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Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos
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O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto

Por Marcelo Copello (trecho do livro “Os Sabores do Douro e do Minho” Editora Senac-SP)

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Atualizado em 18 dez 2017, 16h48 - Publicado em 16 dez 2017, 17h21

Por Marcelo Copello (trecho do livro “Os Sabores do Douro e do Minho” Editora Senac-SP)

Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal ou Conde de Oeiras, foi o secretário de Estado do Reino (o equivalente a primeiro-ministro) do Rei D. José I entre 1750 e 1777. Pombal é até hoje um dos personagens mais carismáticos e controversos da história de Portugal. Poderoso e autoritário, foi um grande impulsionador da indústria vinícola e responsável por várias reformas administrativas, econômicas e sociais que marcaram a história de Portugal e a história do vinho, como a criação da primeira região vinícola demarcada e regulamentada do mundo.

A criação da “Companhia”

“Eu el-rei, faço saber… que os principais lavradores de cima do Douro, e homens bons da cidade do Porto, nelas enunciados, fizeram e ordenaram com meu real consentimento [os cinqüenta e três capítulos e condições], para formarem uma Companhia, que sustentando competentemente a cultura das vinhas do Alto Douro, conserve ao mesmo tempo as produções delas na sua pureza natural, em benefício do comércio nacional e estrangeiro, e da saúde dos meus vassalos, sem alguma despesa da minha Fazenda, antes com benefício dela e do bem comum dos meus Reinos”.

Trecho do alvará de D. José I, que instituía a “Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro” em 1756 (do livro “Real Companhia Velha”, Fernando Souza, página 13).

O ano de 1755 marca, além do auge da crise do comércio do Vinho do Porto, o Terremoto de Lisboa, que arrasou a capital e abalou o país. Nesta época Portugal estava economicamente estagnado e estava sendo informalmente colonizado pelos ingleses. O ouro brasileiro dissimulava esta situação. O início da decadência do Ciclo do Ouro no Brasil, que teve seu início em 1695 e chegou ao apogeu em 1750, foi o estopim da política Pombalina.

A estratégia de Pombal foi usar Vinho do Porto como alternativa para equilibrar o déficit do estado português. Em outras palavras, Pombal pagou a reconstrução de Lisboa com vinho do Porto. O Marquês procurou fomentar o comercio dos vinhos do Douro e preservá-lo da concorrência de outros vinhos portugueses.

Em 10 de Setembro de 1756, por alvará régio, Pombal cria a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, com o objetivo de fomentar, de forma articulada, a cultura da vinha do Douro, proteger a pureza do produto e controlar a produção, a comercialização e os preços, travando a concorrência de outros vinhos portugueses. Além disso, esta empresa estatal visava combater o monopólio dos comerciantes ingleses no grande negócio que era o Porto, aumentando os rendimentos da Coroa. Não por acaso o Vinho do Porto ao longo de séculos foi uma das maiores fontes de renda do estado português.

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A “Compainha” tinha amplos poderes e privilégios, ficava com o monopólio da exportação, pelo Porto, dos vinhos do Douro, tinha o monopólio da aguardente (usada na “beneficiação”) e o  monopólio da exportação para o Brasil, então o 2º melhor mercado, depois da Grã-Bretanha, para os vinhos portugueses.

A Região Demarcada do Douro

Dentre as funções da Companhia estava a demarcação dos terrenos do Alto Douro. Assim, Pombal introduziu na história do vinho o conceito de D.O.C. (Denominação de Origem Controlada), que depois se espalharia pela Europa. Chianti (Itália) e Tokay (Hungria) foram as primeiras regiões vinícolas do mundo a serem geograficamente delimitadas, respectivamente em 1716 e 1737. O Douro foi, contudo,  muito além, pois vinhedos foram classificados, a produção e o comércio controlados, vinhos certificados, em uma rígida e extensa regulamentação, que foi implementada em um processo que de vários anos, revista algumas vezes e que vigora até hoje (leia mais em “O Vinho do Porto e Douro”). Pombal chegou a ponto de mandar arrancar todos os sabugueiros de um raio de quilômetros dos vinhedos, para evitar o fabrico dos falsos “vinhos de feitoria”.  Como a medida não funcionou, o gentil ministro mandou arrancar os sabugueiros de todo o norte de Portugal. Entre 1757 e 1761 foram colocados marcos de granito delimitando geograficamente a região. Alguns destes marcos, chamados de “marcos Pombalinos”, podem ser vistos ainda hoje espalhados pelo Douro.

