Caridade milionária

Dono de uma fortuna de 30 bilhões de dólares, o homem mais rico do Brasil e o oitavo do mundo, Eike Batista doa dinheiro a projetos sociais com a mesma audácia e impetuosidade que demonstra nos negócios

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 dez 2016, 15h50 - Publicado em 22 dez 2011, 16h19
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eike-abre.jpg (Redação Veja rio/)
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Ficar frente a frente com um bilionário listado entre as dez maiores fortunas do mundo é um fato raro. Principalmente se ele passar seis horas ininterruptas atrás de uma mesa de livraria dando autógrafos e sendo gentil com todos. Foi exatamente isso que aconteceu há três semanas, durante o lançamento do livro O X da Questão, de Eike Batista, o homem mais rico do país. Ao todo, ele assinou 524 exemplares. A maioria era para fãs de seu estilo ousado de fazer negócios, mas muitos entraram na fila simplesmente pela oportunidade única de falar com ele e, talvez, convencê-lo a dar aquela “ajudinha”. Resultado: quando a sessão acabou, estavam empilhados sobre a mesa trinta projetos com solicitações de patrocínios, apoios e doações. Os pedidos iam de recursos para instituições que atendem crianças carentes ao custeio de espetáculos artísticos, sem contar inúmeras ideias, muitas delas mirabolantes, de novos negócios. Tal situação não é novidade para Eike, que é abordado em festas, eventos públicos e até mesmo em suas corridas pela Lagoa. Com uma fortuna pessoal estimada em 30 bilhões de dólares, ele recebe, apenas no escritório, cerca de 600 propostas por ano ? quase duas por dia. E a enxurrada tem razão de ser. Desde 2006, doou nada menos do que 253 milhões de reais a causas de todo tipo. “Não quero ser apenas o homem mais rico do Brasil, quero ser também o mais generoso”, diz.

Aos 55 anos de idade, Eike Fuhrken Batista não é santo nem candidato a carreira política, tampouco uma encarnação esguia do Papai Noel, com seu 1,80 metro de altura e 79 quilos de peso. Como homens de negócios dos Estados Unidos e de outros lugares, ele encontrou na filantropia uma maneira de devolver à sociedade parte das benesses que julga receber da vida e, de quebra, dar um lustro em sua imagem pública. Afinal de contas, a maioria das empresas do grupo EBX, que ele comanda, atua em áreas sensíveis que costumam ser alvo da patrulha de ambientalistas, a exemplo de petróleo, energia, transportes e mineração. Embora seja também uma forma de atrair simpatia, isso não diminui em nada o seu mérito. Um detalhe chama atenção no seu esforço de benemerência. As doações são feitas antes de seus negócios começarem a dar lucro. Assim, mesmo sem ter direito a benefícios fiscais, ele já entregou vários milhões para a caridade. “Eike hoje se equipara aos grandes filantropos no país, ao lado de instituições como Petrobras, Vale e Fundação Bradesco”, afirma o cientista social Fernando Rossetti, secretário-geral do Gife, entidade que reúne 138 institutos, fundações e empresas que financiam obras sociais.

Eclético na distribuição de seus recursos, Eike exibe na filantropia o mesmo estilo audaz, personalista e polêmico com que dirige seus negócios. Sem focar em uma área específica, ele pode investir em projetos ecológicos em Mato Grosso, em um programa de formação de lutadores conduzido pelos irmãos gêmeos Antonio Rodrigo e Antonio Rogério Correa Nogueira (o Minotauro e o Minotouro, estrelas da modalidade MMA, o antigo vale-tudo) ou mesmo apoiar um filme, como Suprema Felicidade, de Arnaldo Jabor. Sempre que o pedido envolve o Rio, cidade que ele adora, tende a ser mais mão aberta. Em 2010, foi procurado pelo secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, que, depois de bater à porta de vários empresários sem sucesso, buscava ajuda para montar e equipar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Em razão da conhecida burocracia que envolve gastos públicos, a demora na compra de carros, motos, uniformes e mobiliário poderia comprometer o programa. Beltrame pediu 5 milhões de reais. Eike ofereceu 20 milhões por ano até 2014 e destacou dois funcionários para cuidar das aquisições. “Do ponto de vista dos equipamentos, a participação dele foi fundamental para tornar todo o projeto das UPPs uma realidade”, agradece Beltrame.

