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Fazenda esquecida

Via expressa facilita o acesso a Guaratiba e expõe as mazelas do cantão rural do Rio

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h25 - Publicado em 15 ago 2012, 20h12

Há nove anos, a dona de casa Regina Picinin trocou a rotina tumultuada do Jardim Botânico pelo sossego de Guaratiba, faixa da Zona Oeste conhecida por suas chácaras, hortos, restaurantes de frutos do mar e trilhas ecológicas. Ao optarem por um estilo de vida rural, ela e o marido foram morar em uma casa de dois andares em Ilha de Guaratiba, um dos sub-bairros locais. O casal tem um ganso de estimação no jardim, compra ovos em um sítio vizinho, recebe no portão o vendedor de peixe e cultiva uma horta no quintal. Com a mudança, os dois puderam desfrutar a tranquilidade de cidade do interior sem, no entanto, perder do alcance as benesses da metrópole, que ficaram ainda mais próximas após a inauguração da Transoeste, via expressa que atravessa a região. Agora, grandes shoppings e uma ampla rede de serviços da Barra da Tijuca estão a apenas quinze minutos de carro do refúgio campestre de Regina. Ao facilitar o acesso, a nova pista chamou a atenção para Guaratiba, que, apesar de seu potencial para atrair visitantes, padece com problemas graves de infraestrutura, entre eles a falta d?água, o saneamento pífio, a favelização e o crescimento desordenado. “Fomos esquecidos pelo poder público”, queixa-se Regina. “Mas gosto tanto daqui que vou driblando essas carências.”

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A rua de terra batida onde fica a residência da dona de casa é uma síntese da paisagem contrastante da região, dividida entre uma natureza exuberante e o abandono. Toda esburacada e sem calçamento, a via abriga imóveis comerciais e residenciais. Há endereços de luxo, de classe média, casebres, fábricas, galpões e terrenos baldios usados como depósito de lixo. Naquele pedaço não existe rede de esgoto, mesma mazela que afeta 50% das moradias do bairro, com média bastante inferior à do município, onde nove de cada dez residências não dispõem de saneamento. Outro problema diz respeito à água, captada diretamente de um córrego por meio de canos improvisados, que ficam à mostra quando chove. Para cobri-los após os temporais, os próprios moradores providenciam a terra e o trator. Um episódio recente dá bem a dimensão do descaso por parte das autoridades. Uma moradora ligou para o serviço 1746, central de atendimento da prefeitura, solicitando o asfaltamento da via. Do outro lado da linha, a atendente alegou ser impossível registrar o pedido porque a rua em questão não existia. Ela não só existe como é exemplar do crescimento desordenado que assola o lugar. Embora ainda esteja em vigor a legislação de 1970, que estabelece o limite de apenas uma construção de até oito andares para cada lote de 10?000 metros quadrados, há terrenos de diversos tamanhos e ocupados por imóveis de todos os tipos. Lotes de grande dimensão são difíceis de encontrar, já que nas últimas três décadas eles foram retalhados para dar lugar a condomínios. “O absurdo chega ao ponto de um fiscal da prefeitura construir quitinetes em seu terreno para ser vendidas”, denuncia José Maria Herdy, dono de um horto.

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Localizada ao pé da Serra da Grota Funda, a região de vegetação rasteira e extensos manguezais se estende até a Baía de Sepetiba, outra parte um tanto degradada devido ao despejo de esgoto doméstico e de substâncias industriais. Com população de 110?000 habitantes, Guaratiba ainda pode se orgulhar de ser uma das áreas com menor densidade demográfica do Rio, semelhante à Barra da Tijuca nos anos 70. No entanto, graças à abertura da Transoeste e do Túnel da Grota Funda, o bairro vive a perspectiva de uma fase de expansão que divide os moradores. Uns temem pelo fim da tranquilidade, enquanto outros veem uma grande oportunidade para impulsionar o crescimento econômico de uma região durante tanto tempo esquecida. “Não podemos ser contra o progresso, mas ele deve acontecer preservando nossa tradição”, afirma Paulo Rodrigues, da Associação de Produtores Rurais de Guaratiba. Moradores, comerciantes, empresários e construtores aguardam a conclusão do novo Plano de Estruturação Urbana (PEU) de Guaratiba, que está em fase de elaboração e será levado à Câmara dos Vereadores até o fim do ano. Entre outras modificações, ele deve prever lotes entre 125 e 5?000 metros quadrados, com construções de até seis pavimentos, variando de acordo com as características de cada zona. Como ainda será submetido a audiências públicas, o plano pode sofrer alterações. “O novo PEU atende basicamente a uma situação já existente. Não estamos inventando nada”, diz o secretário de Urbanismo, Sérgio Dias.

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Por ora, as ideias para fomentar o desenvolvimento e estimular a vocação turística e gastronômica daquele pedaço saem da cabeça dos empreendedores locais. Um dos projetos do grupo de produtores rurais é o Polo de Plantas Ornamentais, que prevê formação de mão de obra, abertura de linhas de crédito e um centro de vendas e exposição permanente no ponto próximo à saída do Túnel da Grota Funda. “Além de se tornar um cartão de visitas, a iniciativa acabaria de vez com as tentativas de invasão naquela área”, afirma a bióloga Adelaide Santos, diretora da associação. Conciliar o planejamento urbano e a manutenção de um dos últimos redutos rurais da cidade será um desafio para os próximos anos.

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