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Elas valem por dois

Por opção ou necessidade, as mulheres estão assumindo o duplo papel de ser mãe e pai ao mesmo tempo. Hoje quase a metade dos lares cariocas é chefiada pelo sexo feminino

Por Carla Knoplech
Atualizado em 5 jun 2017, 14h25 - Publicado em 15 ago 2012, 17h15

Quando decidiu ser mãe, há quatro anos, a empresária Lilian Seldin optou por um caminho pouco ortodoxo para realizar seu sonho. Aos 52 anos, recém-separada de seu segundo marido, recorreu a um banco de sêmen para fazer inseminação artificial. Do pai de Patrick, seu filho que hoje tem 2 anos e meio, pouco se sabe além das características que constavam no catálogo de doadores ? cor dos olhos, cabelos, altura, profissão, idade e religião. A que mais chamou sua atenção naquele homem não identificado foi o interesse por natação. ?Era como se eu estivesse paquerando uma folha de papel. Não sei nadar e achei bacana esse hobby?, recorda Lilian. Nascido o menino e passada a fase de cuidados mais intensivos, surgiu uma nova preocupação: como desempenhar ao mesmo tempo o papel de mãe e pai, que ele provavelmente jamais conhecerá? Proprietária da pousada Locanda della Mimosa, em Petrópolis, e representante de uma importadora de vinhos, Lilian é uma profissional bem-sucedida que cumpre com desenvoltura tarefas intrínsecas da maternidade, de provedora e de chefe de família. No entanto, achava que o garoto precisava de algo mais. Quando Patrick completou 1 ano, ela resgatou sua origem botafoguense e deu um mergulho no universo do futebol. Passou a ver os jogos do clube ao lado do filho e se prepara para levá-lo ao Engenhão, tarefa que pretende cumprir já no ano que vem. ?Quero que ele sinta aquela energia. Acho que vai ser um presente tanto para ele quanto para mim?, diz Lilian.

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Acumular as funções de mãe e pai é uma realidade cada vez mais comum entre as cariocas. Dados do Instituto Pereira Passos compilados do Censo do IBGE mostram que 46% das residências da cidade são chefiadas por mulheres (isso sem contar aquelas em que elas mandam e eles obedecem). Há uma década eram 35%, contra menos de 25% em 1991. Se no passado tais famílias eram vistas como um potencial sinal de desestruturação, hoje são tidas principalmente como uma decorrência do novo papel feminino na sociedade. Não à toa, é comum perceber nessas novas configurações mães que tomam para si tarefas tipicamente paternas, seja assistir ao jogo do time do coração ao lado do filho, seja cobrar resultados escolares ou o cumprimento de regras de disciplina. ?Até duas décadas atrás, enxergar-se sozinha à frente de uma família era quase um pesadelo. Hoje, essa situação é encarada como um estilo de vida?, diz Tania Zagury, especialista em educação.

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Muito da figura paterna que conhecemos hoje tem origem em uma concepção familiar que remonta ao fim do século XIX. É de lá que veio a imagem do patriarca como personificação do poder, instância superior na disciplina dos filhos e exemplo a ser imitado. A mulher, nesse arranjo, respondia pelos cuidados com a prole, incluídas aí as demonstrações de afeto. Tal modelo foi drasticamente alterado a partir de mea­dos do século passado, com a entrada feminina no mercado de trabalho, a independência econômica das mulheres e formas cada vez mais eficazes de controle de natalidade. Ainda assim, muitos dos traços da antiga configuração subsistem por um motivo simples: eles são importantes para a formação da personalidade dos filhos. Especialistas dizem, por exemplo, que o apoio e a aprovação do pai durante o perío­do escolar e a adolescência são cruciais no desenvolvimento da autoestima dos filhos, pois reconhecem nele uma importante chancela a suas conquistas. ?Mesmo em um contexto em que são cada vez mais comuns os lares chefiados por mulheres, é inegável a importância da figura paterna?, diz o terapeuta Moisés Groisman.