Preços foram fixados para as diversas qualidades de vinho do Douro: 25 a 30 mil réis para o Vinho de Feitoria (o verdadeiro), que ia para o mercado inglês; 19.200 réis para o vinho de 2ª categoria que ia ao para o Brasil e outros paises, e de 3.500 a 1.500 réis para os “vinhos de ramo”, “vinhos comuns” ou “vinhos de mesa”, normalmente não fortificados, para consumo nas tabernas do Porto e Douro. O comércio do Porto tomou novo impulso, com muitas oscilações os volumes e os preços voltam a subir. Em 1769, por exemplo, a casa Christie´s, de Londres, promoveu o primeiro leilão dedicado exclusivamente ao Vinho do Porto.

Os serviços públicos da Companhia

A Companhia, como parte de suas funções, realizou inúmeros serviços públicos, como construção de navios, fábricas, armazéns, tanoarias, equipamentos de combate a incêndios nas cidades, construção de estradas, fez inúmeras obras no rio Douro para facilitar sua navegabilidade do mesmo, fez trabalhos de organização da pesca e construiu a Casa de Asilo dos Náufragos.

A Companhia também atuou no ensino, criando um centro de ensino técnico no porto, com aulas de náutica e pilotagem, o que mais tarde viria a se transformar na Universidade do Porto. Uma das principais funções da Companhia era também de instituição financeira, transformando-se no principal banco dos agricultores, concedendo crédito, adiantamentos e verbas.

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A mão de ferro de Pombal e as hostilidades à Companhia

Viva el-Rei de Portugal

E Viva o nosso chanceler

Porém não a Companhia

Porque o povo não a quer

Quadra Popular de 1757

(livro Real Companhia Velha, de Fernando Souza, página 31)

Pombal, com mão de ferro, conseguiu impulsionar a exportação dos vinhos do Douro mas  naturalmente desagradou a muitos. A Companhia surgiu num clima de franca hostilidade, pois cerceou o poder de todos os comerciantes de vinho da região, portugueses e estrangeiros.

A Companhia vivia em permanente guerra com a Feitoria inglesa. Era uma relação delicada, já que Portugal precisava da Inglaterra para continuar a vender seu principal produto de exportação que era o vinho, nomeadamente o Porto.

As firmas inglesas do Porto perderam poder, e os comerciantes locais também. Os taberneiros revoltaram-se em 23/02/1757 e 26 deles foram parar na forca, 26 foram condenados às galés e 52  foram deportados para a África. A cidade do Porto ainda foi penalizada com impostos extras para pagar as despesas com as forças militares lá instaladas. A resposta da coroa foi severa para servir de exemplo a quem quer que tentasse reagir às ações da Companhia.

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Ao longo da administração de Pombal centenas de comerciantes e viticultores foram degradados para Angola, ocorreram muitas mortes, devassas, prisões e confiscos de casas, terrenos e vinhos. A Companhia reportava-se diretamente ao rei, independente de tribunais, uma espécie de eno-gestapo, onipotente em tudo que se referia ao Vinho do Porto

Os vinhos de outras regiões também perderam muito mercado no período Pombalino. Em 1776 Pombal proibiu a exportação de vinhos de Viana, Monção, Aveiro, Bairrada, Anadia, São  Miguel do Outeiro. No ano seguinte, com a morte do rei D. José assume o governo a rainha D. Maria I, a primeira mulher subir ao trono de Portugal. A nova rainha, inimiga do poderoso marquês, o destituiu, processou, condenou e exilou.