Timidez é a palavra que melhor define a filantropia no Brasil. Como não existem muitos benefícios fiscais, poucas empresas adotam a prática. Por ano, o setor privado nacional investe cerca de 2 bilhões de reais na área social. Parece muito, mas nos Estados Unidos essa cifra atinge 70 bilhões de dólares. Além disso, as doações por aqui são fragmentadas, muitas na casa dos milhares de reais. Eike faz outro gênero. Ele gosta das tacadas milionárias. Outro agraciado recente foi o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho. O bilionário se dispôs a ajudá-lo no seu trabalho na Santa Casa da Misericórdia, onde opera gratuitamente. Niemeyer precisava de um aparelho de ressonância magnética para a irmandade. Segundo suas estimativas, a máquina sairia por cerca de 500?000 dólares. O dono do grupo EBX topou. Depois da primeira conversa, o médico procurou um especialista em radiologia e descobriu que o aparelho não sairia por menos de 1 milhão de dólares. Sem jeito, falou novamente com ele. A doação foi mantida. Na hora da compra, nova surpresa: o valor chegava a ser 50% maior, mais o custo de instalação. O total do desembolso acabou em quase 2 milhões de dólares (3,7 milhões de reais na época). “Todo mundo pede socorro ao Eike. Daqui a pouco vão ter de fazer uma estátua dele de braços abertos no alto de um morro”, brinca Niemeyer.

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Capitaneando o conglomerado de uma ampla sala do Edifício Serrador, na Cinelândia, Eike destoa de seus pares no empresariado brasileiro ? a começar pelo próprio escritório. Acima da cadeira onde se senta, flutua um enfeite indiano com um pequeno elefante. Afixado no teto, o que para muitos seria um simples adorno exótico para ele simboliza a prosperidade. Sua mesa é enfeitada por duas bonitas estatuetas de guerreiros incas de prata e madrepérola. Segundo ele, a dupla afugenta as vibrações negativas. Na porta, mantém um tradicional olho grego contra mau-olhado. É comum ainda, antes de entrevistas, seus assessores pedirem a data e o horário em que os interlocutores nasceram para que seja encomendado um mapa astral ? uma precaução para ele saber com quem está lidando. Sem contar, é claro, com a obsessão que já virou mito: todas as empresas de Eike (EBX, LLX, MMX, OGX, entre outras) têm o nome formado por uma sigla de três letras, sendo que a última é sempre X, símbolo da multiplicação. “As energias estão por aí. É por isso que eu acredito que tudo que você faz retorna”, afirma ele.

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A tese pode ser discutível, mas as doações são concretas. Se forem somadas as contribuições que Eike e suas empresas realizaram em 2011, os valores chegam a 91 milhões de reais. Algumas vezes, a decisão sobre quem vai receber um naco dessa bolada é tomada de forma impulsiva ou emocional. Em outubro passado, ele pegou o telefone e transferiu 3 milhões de reais de sua conta bancária para o Teleton, campanha realizada pelo canal SBT com o objetivo de arrecadar fundos para crianças deficientes. Na campanha da candidatura do Rio à sede da Olimpíada de 2016, também doou do próprio bolso 23 milhões de reais.