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Seja por opção ou por necessidade, nunca é simples para uma mãe ocupar o vácuo deixado pelo pai ausente. A professora aposentada Léa Fellipo viveu na pele as dificuldades de comandar um lar depois que seu marido morreu, em 1999. Na época, a filha caçula, a atriz Samara Fellipo, então com 19 anos, engrenava na carreira com um papel em Malhação, enquanto seu irmão, Toni, com 23, concluía o curso de direito. ?Os dois estavam em um momento importantíssimo da vida, preparando-se para dar os primeiros passos sozinhos, quando me vi na situação de ter de garantir todo o apoio a eles, fosse material ou emocional?, recorda Léa. ?A Samara, em especial, sentiu muito a perda, pois ela sempre acreditou que teria um bom relacionamento com o pai, coisa que nunca aconteceu.? Para a atriz, que hoje tem uma filha de 3 anos, Alicia, o amparo da mãe foi fundamental para que superasse a perda. ?Minha mãe foi um exemplo em termos de retidão moral. Soube ser dura quando precisava e dar carinho quando necessitávamos. Era ela quem controlava meus horários nas festinhas. Agora me ajuda na criação da Alicia enquanto o pai dela está morando nos Estados Unidos?, diz Samara, casada com o jogador de basquete Leandrinho Barbosa, contratado do time americano Indiana Pacers.

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Buscar uma definição precisa sobre o que é exatamente uma família hoje é tarefa complexa. Tal noção abarca atualmente tanto o modelo convencional, comandado por apenas um dos cônjuges, como núcleos formados por casais de mesmo sexo e seus filhos. Da mesma forma, a evolução da medicina reprodutiva revirou drasticamente os conceitos de paternidade e maternidade, ao introduzir elementos como bancos de óvulos, de sêmen e barrigas de aluguel. Em meio a um cenário tão fluido, a psicologia moderna ainda não possui elementos para estabelecer um novo padrão familiar. ?Outro dia ouvi uma piada no meio acadêmico que achei interessante. Dizia que família é o grupo de pessoas que têm a chave da mesma casa?, brinca a psicóloga Rosely Sayão. No caso da analista de marketing Cristina Piloto, as chaves do apartamento onde vive no Humaitá são dela e da filha, Beatriz, de 12 anos. Cristina ficou grávida de Bia quando morava na Austrália. Sem apoio do pai da menina, tomou para si a missão de criar a filha sozinha. ?Não sei dizer se ela sente falta de uma figura paterna, até porque ela nem sabe o que é isso. Eu mesma assumi esse papel, que dizem ser masculino, de impor limite e estimular o senso de responsabilidade?, diz Cristina. O mesmo acontece com Vivian Lima, 25 anos, publicitária, mãe de Giovanna, 3 anos. ?Se a mulher consegue enfrentar as pressões e a competitividade do ambiente de trabalho, com certeza dá conta de ser pai e mãe ao mesmo tempo?, diz ela.

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No esforço para suprir a ausência do pai, é comum mães usarem toda e qualquer referência que possuem do universo masculino incluindo-a no processo de desenvolvimento dos filhos. Separada do marido há vinte anos, Giselle Romão educou praticamente sozinha Priscila, de 25 anos, e Alexandre, de 23. Para ensinar os filhos a andar de bicicleta, por exemplo, usou como ponto de partida as dicas que recebeu de seu pai quando ela própria era apenas uma menina e estava nessa mesma situação. ?Fui para o mesmo lugar onde eu aprendi a pedalar sem as rodinhas laterais e expliquei tudo exatamente do mesmo jeito que ele fez comigo quando eu era garota?, recorda Giselle. Mais difícil foi falar de sexo com o filho quando ele era adolescente. ?Esse tipo de conversa preferi deixar de lado, mesmo porque acho que nos dias de hoje nenhum pai chama o filho no canto para explicar coisas que ele está cansado de saber. Eu estava ali disponível se ele quisesse, mas ele nunca me perguntou nada?, diz ela.

Incorporar papéis inesperados e que fogem às convenções exige um grau de adaptabilidade e desprendimento fora do comum. Sem a presença de um parceiro com quem dividir as angústias de educar um filho, há quem recorra à ajuda externa para enfrentar uma tarefa tão complexa. A preparadora de elenco Viviane Ávila da Silva, 35 anos, mãe de Davi, de 7, foi buscar um especialista para montar um núcleo familiar que não contempla a presença do pai do garoto (ele visita a criança apenas esporadicamente). ?Fizemos terapia, eu e meu filho, e hoje sabemos claramente como enfrentar essa situação. Não posso e não quero abrir mão do trabalho, que consome muito do meu tempo, mas aprendi como valorizar o tempo que passamos juntos?, diz Viviane. Nesses momentos, toda a sua atenção é voltada ao filho. Em meio às brincadeiras, vale até mesmo encenar disputas de MMA, uma das paixões do garoto, que é fã do lutador Anderson Silva. ?Só não pode puxar o cabelo, porque aí ela fica muito brava?, diz Davi. Para uma criança, não há nada mais assustador do que tirar do sério quem é mãe e pai ao mesmo tempo.

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