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Arquitetos em fúria

Atrasos e mudanças no programa de reurbanização de favelas irritam os autores dos projetos escolhidos

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 2 jun 2017, 13h10 - Publicado em 9 abr 2014, 19h46

O Programa Morar Carioca foi anunciado com pompa e circunstância, em 2010, como um dos carros-chefes do governo municipal. A ideia era avançar em relação às iniciativas do passado e promover uma integração profunda entre as favelas e o entorno. Na ocasião do lançamento, a previsão era de que, até a Copa do Mundo, quarenta intervenções planejadas por escritórios de arquitetura escolhidos por concurso seriam implantadas em morros e complexos agrupados por região. Três anos depois e a dois meses da Copa, apenas duas tiveram obras iniciadas, e nenhuma deve ficar pronta até a final no Maracanã. Tal demora azedou o humor dos arquitetos participantes, que reclamam não apenas do atraso, mas da indefinição que cerca os projetos. Nos bastidores, a revolta é tal que a empreitada já ganhou os apelidos de Demorar Carioca e Desmoronar Carioca. “É uma pena que um programa tão bem desenhado, com potencial para melhorar a vida de tanta gente, tenha perdido a prioridade”, lamenta Sérgio Magalhães, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), instituição que organizou o concurso.

Inspirado em uma iniciativa empreendida em Medellín, na Colômbia, o Morar Carioca se propõe a melhorar a acessibilidade, abrir ruas, acabar com as moradias em áreas de risco, fornecer equipamentos de cultura, lazer e interação social, levar água, esgoto, iluminação pública e gás às regiões mais carentes do Rio. A proposta prevê tanto iniciativas conduzidas pelas várias secretarias e empresas municipais como de concessionárias de serviços públicos. O concurso dos projetos arquitetônicos, realizado em 2010, é uma das muitas partes desse programa mais amplo, que tem orçamento total de 8 bilhões de reais. Em 2012, a Secretaria Municipal de Habitação realizou a chamada para contratação de dez dos quarenta premiados, garantindo que os demais seriam contatados em seguida (um grupo de oito foi chamado nos últimos dias). Assim que recebeu a notícia, a primeira leva pôs seus técnicos para trabalhar, até que um sinal de alerta se acendeu: os orçamentos começaram a ser reduzidos, com drásticas alterações nos projetos. Abrir ruas ficou proibido, bem como a construção de acessos aos bairros do entorno. Novas praças, creches, planos inclinados e elevadores foram abolidos. Retirar casas também foi vetado. Os atrasos e as mudanças foram tantos que cinco escritórios desistiram. “A demora em nos chamar já foi desestimulante e a redução do escopo matou de vez nossa vontade de participar. Acabamos declinando do convite quando ele finalmente veio”, diz Guilherme Ortenblad, do Zoom Arquitetura, que faria intervenções em Bangu.

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O curioso é que o programa, tal como foi concebido, é uma unanimidade entre urbanistas. A ideia de fazer um trabalho de formiguinha, específico para cada uma das favelas, que as integre à cidade formal, em oposição ao antigo modelo de construção de grandes conjuntos habitacionais na periferia, é vista como um exemplo a ser perseguido. “O programa seria uma fonte de conhecimento sobre urbanização, contribuiria para a segurança, a saúde e, principalmente, para uma sociedade mais integrada”, diz Luis Henrique Fragomeni, do escritório Vertrag, que trabalharia em Santa Cruz. Segundo Fragomeni, um telefonema da secretaria o informou de que ele não participará mais do programa, pois outras intervenções já teriam dado conta da região. O secretário Pierre Batista nega. “Eles não foram chamados ainda por uma questão de planejamento, e ficam pressionando, mas todos serão contratados”, afirma.

Não é a primeira vez que a turma dos projetistas e a prefeitura trocam farpas. No mês passado, foi grande a grita quando o prefeito Eduardo Paes anunciou a retirada da região portuária do projeto olímpico ao levar a vila dos árbitros e dos jornalistas não credenciados para Curicica, na Zona Oeste. Dias depois, foi cancelado o plano de construção de um novo píer no porto por causa de polêmicas em torno do formato que ele deveria ter. Além disso, grandes obras públicas desenhadas por estrangeiros, como o Museu do Amanhã, do espanhol Santiago Calatrava, incomodaram quem vive do ofício por aqui. Para o secretário Batista, as reclamações de agora seguem o mesmo padrão de antes. “Todos querem fazer o projeto dos sonhos e reclamam quando não atendemos aos seus desejos”, desdenha. “Nós trazemos para a realidade do nosso orçamento e do nosso planejamento, pensando no melhor para a população”, completa. Como em qualquer reforma doméstica, as obras do Rio ainda vão render muita chateação e bate-boca.

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