Farm, marca de moda feminina número 1 do Rio, ganha espaço mundo afora

A carioquíssima grife arrebata o prêmio e, sem perder as raízes, ensina como ganhar lugar no competitivo mercado internacional

Por Marcela Capobianco
24 mar 2023, 09h48
Expansão internacional: Marcello Bastos e Katia Barros preparam a abertura de lojas na Ásia
Expansão internacional: Marcello Bastos e Katia Barros preparam a abertura de lojas na Ásia (Leo Lemos/Divulgação)
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Conhecido como o papa do marketing moderno, Philip Kotler costuma repetir uma frase que, de tão repisada, virou até clichê: “O objetivo de uma marca é entender o cliente tão bem que o produto se adapte a ele e se venda sozinho”, diz. A trajetória da Farm, marca de moda feminina número 1 na quarta edição do prêmio Os Mais Amados do Rio, vem refletindo o pensamento de Kotler. Ao longo de seus 25 anos, as roupas estampadas e multicoloridas furaram a bolha da Zona Sul, conquistaram clientes Brasil afora e, agora, estão conseguindo vencer o duro desafio de atravessar fronteiras e ganhar araras internacionais. Com lojas próprias nos Estados Unidos (Los Angeles, Miami e Nova York) e na França (Paris), e ainda estandes em gigantes do varejo americano e da Europa, as vendas fora do solo brasileiro já representam 38% do faturamento da empresa, trilhando uma trajetória já percorrida pelas Havaianas, que trabalharam firme na construção de uma marca global. Assim como os chinelos de borracha são vistos em pés de todas as nacionalidades, as inconfundíveis e carioquíssimas estampas da Farm estão presentes, quem diria, até em roupas de esqui e no guarda-roupa de celebridades de Hollywood (veja o quadro). “A gente mostrou que é possível representar uma identidade genuinamente brasileira sem resvalar para a caricatura”, avalia a estilista Katia Barros, cofundadora ao lado do administrador Marcello Bastos.

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Moda feminina
1º Farm (17,3%)

2º Renner (17%)

3º C&A (12,1%)

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Ao cair em tantos e variados gostos, os números alcançaram cifras superlativas. Em 2022, o faturamento da Farm foi de 1,6 bilhão de reais. “Todo mundo me pergunta qual é o segredo e hoje eu sei que é a combinação de um produto que gere desejo nas pessoas com uma mescla de marca, audiência, tecnologia, processos bem definidos, dinheiro e funcionários engajados”, acredita Bastos, diretor-executivo do Grupo Soma, holding que nasceu da fusão com a Animale, em 2010, e detém nomes como Hering, Foxton e Maria Filó. Como em toda boa história de superação, a marca surgiu de um fracasso. Em meados dos anos 1990, Marcello e Katia abriram uma franquia da grife paulista Mercearia num shopping em Vila Isabel, na Zona Norte. Faliram em poucos meses. “Perdemos o equivalente a dois carros e dois apartamentos na Zona Sul”, conta Bastos.

A dupla, porém, não esmoreceu. Em 1997, juntou 1 200 reais e bateu à porta da Babilônia Feira Hype, um celeiro de criatividade do setor. A primeira coleção reunia bodies e vestidos com estampas cheias de vida inspiradas no estilo das garotas cariocas. “Nessa época, a moda local estava mais para o bege, refém de dez grifes que dominavam o mercado. Aí vem uma grife nova, criativa e ousada, e estoura”, relembra Robert Guimarães, idealizador da feira. Ciosa dos detalhes, Katia contratou uma arquiteta para dar um toque especial ao estande de 4 metros quadrados que ocupavam na feira, chamando a atenção da clientela. “O faturamento dobrou. Ali entendemos como se constrói uma marca”, diz Bastos.

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Em 2001, vieram em sequência as três primeiras lojas, em Copacabana, Ipanema e na Barra. Hoje, são 89 pontos próprios no Brasil, que passarão a 110 até o fim do ano, junto com mais dois novos territórios internacionais para onde levarão o jeito carioca de ser — a Turquia e os Emirados Árabes Unidos. Outro fator que ajuda a entender a ascensão da Farm se deve à compreensão, muito antes de se discutir o poder da influência digital, de que os produtos não deveriam se restringir ao guarda-roupa. Investiram então todas as fichas em parcerias para se transformar numa marca de comportamento. E daí surgiram bem-sucedidas colaborações com Havaianas, Adidas, Matte Leão, Disney, Pantone e até a Lev, de bicicletas elétricas. Ao comemorar duas décadas, em 2017, deu-se mais uma quebra de paradigma: o lançamento da linha de produtos para casa, a exemplo do que grifes de luxo internacionais, como Chanel, Louis Vuitton, Hermès e Gucci, já haviam feito — tudo, de louças a roupa de cama, com as chamativas estampas.

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No pacote de celebrações, promoveu o primeiro desfile da história da marca em pleno Arpoador. “Quando eu coordenava o Fashion Rio, em meados dos anos 2000, era um sonho ter a Farm nas passarelas, mas eles recusaram todos os convites. Katia e Marcello souberam trilhar um caminho próprio, muito verdadeiro, sem se preocupar com o que a concorrência andava fazendo”, analisa Yamê Reis, coordenadora de design de moda do Istituto Europeo di Design no Brasil (IED Rio). Mas toda a visibilidade que alcançaram, nas vendas e nas redes sociais (onde, no Instagram, contabilizam quase 2 milhões de seguidores), não trouxe apenas momentos para festejar. Da gordofobia ao racismo, os equívocos que eles cometeram se converteram em aprendizado, mas não sem dor.

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Em 2021, a vendedora Kathlen Romeu, 24 anos, negra e grávida, morreu baleada durante uma operação policial em Lins de Vasconcelos, na Zona Norte. No ímpeto de agir, a Farm usou as redes para anunciar que havia criado um cupom de desconto no nome da funcionária, e a comissão das vendas seria destinada à família dela. Logo uma enxurrada de críticas inundou os canais da marca, que logo se retratou e contratou uma consultoria do Instituto Identidades do Brasil, organização dedicada à promoção da igualdade racial no mercado de trabalho. “Ouvimos mais de 1 000 funcionários no Brasil e assumimos metas públicas para a aceleração da diversidade e da inclusão. A sensação que eu tenho é de que evoluímos junto com a sociedade”, reflete Katia. “Atualmente, 74% dos funcionários das lojas vêm de grupos sub-representados”, arremata Bastos. A partir desse intenso processo de se situar nos novos tempos, surgiram projetos como o Refarm Cria, chamada pública que distribuiu 800 000 reais a 82 projetos sociais brasileiros. Para os próximos anos, a meta é fundar o Instituto Farm, cujo intuito é potencializar o trabalho de pequenos produtores. “Não estou falando de caridade, mas de negócios. A Farm tem plena capacidade de fazer diferença na sociedade”, garante Katia. Em se tratando de quem já chegou tão longe, vale a pena apostar.

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