Bela Gil é a nova guru da alimentação saudável
Filha do cantor Gilberto Gil, a chef e nutricionista arrebanha fãs ao combinar pratos incomuns e convidados famosos em seu programa de TV
Em volta da churrasqueira acesa, três convidados observam atentamente, entre incrédulos e surpresos, os movimentos de sua jovem anfitriã. Ela pega quatro fatias de melancia, besunta com azeite e tempera com sal e pimenta. Em seguida, acomoda os quatro pedaços sobre a grelha. Sob o efeito do calor, eles começam a chiar até que ficam tostados. Uma vez assada, a fruta é servida quente ao cantor Ney Matogrosso, ao showman Luiz Carlos Miele e ao compositor Arnaldo Antunes. Polidamente, eles elogiam a ousadia culinária da anfitriã, a chef de cozinha Bela Gil, 27 anos, filha do cantor e compositor Gilberto Gil. “Lembra um legume, salgada desse jeito”, compara Arnaldo. “Olhando assim, parece carne”, entusiasma-se Ney Matogrosso com um pedaço espetado no garfo. Miele, gaiato, parte para a ironia: “Vou levar você lá em casa e te servir esse prato a cavalo: melancia com um ovo em cima.” A cena foi ao ar no último dia 3, em um episódio do programa Bela Cozinha, exibido pelo canal GNT. Além da melancia, o quarteto degustou couve, abacaxi e abobrinha na brasa, acompanhados de farofa de cará. De tão insólito, o desafio imposto ao trio provocou uma onda de comentários na internet e foi parar no site BuzzFeed, na forma de um texto intitulado “Solidarizamo-nos com quem vai provar o churrasco vegetariano da Bela Gil”. Imediatamente, transformou-se em top post, com mais de 50 000 visualizações.
Com uma proposta radical — a de apresentar pratos inusitados feitos com ingredientes que a maioria das pessoas rejeita —, o programa tem um ponto de partida arriscado. Imbuída da missão de promover a dieta saudável, a chef apresenta preparações à base de frutas, legumes e verduras e convida celebridades para experimentá-las. Por mais elaborados que sejam, passam longe de tudo aquilo que a imensa maioria da humanidade considera de fato apetitoso, como bifes suculentos, molhos elaborados, doces e massas. Mas a apresentadora não se intimida. Com um sobrenome influente e uma poderosa rede de relacionamentos herdada do pai e da mãe, a empresária Flora Gil, Bela já recebeu no programa personalidades como Fernanda Torres, Bruno Gagliasso e Zeca Pagodinho.
Em meio a muita conversa sobre o que faz e o que não faz bem à saúde em torno da mesa da cozinha, os convidados de Bela provam (e elogiam) acepipes que vão de hambúrguer de arroz e feijão a bolo de laranja com calda de tofu. Às vezes acontece uma saia justa. Em abril do ano passado, Bela ofereceu ao sambista Arlindo Cruz um prato de pipoca no azeite de dendê. Ao ver a preparação, o sambista arregalou os olhos e rejeitou-a por motivos religiosos — adepto do candomblé, ele não come pipoca nem dendê. A chef não se abalou. “Ih, gente, é a segunda gafe que cometo neste programa”, disse. Ela se referia a outro episódio, ocorrido semanas antes, em que serviu uma torta de goiaba a Carolina Dieckmann, sem saber que a atriz detestava a fruta. “Essas situações acontecem porque o programa leva ao ar a reação real das pessoas”, conta. “No caso do Arlindo, achei relevante o público entender por que ele não comeu. Afinal, alimentação tem tudo a ver com cultura.
A espontaneidade da apresentadora é um dos motivos que explicam o sucesso do programa, um dos cinco mais vistos da TV paga entre o público feminino com mais de 18 anos no horário noturno. Às vésperas do Carnaval, durante a gravação de um episódio da terceira temporada da atração, que será exibido a partir do próximo dia 3, ela adicionava pimenta-caiena com as mãos a uma receita indiana chamada kichari. Foi quando recomendou que se usasse uma colher para a tarefa. “É melhor, porque se você se esquecer de lavar as mãos depois pode acabar colocando no olho, ou em outro lugar. Aí vai dar problema”, disparou. Nos bastidores, a equipe de gravação, que continha o riso, explodiu em gargalhadas assim que o diretor, Pedro Waddington, disse “corta”. “Ela está completamente à vontade, fala com o público de maneira muito próxima”, elogia ele.
