos mares e ameaça quase 70 000 animais por dia na costa do Brasil. “Além do risco de ficar presos e morrer feridos ou sufocados, eles podem ingerir redes e anzóis”, diz Caio Salles, responsável pelo Projeto Verde Mar, que também atua na proteção das tartarugas marinhas encontradas ao longo do litoral do Rio. Que elas tenham vida longa.

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