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Com seu estilo caipira de ser, Pezão assume o governo do Rio

Pouco afeito a protocolos, Pezão promete inaugurar seu mandato neste mês com medidas em áreas cruciais como saúde, segurança, saneamento e transporte

Por Sofia Cerqueira e Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 12h56 - Publicado em 31 out 2014, 23h59

 

 

A campanha eleitoral para o governo do Rio corria solta quando correligionários e amigos mais próximos de Luiz Fernando de Souza, o Pezão, cravaram uma piada sobre o peemedebista. Segundo eles, caso o candidato não fosse eleito, já teria emprego garantido em outra área: a de call center. A origem da brincadeira está no desvelo com que Pezão atende absolutamente todas as chamadas telefônicas que recebe em seus dois aparelhos celulares. O hábito, que remonta aos tempos em que ocupava a prefeitura de Piraí, município de 24 000 habitantes no sul fluminense, foi mantido nesses primeiros dias como titular re­cém­-eleito do Palácio Guanabara. Na última segunda-feira (27), enquanto concedia uma entrevista a VEJA RIO, interrompeu a conversa pelo menos em seis momentos. E, em mais de duas dezenas de vezes, checou o visor dos aparelhos — “para ligar mais tarde”, dizia.

Em apenas uma ocasião, passou o telefone para a assessora. “Olha essa aí que é internacional. Eu não conheço este número”, disse, ao olhar a tela. Essa forma despojada de lidar com o assédio de aliados, amigos e correligionários é apenas um dos traços de uma personalidade pouco afeita à pompa e ao protocolo que ditam o ritmo do suntuoso prédio que ocupará pelos próximos quatro anos. “Ainda fico me beliscando. Nem nos meus melhores sonhos imaginava ser governador”, diz. “Vim de um lugar que não tem voto suficiente nem para eleger deputado”, compara. 

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O governador eleito se instala no posto de chefe do Executivo estadual após uma campanha acirrada e muito agressiva. Depois de alcançar 3,2 milhões de votos (40,57%) no primeiro turno, o político chegou a pensar que não conseguiria derrotar Marcelo Crivella (PRB), seu adversário na segunda etapa. “Já na primeira semana depois do primeiro turno, todos os candidatos derrotados se uniram contra mim. Com a soma dos votos, eles tinham chance de ganhar”, lembra. Para manter-se no cargo que passou a ocupar em abril, quando Sérgio Cabral se afastou, o workaholic convicto embarcou em uma jornada desesperada. A maratona chegava a dezenove horas de labuta diária.

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Sem traquejo para os debates e um evidente desconforto diante das câmeras, emendava os afazeres de governador e da campanha com aulas para melhorar sua performance em público e na TV. Em um estúdio na Barra, treinava por horas a fio para aprimorar a oratória e livrar-se da pecha de Nerso da Capitinga, o personagem caipirão da Escolinha do Professor Raimundo. Paralelamente, embarcou em uma campanha insana, durante a qual chegou a fazer seis horas diárias de corpo a corpo. No auge da contenda, ficou três dias sem almoçar nem jantar, só comendo pastel, torresmo, chouriço e o que mais lhe ofereciam. Ainda assim, o candidato de 59 anos perdeu oito dos seus 130 quilos. A tensão e a sobrecarga de compromissos tiraram-lhe o sono e o levaram a recorrer a remédios para dormir — apenas cinco horas por noite, segundo ele. “Mantenho o hábito da roça de acordar às 5 e meia da manhã”, diz.

As promessas de Pezão

As promessas de Pezão
As promessas de Pezão ()
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Vencida a eleição, o sonífero continua presente na mesa de cabeceira do governador — e dá sinais de que não sairá de lá tão cedo. Trabalho é o que não vai faltar para Pezão nos próximos quatro anos. Eleito com 4 343 298 votos, amealhou um capital eleitoral inferior à soma de nulos, brancos e abstenções, que ficou em 4 348 950. Para se ter uma ideia, em 2010, Sérgio Cabral foi reeleito no primeiro turno com 5 217 972 votos, e a soma de brancos, nulos e abstenções foi de 3 788 148. É um sinal claro do desgaste herdado do governo anterior, marcado por uma sucessão de escândalos e pela queda vertiginosa de popularidade de Cabral — a quem Pezão continua a se referir como um grande amigo e conselheiro.

O governador ainda terá a difícil missão de equilibrar as contas fluminenses. Hoje, a diferença entre as receitas e as despesas do estado gira em torno de 4,7 bilhões de reais. O aumento dos índices de violência em todo o estado é outro obstáculo que terá pela frente. Somada a isso, a eficiência do programa mais simbólico do governo, a pacificação das favelas, tem sido posta em xeque com os sucessivos ataques de criminosos. Pezão diz que só anunciará o novo secretariado em dezembro, mas que o responsável pela pasta da Segurança Pública, José Mariano Beltrame, só sairá se quiser.  

