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Viagem às profundezas

Segredos, mistérios e curiosidades do metrô carioca, que passa pela maior ampliação de sua história

Por Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 13h12 - Publicado em 19 fev 2014, 18h24

Qualquer metrópole moderna digna dessa qualificação exibe uma eficiente rede de transporte de massa subterrânea. No caso do Rio, o sistema de duas linhas que corta o subsolo da cidade ainda apresenta falhas, alternando bons momentos e outros bem ruins. Mas ele já faz parte da vida de 690?000 passageiros, transportados todos os dias pelos seus vagões. E a promessa é que mais e mais pessoas comecem a utilizá-lo para ir ao trabalho ou a lazer nos próximos anos. Desde que foi inaugurado, em 1979, o metrô nunca passou por um processo de ampliação dessa magnitude. Serão 300?000 novos usuários até 2016, quando entrará em operação a Linha 4, a tão sonhada ligação entre a Barra e a Zona Sul da cidade.

Como acontece com toda obra antes de ficar pronta, as reclamações são muitas. Aqui em cima as intervenções provocadas pelos 7?500 operários são um estorvo para moradores de bairros como Leblon, Ipanema, Gávea, São Conrado e Jardim Oceânico. Além das alterações no trânsito, que tiraram, por exemplo, o acesso de uma parte dos residentes da Rua General Urquiza à praia, as máquinas utilizadas já causaram quedas de luz e das linhas telefônicas em seus arredores. De fato, poucas torturas são tão cruéis e eficazes quanto deixar alguém sem ar-condicionado num verão como este.

Embora com seus percalços, a empreitada representa uma evolução sem precedentes na engenharia carioca. Do ponto de vista tecnológico, a principal inovação foi trazida da Alemanha e atende pelo pomposo nome de Tunnel Boring Machine, popularmente conhecida como tatuzão. Desde o início do ano, a superengenhoca tem perfurado o solo ao ritmo de 18 metros por dia, uma velocidade recorde ? a que é usada em São Paulo escava 15 metros por dia. Essas e outras curiosidades, atuais e históricas, fazem da pequena cidade que está sendo expandida abaixo dos nossos pés um lugar fascinante. Nas próximas páginas, VEJA RIO levará você a uma viagem de metrô inédita.

Escavador gigante

A Linha 4 do metrô carioca é a primeira a ser perfurada com a ajuda de um tatuzão, um equipamento gigantesco de 120 metros de comprimento que avança ao ritmo de 18 metros por dia (foto à esquerda). Parece pouco, mas é uma velocidade tremenda, muito superior ao ritmo de construção das linhas escavadas a céu aberto ou por detonação de explosivos no leito de rochas. Desde que a máquina começou a funcionar, em dezembro, já foram perfurados 220 metros de túneis. Ao mesmo tempo em que abre caminho, o tatuzão ergue paredes. Ele monta com perfeição grandes peças pré-moldadas de concreto armado que revestem as estruturas. Tanta tecnologia, entretanto, exige um cronograma rigoroso. Para que tudo seja concluído até dezembro de 2015 é preciso coordenar a escavação com a construção das estações. A futura Estação Nossa Senhora da Paz, por exemplo, tem de ficar pronta até abril, quando o tatuzão passará por ela, vindo da Estação General Osório.

Divulgação
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Reforma radical

Antes de ser aberta ao público (a promessa é que seja inaugurada em março), a Estação Uruguai precisou passar por uma intervenção drástica. A área onde hoje é finalizada a plataforma de 300 metros de extensão lembrava um estacionamento, com 144 pilares sustentando o teto. É óbvio que, com tal configuração, não poderia haver embarque e desembarque de passageiros. Para resolver o problema, macacos hidráulicos foram instalados para dar apoio à construção enquanto os pilares eram removidos. Depois, eles foram substituídos por 24 novas colunas de aço dotadas de seis braços de sustentação na parte superior (acima). “Foi um trabalho que exigiu cuidado extremo, pois, bem acima, na superfície, estão algumas das principais artérias da Tijuca”, conta Joubert Flores, diretor de engenharia da concessionária MetrôRio. “Toda a obra foi realizada sem fechar nenhuma rua ou avenida”, explica. O trator perdido

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As escavações do trecho sob a Avenida Presidente Vargas foram consideradas uma tarefa complicadíssima na construção da Linha 1. Ali, o subsolo argiloso é composto ainda de um volumoso lençol freático. Durante as obras, em 1976, uma das bombas responsáveis pelo controle do aquífero pifou, fazendo com que o nível da água subisse repentinamente. A rapidez com que o canteiro se transformou em charco foi tal que um dos tratores utilizados pelos operários começou a afundar na lama. Só houve tempo para o operador saltar do veículo. De um trecho de terreno firme, os trabalhadores assistiram à cena bizarra da máquina de várias toneladas afundar em meio ao lodo movediço, a 22 metros de profundidade. O veículo está até hoje soterrado em algum lugar nos arredores do edifício da Embratel.

O túnel mais longo

Ele não é apenas o maior do Rio. O túnel mais longo do metrô carioca, entre a Barra da Tijuca e São Conrado, também é recordista mundial em extensão entre duas estações. Concluída em dezembro, a construção empregou 3?200 operários e exigiu detonações diárias por um período de três anos. A via subterrânea corta as rochas graníticas do Maciço da Gávea. O túnel passa ainda por uma pedreira muito próxima aos prédios do Itanhangá. Nesse trecho, de aproximadamente 550 metros, o corte das pedras foi feito com um fio de aço diamantado, o que permitiu a remoção de grandes blocos sem uma única explosão. Apesar de a obra estar praticamente pronta, o trabalho continua acelerado por ali. Em março, começam a ser assentados os trilhos trazidos da Espanha.