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Dono de uma personalidade exuberante, Eike não foge dos holofotes ? e não dá a mínima para maledicências. Vaidoso com a forma física, admite abertamente o implante de cabelo que realizou para contornar a calvície e a remoção das bolsas e rugas que despontavam em torno dos olhos. Com um pendor por negócios pouco ortodoxos, orgulha-se do suntuoso restaurante chinês Mr. Lam, do iate para cruzeiros Pink Fleet e do Hotel Glória, que passa por uma custosa e aguardada reforma. Na lógica de Eike, tais empreendimentos são de certa forma doações suas à cidade, com uma função muito maior que o lucro: trazer de volta o brilho e o glamour do Rio, mesmo que isso possa implicar prejuízos. A quem o critica, diz que essa modalidade paralela de empreendedorismo faz parte da categoria MPI, sigla para a expressão “matar paulista de inveja”. Afirma o jornalista Roberto D?Avila, coautor do livro O X da Questão: “Eike não tem complexo de ser rico. Não tem vergonha de se expor ou do que conquistou”.

Apesar dos arroubos de generosidade e de centralizar todas as decisões sobre quem e quais instituições são dignos de receber seu dinheiro, o empreendedor nascido em Governador Valadares (MG) tem procurado profissionalizar ao máximo as doações. Dentro da holding que reúne todas as suas empresas, ganha corpo o Instituto EBX, voltado especialmente para a área de filantropia. Todos os pedidos seguem para lá e passam por uma seleção. Se aprovados, a verba é repassada aos poucos, sempre com metas a cumprir. É justamente o Instituto EBX que intermediará a abertura no Rio de um escritório da Columbia University, de Nova York, para estreitar relações com as instituições de ensino brasileiras e promover intercâmbios. “Precisávamos organizar esses processos, frente à demanda que temos”, diz Eike.

A maioria dos empresários filantropos costuma ter como ícones figuras históricas do mundo dos negócios como Andrew Carnegie (1835-1919) ou John D. Rockefeller (1839-1937), que deixaram vasto legado em obras sociais, entre elas a criação das universidades Carnegie Mellon e de Chicago, respectivamente. Outros se espelham em modelos mais recentes, como Bill Gates e até mesmo o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, que acaba de doar 100 milhões de dólares às escolas públicas da cidade de Newark, em Nova Jersey. Eike conta que se inspira em sua mãe, Jutta Fuhrken Batista da Silva. Nascida em Hamburgo, na Alemanha, ela iniciou em 1983 um trabalho filantrópico em Vitória, onde a família vivia, ao reunir um grupo de mulheres voluntárias para fazer artesanato. Na época, Jutta conhecia um cardeal alemão que acabou contribuindo substancialmente para a instituição. O religioso era Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI. O trabalho iniciado por ela, que morreu em 2000, continua de pé no Espírito Santo, envolve 1?200 voluntários em onze municípios e recebe o apoio do filho. Em 2012, ele investirá 1,2 milhão no programa. “Venho de uma família grande, com seis irmãos, e sempre dividi o que tinha. Fui educado dessa forma, isso é parte do meu DNA”, comenta.

De fato, sua primeira investida no universo da benemerência aconteceu muito antes de tornar-se uma celebridade do mundo dos negócios. Em meados de 1987, ele decidiu investir em uma mina de prata na região do Deserto do Atacama, no Chile, a 4?000 metros de altitude, sem energia elétrica ou água por perto. Para piorar o cenário, o empreendimento estava emperrado em cerca de 100 disputas judiciais. Justamente naquela época, áreas carentes da capital do país, Santiago, foram assoladas por uma grande enchente. Ele então escolheu uma instituição de caridade, que tinha um padre à frente, e doou numa só tacada 100?000 dólares. Pouco tempo depois o empresário, que iniciou a vida vendendo e comprando ouro e aos 23 anos já tinha amealhado 6 milhões de dólares, viu seu negócio chileno prosperar. Para ele, a solução das disputas jurídicas e o sucesso da empreitada estão diretamente ligados às orações feitas pelos fiéis beneficiados com seu dinheiro, conduzidas pelo padre. “O padre me disse que todas as crianças rezariam por mim”, lembra. Pelo tamanho da fortuna de Eike, deve existir muita gente grata a ele.

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