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Os malabarismos dos artistas sem rua para sobreviver à pandemia

Enquanto se refugiam em experiências digitais, doações e na esperança do socorro emergencial do governo, eles alertam que a rua também não vive sem a arte

Por Julia Amoêdo e Robert Oliveira*
Atualizado em 14 jul 2020, 17h56 - Publicado em 11 jun 2020, 11h52
Arte de rua: haja malabarismo para equilibrar as despesas enquanto não se pode trabalhar nas ruas (Wal/Pixabay/Reprodução)
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Símbolo de resistência da cultura popular, a arte de rua é também o ganha-pão para quase 4 500 pessoas no Rio. Enquanto sonham com o socorro de R$ 600 mensais da recém-aprovada Lei Aldir Blanc (1075/2020, já aprovada no Congresso, à espera da sanção presencial), a maioria desses artistas contabilizados pela prefeitura vem se reinventando para sobreviver ao isolamento imposto com a pandemia. Uma parte deles trocou a rotina em praças, vagões, sinais e orlas por apresentações virtuais nem sempre acompanhadas de remuneração. Outros, como o palhaço Richard Riguetti, se lançam a novas experiências profissionais. “Decidi transferir o conhecimento acumulado com a arte de rua num curso (on-line) de gestão cultural. É uma forma de expandir, pelas plataformas digitais, os encontros que a arte propicia”, justifica.

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Fundador do grupo Off-Sina, que desde 1987 leva circo e o teatro a vários pontos da cidade, Richard conta que, como muitos de seus colegas, foi “pego de surpresa pela quarentena estabelecida às pressas no Rio”. Precisou desmarcar várias apresentações até o fim mês deste mês. Ao perder a fonte de renda, resolveu montar o curso de gestão cultural. Distribuída em dez sessões, a iniciativa recebeu dezenas de inscrições. “A ideia é juntar o aprendizado dos encontros presenciais com as facilidades do ambiente on-line”, anima-se Richard.

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Migrar das esquinas para os meios digitais tem, no entanto, um preço. Exige adaptações técnicas, operacionais, tecnológicas. Requer, entre outras coisas, uma conexão boa à internet e dispositivos aos quais a maioria dos artistas de rua não costuma ter acesso. O versátil Luciano Pozino, que trabalha com música, dança e poesia, condiciona a montagem da estrutura para a guinada on-line ao socorro emergencial da Lei Aldir Blanc: “Com essa lei, tenho direito a crédito para investir no online. Só assim vou conseguir fazer a passagem do meu trabalho para o meio digital, garantindo uma boa experiência ao público”, sonha.

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Luciano Pozino: trabalho em casa durante a quarentena (Reprodução/Arquivo pessoal)

As limitações impostas pela pandemia despertam em Luciano um lado empreendedor. Sem perder de vista o compromisso com o público, ele pretende investir em vídeos que preservem a alma da arte de rua mas se ajustem ao formato digital. Serão veiculados nas redes sociais, em lugar das lives, onipresentes na quarentena.

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Para concretizar os planos empreendedores, Luciano aguarda o acesso ao auxílio emergencial da Lei Aldir Blanc (o compositor, músico e escritor foi levado pela Covid-19 no dia 4 de maio, exatamente um mês antes de de a lei batizada com seu nome ser aprovada do Senado e se encaminhar à sanção presidencial). O socorro destina R$ 3 bilhões para uma renda mensal aos trabalhadores independentes da área cultural, para manutenção de espaços artísticos e outras ajudas ao setor durante a pandemia. O valor deverá ser distribuído por meio de fundos estaduais e municipais.

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Enquanto sonham com o auxílio emergencial, Richard e Luciano contornam as dificuldades para trabalhar em casa e adaptar a arte de rua às plataformas e aos recursos digitais. Outros tantos, contudo, ainda buscam alterativas de sobrevivência. Vinicius Guedes, Erick Carcamo, Alex Paez, Jeffrey Peña e Cristian Pacha ainda se veem obrigados a ir para as ruas. Três são malabaristas e dois são músicos. Apenas Vinícius é brasileiro. Embora reconheçam a importância do isolamento social para conter o avanço da pandemia, eles se curvam à emergência do sustento. “A gente tem que sair porque a fome fala mais alto”, resume Vinicius.