O apreço às raízes interioranas e o estilo quase simplório são traços inegáveis da personalidade do novo governador. Mas engana-se quem o julga um matuto. Pezão é formado em administração e economia, ambiciona imprimir grandes avanços nas áreas de saúde, segurança e educação e tem ótimo trânsito em Brasília. Na manhã seguinte às eleições, ligou para a presidente reeleita Dilma Rousseff e alinhavou um encontro para breve. Pretende pedir apoio a um pacote de medidas que inclui o aumento do efetivo policial do estado, melhorias na rede hospitalar e expansão do metrô. A proximidade com a presidente fica explícita em uma corrida de olhos pelos porta-retratos espalhados sobre os móveis de seu gabinete. 

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Em meio a fotos do pai (o torneiro mecânico Darcy), dos enteados (o advogado Roberto e o piloto de aviões Eduardo) e da mulher (a advogada Maria Lúcia) tem destaque flagrante a de Pezão com Dilma, com um bonequinho careca e rechonchudo nas mãos. Trata-se de uma imagem de “São Pidão”, dada de presente por uma freira que pedia dinheiro a Pezão para suas obras de caridade quando ele era prefeito de Piraí. Hoje, o santinho feioso é uma espécie de amuleto que o governador põe no bolso do paletó toda vez que vai pedir verba à presidente. “O Pezão é o próprio pidão. Sempre que vai a Brasília tenho de ir junto, senão ele pede todo o dinheiro para ele e não sobra nada para a prefeitura”, brinca o prefeito Eduardo Paes.

O governador e a presidente Dilma com o São Pidão: amuleto para ajudar a obter verbas federais para as obras no estado
O governador e a presidente Dilma com o São Pidão: amuleto para ajudar a obter verbas federais para as obras no estado ()

O cargo de vice-governador, que Pezão ocupou por quase oito anos, em geral é associado a figuras apagadas e com um papel decorativo. Desde o princípio da gestão Cabral, entretanto, o número 2 marcou presença com seu corpanzil de 1,90 metro de altura e pés calçados com sapatos número 48 (daí o apelido). Ele sempre participou de todas as articulações e decisões estratégicas do governo e ainda se destacou em alguns dos momentos mais críticos da antiga gestão, postando-se no olho do furacão. Na tragédia de Angra dos Reis, no Ano-Novo de 2009, chegou ao local dos deslizamentos em poucas horas, bem antes do governador, que passava férias em sua casa em Mangaratiba, a poucos quilômetros da região afetada.

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Em meio à catástrofe da Região Serrana, em janeiro de 2011, mais uma vez foi Pezão quem mais apareceu coordenando as ações do governo estadual. Na ocasião, mudou-se para Friburgo, o município mais atingido pela avalanche de lama e detritos, e lá viveu por 36 dias. Estragou vários sapatos chafurdando na lama até chamar a atenção de Dilma, que visitava a área e quis saber por que ele não usava botas impermeáveis. Ele respondeu que nunca tinha encontrado uma que lhe coubesse nos pés. A presidente mandou vir da Petrobras um par de botas do tamanho adequado. 

Pezão, não há como negar, é conhecido por arregaçar as mangas. “Meu marido se intitula o servidor número 1. Ele se cobra muito e, pelo que conheço dele, vai trabalhar como um trator”, diz a primeira-dama, Maria Lúcia Jardim. Nos bastidores do governo, as línguas mais afiadas já começam a proclamar que o político piraiense Pezão dá início ao Governo da Macadâmia (noz cultivada na sua região natal) —, uma referência até elogiosa se comparada às designações Era do Guardanapo, de Sérgio Cabral, e Período do Chuvisco, de Anthony Garotinho e Rosinha Matheus. Afeito a acepipes calóricos e a uma boa gelada, Pezão é frequentador assíduo de bares como Jobi e Chico e Alaíde.

Nesta primeira semana como reeleito, o máximo de lazer a que se permitiu foi programar uma ida à sua terra natal. Lá, o governador bate ponto no Bar do Torresmo, onde toma sua cerveja e joga sueca com os amigos. De volta ao Rio, continuará morando no dois-quartos que alugou em abril em Laranjeiras, praticamente ao lado do palácio. O apartamento que possui no Leblon (de 94 metros quadrados, em prédio antigo e sem elevador) permanecerá fechado. Consultado sobre a mudança para o espetacular Palácio Laranjeiras, antiga mansão dos Guinle, Pezão ainda não se decidiu. “Está em reforma, mas não sei se vou. Acho que fico no meu apartamento mesmo. É aqui perto e eu até viria a pé se pudesse, mas a Casa Militar não deixa.” ■

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