Apesar de nunca ter trabalhado em televisão antes, a chef tem intimidade com as câmeras desde criança. No fim dos anos 90, a convite de Preta, na época sócia de uma produtora de vídeo, Bela participou de dois clipes. O primeiro é antológico: ela aparece rebolando fantasiada de odalisca na música Dança do Ventre, do grupo de axé É o Tchan (veja abaixo). No segundo, da Banda Eva, segue a coreografia da canção De Ladinho, que tinha a iniciante Ivete Sangalo como vocalista. “Ela era praticamente uma Carla Perez mirim”, compara Preta. “Não sei por que ela hoje se envergonha disso. Poderia ter sido dançarina. Só não dá para cantora, porque é muito desafinada”, entrega a irmã mais velha, que em sua visita ao programa provou um lanche com pão integral, leite de amêndoas e coco e ricota de tofu. Em compensação, se não herdou os talentos musicais do pai, a caçula compartilha com ele o interesse pelas práticas alternativas. “Bela é a filha que mais se parece comigo em termos de personalidade. Ela é magnetizada, consegue perceber o mundo e as inter-relações entre indivíduos e grupos sociais, além das outras dimensões da natureza”, filosofa Gil, que aderiu à dieta macrobiótica na década de 70.
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À parte a influência paterna, o pendor de Bela para o estilo de vida saudável foi despertado na adolescência pela atriz e escritora Fernanda Torres. A epifania, segundo ela, aconteceu aos 14 anos, quando viu Fernanda fazendo ioga na casa da família, em Araras, na serra fluminense. Imediatamente se interessou pela prática e iniciou um processo de reeducação alimentar. Quatro anos depois, quando decidiu estudar inglês em Nova York, sua primeira iniciativa ao chegar foi procurar um médico ayurvédico, que prescreveu sete dias à base de sopa para se desintoxicar. “Não deu nem tempo de comer um hambúrguer maravilhoso daqueles que são feitos lá”, recorda. Na sequência, aproveitou para fazer cursos. Passou pelo Natural Gourmet Institute e estudou nutrição e ciência dos alimentos na Hunter College. Foi nessa jornada de oito anos na cidade americana, baseada em um apartamento de dois quartos comprado pelo pai no East Village, que se encontrou profissionalmente. Aplicada, estagiou em cozinhas como a do vegano Candle 79, no Upper East Side, onde passava dias cortando baldes e mais baldes de legumes. Também deu aula de culinária natureba, cozinhou em domicílio e chegou a manter uma banca de quibe orgânico em uma feirinha alternativa. Até que, em 2013, decidiu gravar o piloto de um programa de TV voltado à saúde e ao bem-estar e mandar o vídeo a amigos no Brasil. “Recebemos uma cópia e percebemos que a proposta cabia em nossa grade”, diz Ana Carolina Lima, gerente de programação do canal GNT. “Esperávamos que fizesse sucesso, mas acabou sendo um encontro dos astros. Ela se provou uma excelente apresentadora, uma aposta que deu certo.”
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A gastronomia saudável é um nicho pouco explorado na TV, mas que vem ganhando espaço num país em que mais da metade da população está acima do peso. Com seu estilo despachado e técnicas de preparo simples, que não exigem utensílios mirabolantes, Bela conquistou até mesmo uma fatia que não prestava atenção no tema. “Ela mostra que comida saudável também pode ser criativa”, opina a chef Roberta Sudbrack. E não são apenas os pratos que atraem os fãs. Com 1,69 metro de altura e 54 quilos, a apresentadora chama atenção pelo estilo entre descolado e despojado com que se veste. Diariamente chegam à produção do programa dezenas de e-mails para saber a marca de seu batom, a grife de suas roupas ou o modelo do liquidificador. Quando preparou um espaguete de abobrinha, o fatiador de legumes usado desapareceu das lojas da cidade. Desdobramento da atração televisiva, um livro de receitas, lançado em novembro, tornou-se um best-seller: é um dos vinte mais vendidos do país, ultrapassando a marca de 90 000 exemplares. Para quem se entusiasmou com a descrição da melancia na brasa do início da reportagem, um alerta: o prato não faz parte da publicação.