Até pouco tempo, todos compartilhavam uma casa no Rio Comprido, Zona Norte do Rio. Em busca de novas opções profissionais, Cristian e Alex se mudaram para outra casa no mesmo bairro. As preocupações deles se estendem à distância das casas bem distantes dali. Quando deixaram as famílias no Equador, no Peru e em Honduras, atrás de uma melhor no Rio, não imaginavam o pedregulho do coronavírus no caminho.

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Criatividade: Richard se apresentando no corredor para uma das crianças moradoras do prédio (Reprodução/Arquivo pessoal)

Com as ruas vazias, e o sustento diário subtraído pela quarentena, o grupo conta com a solidariedade de pessoas que distribuem cestas básicas e com os trocados recebidos quando, por necessidade, voltam às esquinas para trabalhar. Eles tentam ficar em locais abertos, como nos sinais de trânsito. Preocupam-se quando circulam por transportes públicos. Os malabaristas Vinicius, Erick e Alex relatam o medo do contágio pelo novo coronavírus têm deixado as pessoas menos receptivas à arte de rua: “Às vezes a gente se sente metralhado por estar na rua. Mandam a gente voltar para casa. Falam que estamos errados por fazermos malabarismo e música durante a quarentena. Mas nós não temos culpa, essa é a nossa forma de sobreviver”, argumenta Alex. “E nós, artistas de ruas, ajudamos a distrair as pessoas que precisam sair para trabalhar nesse período”, completa o malabarista.

Richard também acredita que os artistas de rua exercem um papel importante “para o emocional da população”. Por ter mais de 60 anos, ele faz parte do grupo de risco relacionado à Covid-19 e segue rigorosamente o isolamento social. Mas não fica parado. Além do curso de gestão cultural, criou um projeto no prédio onde mora: o Palhaço no Corredor. Richard vai de porta em porta, faz o show do corredor enquanto os vizinhos assistem de dentro de casa. Assim, como ele diz, mantém vivas as apresentações de palhaçaria e alegra os vizinhos, principalmente as crianças.

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Richard avalia que a quarentena fez a “arte privada e a arte pública coexistirem pela primeira vez com as mesmas condições”. A primeira, define artista, é feita fora dos espaços públicos. A segunda, é a arte feita nas ruas. “Ambas agora estão dentro de casa”, ressalta. Para ele, o caminho agora é adaptar a forma de se expressar e de fazer arte para os meios digitais: “As artes cênicas promovem o encontro das pessoas. Hoje lidamos com uma quebra de paradigma, e estamos sendo convidados a ficarmos isolados. Mas nada impede que a gente use todo esse aprendizado do encontro presencial e o promova por meio das plataformas digitais”.

Já Luciano pondera que o público também tem que se adaptar à nova realidade. Ele percebe um aprendizado, em curso, para desenvolver um melhor ajuste da internet à experiência artística. Mesmo que acredite nesse novo modo, Luciano, assim como Richard, ressalta que a rua acende o encontro promovido pela arte, e vice-versa. “Os artistas tornam a rua viva”, sintetiza o músico, dançarino e poeta. Ele emenda: “Com a arte presente, a rua deixa de ser apenas um lugar de passagem e pode se tornar um alento para quem passa. O que nos resta é esperar o fim da quarentena para que a rua possa viver novamente”.

Se a rua aguarda a volta dos artistas para viver de novo, como afirma Luciana, a recíproca é verdadeira. Privados do espaço de sustento, milhares de artistas têm sobrevivido graças às doações. A Secretaria municipal de Cultura, em parceria com a ONG Ação da Cidadania, doou 1 000 cestas básicas para profissionais do setor no mês de abril.

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Já a Secretaria de Cultura de Niterói transformou a página no Facebook em palco para artistas da cidade. O projeto Arte na Rede é uma adaptação do Arte na Rua”, realizado em espaços públicos antes da pandemia. Por meio da inscrição num edital, artistas de todos os ramos podem se apresentar no Facebook e no canal do YouTube da Secretaria. Recebem o cachê R$ 1 500. O secretário de Cultura de Niterói, Victor de Wolf, estuda manter a iniciativa mesmo depois da pandemia.

*Julia Amoêdo e Robert Oliveira, estudantes de comunicação, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio

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