A “viradeira”

O período pós-pombal, reinado de D. Maria I, ficou conhecido como a “viradeira”, pois a rainha  anulou a política pombalina. Foram revogados os alvarás que proibiam a exportação de vinhos de outras regiões, mantendo-se apenas exclusividade da barra do Douro para a exportação dos vinhos do Porto. Os produtores de vinho do Minho, após sofrerem sérios prejuízos em suas exportações por conta da política pombalina, fundaram em 1784 a “Sociedade Pública de Agricultura e Comércio da Província do Minho”, para atuar em favor desta região.

O consumo de vinho do Porto cresceu vertiginosamente na segunda metade do século XVIII, não só pela inaplacável sede inglesa mas também pela conquista de novos mercados, como a Rússia, que assinou um tratado de comércio com Portugal em 1789. A região demarcada do Douro não supria mais a demanda, o que motivou a ampliação da região.

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Em 1788 inicia-se a chamada “demarcação Mariana” que viria a ser concluída em 1791 e revista, com novos alargamentos, em 1801. O alargamento da região foi sobretudo em direção ao Douro Superior, área que até então era de difícil acesso (leia mais adiante em “Os perigos da navegação no Douro e a morte de Forrester”). Estudos sobre novos terrenos foram feitos e nova infra-estrutura foi criada. O ano 1788 marca, além do início da demarcação Mariana, o lançamento do primeiro livro sobre vinho do Porto publicado no exterior “A Treatise on the Wines of Portugal”, de John Croft, da firma inglesa Croft.

A “Companhia” perdeu muitos dos seus privilégios no período da “viradeira”, entre os quais o monopólio da comercialização do vinho para o Brasil. Este órgão, sem nunca deixar realmente de existir, foi extinto e recriado algumas vezes – extinto em 1834 , recriado em 1838, reorganizada em 1843, novamente extinta em 1852 tornando-se empresa comercial e em 1878 passou a Sociedade Anônima, vindo a se transformar na empresa que ainda hoje existe, a “Real Companhia Velha”.

É importante que fique claro a magnitude do vinho do Porto para a economia portuguesa a esta altura de sua história. Este líquido delicioso movimentava enormemente a política do país, e chegou a representar em 1824 nada menos que 97,2% das exportações portuguesas de vinho, sendo o “fiel” da balança comercial da nação.

A importância histórica da Companhia e seus muitos nomes

A “Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro”, hoje chamada de Real Companhia Velha é um caso raro, uma empresa criada em 1756 e que ainda opera nos dias de hoje (agora como empresa comercial). Com mais de 250 anos de idade a Companhia é mais velha que a independência do Brasil e sua longa história está preservada através de inúmeros documentos e rica memorabilia.

Não apenas na história do Vinho do Porto, mas na história de Portugal, nenhuma outra empresa pode se comparar em importância econômica e histórica. Ao mesmo tempo nenhuma outra empresa portuguesa foi tão debatida, atacada e defendida.

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A Companhia foi alcunhada de diversas maneiras ao longo da história. Criada como Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, foi chamada em diferentes documentos de “Companhia do Alto Douro”, “Companhia do Douro”, “Companhia das Vinhas do Alto Douro”, “Companhia dos Vinhos”, “Companhia dos Vinhos do Porto”, “Royal Oporto Wine Company”, “Real Companhia dos Vinhos do Porto”, “Companhia Real do Porto”, “Real Companhia dos Vinhos”, “Real Companhia Velha” e, como na maior parte deste livro, simplesmente de “Companhia”.

A criação em 1889 de uma outra empresa, quase homônima, a “Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal” começou a causar confusão e popularmente a “Companhia” começou a ser chamada de “Companhia Velha” e a outra de “Companhia Nova”. A empresa então registrou e adotou oficialmente este nome em 1948 e hoje se chama “Real Companhia Velha”.

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