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Por que nem todas têm banheiro?

Das 35 estações do metrô, apenas onze têm banheiro: General Osório, Cantagalo, Siqueira Campos, Botafogo, Carioca, Acari/Fazenda Botafogo, Coelho Neto, Estácio, Cidade Nova, Pavuna e Del Castilho. A justificativa é a dificuldade de instalação dos toaletes. Como as paradas ficam abaixo da rede de esgoto, foi preciso construir sobre elas grandes depósitos de dejetos cujo conteúdo é bombeado para a rede da Cedae. Nas estações sem banheiro, tal recurso era inviável

Fernando Lemos
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Trem virtual

Em um sistema sujeito a falhas e a todo tipo de imprevistos, os condutores do metrô carioca precisam estar capacitados para reagir a situações-limite, como ver os trilhos invadidos por criminosos. Também é necessário reconhecer rapidamente os sinais emitidos por dezesseis sistemas, entre eles abastecimento de ar, fechamento de portas e sinalização. Para estar apto ao posto de piloto de metrô, são necessários sete meses de treinamento. Esse tempo deverá cair para quatro meses em breve. Até o fim do mês, entram em operação dois simuladores de condução. Importados da França e instalados em uma sala com isolamento acústico, os computadores simulam um painel de controle idêntico ao que existe no trem (foto abaixo). No visor, reproduz-se o cenário das estações cariocas, tanto da Linha 1 quanto da Linha 2. O software testa a capacidade dos futuros condutores de reagir a emergências que vão desde o travamento de portas até uma repentina tempestade durante o percurso pela Linha 2. Do lado de fora, técnicos acompanham cada reação dos alunos através de imagens captadas por uma câmera instalada no teto da cabine.

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O bonde que era metrô

Antes de receber o metrô de verdade, o trecho entre Maria da Graça e Pavuna era percorrido por uma espécie de antepassado dos veículos leves sobre trilhos (VLT). Importado da Bélgica, era como um bonde modernizado, chamado de pré-metrô. “O então presidente Ernesto Geisel queria um veículo capaz de realizar curvas fechadas, um desafio na época”, conta Fernando MacDowell, doutor em engenharia dos transportes e responsável pela implantação do sistema. “Projetamos, então, um sistema semelhante ao que até hoje existe em Zurique, na Suíça”, explica. Por aqui, os trenzinhos circularam de 1981 a 1998 e tiveram destino pouco honroso. Deixadas sem uso, as composições articuladas, avaliadas em 64 milhões de reais, deterioram-se em um pátio ferroviário. “Elas poderiam ser empregadas para ligar regiões como Baixada Fluminense e Itaguaí, hoje estranguladas pelo tráfego”, lamenta o engenheiro.

No fundo da lagoa

Quando estiver concluída, em 2016, a estação Jardim Oceânico ficará totalmente imersa na água. Ela está sendo construída junto às margens da Lagoa de Marapendi, em uma região em que o lençol freático se encontra a apenas 2 metros de profundidade. Durante a obra, foram instaladas 300 bombas hidráulicas, que trabalham ininterruptamente para manter o canteiro seco. Em uma iniciativa inédita na construção do metrô carioca, o futuro terminal foi completamente vedado por uma manta impermeabilizante, confeccionada com polietileno de alta densidade. A mesma tecnologia foi usada em Nova York para isolar a cratera deixada no local das torres gêmeas do World Trade Center, destruídas em 2001. Quando tudo estiver concluído, o sistema de drenagem será desligado e o aquífero voltará a subir para seu nível normal, submergindo a estrutura de concreto.

Fernando Lemos
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Big Brother Subterrâneo

As estações são vigiadas por 710 câmeras cujas imagens são transmitidas para a central de controle da operadora do sistema, na Avenida Presidente Vargas (à esquerda). Uma vez constatada qualquer anormalidade, os técnicos são capazes de acionar uma resposta em no máximo três minutos.

Trem fantasma

Planejado para ser um sistema integrado em que diferentes linhas se entrecruzariam, o metrô do Rio acabou se transformando em um linhão com um rabicho logo após a Estação Central. Tal configuração deixou relíquias arquitetônicas dos tempos em que se imaginava uma rede muito maior. Ao todo são três estações abandonadas que serviriam para conexões. A primeira, de São João, está entre as paradas Arcoverde e Botafogo e seria usada como ligação para uma futura linha em direção ao Jardim Botânico. O segundo terminal fechado fica abaixo da atual Estácio e o terceiro, sob a Carioca (acima). Ambos seriam utilizados para interligar a rede atual à Praça XV. Lá, receberiam passageiros provenientes das barcas. Há planos de que um dia tais construções sejam aproveitadas. Até que isso aconteça são apenas monumentos à falta de planejamento e ao desperdício de recursos públicos.

Lucio Marreiro / Rede Globo
Lucio Marreiro / Rede Globo ()

Cenário de novela

A estreia do metrô carioca na TV aconteceu antes mesmo de ele ficar pronto. Foi no canteiro de obras da futura Estação Carioca que a Rede Globo gravou o desfecho dramático de Pecado Capital, a primeira novela em cores do horário nobre, em 1975 (ao lado). Entre máquinas e tapumes, o personagem Carlão, vivido por Francisco Cuoco, foi assassinado a tiros. Nos últimos três anos, as estações serviram de pano de fundo para os personagens do seriado Pé na Cova e dos remakes de Guerra dos Sexos e O Astro. Um reality show americano, chamado The Amazing Race, também foi filmado ali.

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