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Escolas estudam cardápios para se adaptar à lei contra ultraprocessados

Elas têm 180 dias para se debruçar sobre o texto da nova legislação, que quer combater obesidade infantil, sob pena de indigesta multa diária de 1 500 reais

Por Paula Autran
Atualizado em 21 jul 2023, 13h46 - Publicado em 21 jul 2023, 07h00
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Dieta saudável: salada de frutas, mate caseiro, tapioca, biscoito de polvilho e pipoca feitos no local para substituir refrigerantes, biscoitos recheados e salgadinhos de pacote. (E+/Getty Images)
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A novidade é para ser celebrada. Mas só se o cardápio da festa for com bolo caseiro, à base de produtos in natura, sem adição de açúcar nem chocolate em pó. Após unânime aprovação pela Câmara dos Vereadores em junho, o prefeito Eduardo Paes sancionou a lei que proíbe a venda e a oferta de bebidas e alimentos ultraprocessados nas escolas públicas e privadas da cidade. O objetivo é buscar opções mais saudáveis e combater a obesidade infantil — 32% dos adolescentes e 8% das crianças de até 5 anos acompanhadas no estado pelo SUS estavam acima do peso em 2022. O dever de casa agora está nas mãos dos estabelecimentos de ensino, que já começaram a estudar novos cardápios para se adaptar às exigências que, se não cumpridas, podem gerar uma indigesta multa diária de 1 500 reais. “É grande a procura por produtos industrializados. A cultura de muitas famílias ainda é essa”, observa a nutricionista Karina Kapps, da Gastroservice, empresa responsável pelos lanches e refeições de dezessete colégios, entre eles Escola Parque, Santo Inácio, Notre Dame e Mopi.

Quase 1 milhão de alunos frequentam colégios públicos e privados do Rio — e de 30% a 50% do consumo calórico diário deles ocorre justamente no turno escolar. Não à toa, esse se tornou um local estratégico na batalha por uma alimentação voltada para os pilares da boa saúde, de modo a evitar que essa turma se torne mais adiante uma geração de adultos hipertensos e diabéticos. O tratamento de doenças crônicas como estas obrigou o SUS a gastar 3,5 bilhões de reais em 2018. “Até pouco tempo atrás, a gente fazia refeições equilibradas, tinha o popular PF. Hoje, a tendência é comer mais e pior”, resume Renata Couto, diretora executiva do Instituto Desiderata, que trabalha para melhorar a saúde pública infantojuvenil. Ela ressalta que os itens ultraprocessados, além de adição excessiva de sal, açúcares, gorduras e muitos aditivos químicos para agradar ao paladar (atuando no núcleo do prazer e não no da saciedade), oferecem, além de tudo, um baita atrativo: são bem mais baratos.

arte nutrição

Interromper o processo de ganho coletivo de peso levou o Desiderata e o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) a embasar o atual projeto de lei, que teve como coautores dezesseis vereadores, do PSOL ao PSC. Segundo o diretor executivo do Ieps, Miguel Lago, a ideia inicial era que servisse de modelo para todo o Brasil, pois previa construções de salas de amamentação em empresas e proibia que os vilões da dieta ficassem na altura das crianças nas gôndolas do supermercado. “O projeto acabou modificado na segunda discussão, após o lobby da indústria. Mas a parte essencial, a da escola, foi mantida”, frisa. Não é pouca coisa. Um estudo sobre a comercialização de alimentos em escolas brasileiras, realizado no Rio em 2022 por um grupo de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e da UFRJ, mostrou que a oferta de processados e ultraprocessados correspondia a mais que o dobro da de alimentos saudáveis nas cantinas cariocas.

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É questão que levanta justificável preocupação. O “índice de saudabilidade” desses pontos de venda, que mede em uma escala de zero a 100 como atuam em prol da boa alimentação, ficou em sofríveis 26. Uma média que exige recuperação, sem dúvida. A partir de agora, os colégios têm 180 dias para se debruçar sobre o texto da nova lei e se ajustar a ela. Ali, não estão listados um a um os alimentos proibidos, o que pode vir a ocorrer em futuras regulamentações. Mas se encontram na mira biscoitos e salgadinhos de pacote, sorvetes e bolos industrializados, balas e guloseimas em geral, refrigerantes, bebidas lácteas e iogurtes adoçados e aromatizados, assim como alimentos falsamente saudáveis, como barrinhas de cereais industrializadas e sucos de caixinha. “Assim que a lei foi aprovada, já cortamos pela metade esse tipo de produto, já que fazemos pedidos de compras com duas semanas de antecedência”, avisa Karina, da Gastroservice, que está incluindo novidades no menu dos estudantes, como salada de frutas, mate caseiro, tapioca, biscoito de polvilho e pipoca feitos no local. “Tudo isso impacta nos custos, não apenas pelos produtos que entram em cena, mas também pela mão de obra envolvida”, diz. É por uma boa causa.

Sem guloseimas: 1 milhão de refeições são servidas por dia na rede municipal
Sem guloseimas: 1 milhão de refeições são servidas por dia na rede municipal (Phillipe Marchon/Divulgação)

Muitos estabelecimentos de ensino já vêm se dedicando à tão vital matéria — e nem a sala de aula fica de fora. “Nossos professores levam os alunos ao laboratório gastronômico para produzir alimentos a partir de princípios pedagógicos e conceituais das disciplinas”, conta Luiz Rafael Silva, coordenador do Mopi Itanhangá, onde temas como a origem dos alimentos e o desperdício aparecem no currículo. A professora de espanhol, por exemplo, explorou uma série de pratos típicos de países de língua espanhola para passar sua lição, enquanto a de biologia ensinou o processo de fermentação aos alunos na prática. Nas quatro unidades da Pedra da Gávea, fundada há vinte anos, nunca ingressaram alimentos ultraprocessados. “Quase 100% do que servimos fazemos na própria escola”, orgulha-se a nutricionista Renata Lima, que introduziu na rotina a “segunda sem carne”, um dia totalmente vegetariano para todas as turmas. “Alguns pais reclamaram, mas as crianças adoraram. É bem mais fácil com elas que com eles”, comenta a diretora Cris Edelman.

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arte nutrição

Uma dieta mais salutar não é privilégio de quem pode pagar. Responsável pela maior rede de educação municipal da América Latina, com 1 549 escolas e 620 000 estudantes, a prefeitura do Rio mantém, desde 2020, um sistema de alimentação fincado na qualidade nutricional e alinhado às diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que se tornou referência no cenário nacional. Diariamente são oferecidas, em média, 1 milhão de refeições preparadas nas escolas e elaboradas por profissionais da Unidade de Nutrição Annes Dias (Unad). No estado, embora a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) tenha vetado em junho o projeto de lei que ampliava para os demais municípios a proibição dos ultraprocessados, a rede pública já os baniu em 2010. De lá para cá, as 12 361 unidades trabalham com alimentos in natura ou minimamente processados. “A saúde alimentar traz frutos até para o rendimento escolar”, lembra a secretária estadual de Educação, Roberta Barreto. Está aí uma lição que extrapola os muros escolares e, se assimilada, tem enorme potencial de ajudar a virar uma página na saúde pública.

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