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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Salve Cosme e Damião!

Seguimos na fé, mesmo sabendo que as ruas ainda não estão livres para festejar e celebrar a vida

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
27 set 2020, 16h33

Esse ano, talvez pela primeira vez, não seja preciso avisar para uma pequena parte dos moradores da cidade – aqueles que não vivem na grande centralidade suburbana -, para tomarem cuidado se tiverem que ir aos subúrbios. Muitas vezes ouvi que andar pelas ruas suburbanas nessa época de Cosme e Damião é loucura. Há quem ache uma loucura deliciosa.

Mesmo sabendo que, provavelmente, não teremos tantos fogos, que as igrejas e as festas nos centros e terreiros não receberam o grande público de sempre e que as ruas não estarão barrotadas de crianças correndo. De qualquer forma, vamos encontrar motivos para festejar e manter a tradição viva.

Certamente o dia 27 de setembro desse ano vai ser diferente. As dúvidas sobre como será o dia, como vamos ouvir a alvorada da Igreja de São Cosme e São Damião, no Andaraí, ou o que vai acontecer na porta da Igreja São Jorge e São Cosme e Damião, em Olaria, são muitas. E por mais que a data caia, esse ano, num belo domingo de sol o cuidado para evitar aglomerações nas ruas precisa ser mantido, principalmente no momento em que uma segunda onda de contagio pelo coronavírus se evidencia.

(Fabrício Goyannes/Arquivo pessoal)

Falo de Cosme e Damião partindo das minhas próprias memórias afetivas, lembro da ansiedade, de não conseguir dormir aguardando o tempo passar e o sol anuncia o tão esperado dia. Por muitas vezes, faltei a aula e esvaziei a mochila de livros e cadernos para encher de sacolas recheadas de balas, bolos, brinquedos e muito mais. Não tem como esquecer a expectativa do sorteio de bicicletas, bolas, bolos, piões e pipas. Tanta agitação e correria acabavam enchendo o coração de alegria e as barrigas e vasilhas de doces.

É curioso perceber que essa história veio da Península Arábica, local de nascimento dos irmãos gêmeos durante o século III, e se espalhou pelo mundo fincando fortes raízes no Brasil. As heranças diaspóricas africanas, associadas a práticas indígenas e outras experiências migratórias, criaram a parir da Bahia uma tradição que logo se identificou com os subúrbios cariocas.

Em grande parte, a força da festa está diretamente ligada as religiões de matrizes afro-brasileiras. Seja no Candomblé, por meio dos Erês que representam as manifestações de pureza, alegria e brincadeira e que gostam de comer caruru, galetos assados, bolos e doces ou através do Ibejada, na Umbanda, onde a Falange das Crianças atuam como anjos da guarda dos seus seguidores. Lembrando que na própria tradição cristã surge quando os irmãos foram perseguição e mortos, no ano de 303, por ordens do imperador romano Diocleciano.

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Em tempos de crescente intolerância temos muito que lutar contra o racismo religioso, respeitando e valorizando a diversidade, protegendo nossa cultura e educando a juventude.

Um bom exemplo vem sendo cantado há mais de 30 anos por Zeca Pagodinho. A letra da música “Patota de Cosme”, de autoria de Nilson Bastos e Carlos Sena, aponta um bom caminho: “Porque Cosme é meu amigo/ E pediu a seu irmão: Damião/ Pra reunir a garotada/ E proteger meu amanhã”.

(Fábio Caffé/Arquivo pessoal)

Além de diversão os doces também são coisas muito sérias, tanto que o Laboratório de Antropologia do Lúdico e do Sagrado (Ludens), do Museu Nacional, desenvolve uma pesquisa sobre o tema, desde 2013. Aproveitando a Primavera dos Museus de 2020, sem ter como fugir da realidade do isolamento social, os pesquisadores organizarão uma exposição virtual.

“DOCES SANTOS: as devoções a Cosme e Damião no Rio de Janeiro”, apresenta parte dos resultados de uma pesquisa antropológica sobre a devoção a Cosme e Damião, festa que envolve a casa e a rua, a manutenção de tradições familiares, o pertencimento a diferentes religiões, a passagem da infância à adolescência e desta, à vida adulta.

Para os responsáveis pela atividade a exposição também é uma forma de reafirmar que o #MuseuNacionalVive.

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“Comemorar Cosme e Damião envolve o ‘saber-fazer-a festa’ de várias gerações engajadas na produção e reprodução dessa celebração, o que pode ser considerado um patrimônio imaterial carioca e/ou fluminense. A distribuição dos saquinhos de Cosme e Damião  é uma grande festa de rua, ao lado de suas dimensões religiosas; uma festa em que se homenageia não apenas os santos gêmeos, mas a infância, tanto a de quem recebe os doces, mas também a já passada, de quem agora os dá. Uma celebração através da qual se tenta transmitir, no seio da família e para os beneficiados com os saquinhos, valores como a generosidade e o cuidado com a criança. Na festa, se celebra e se costura a própria continuidade da família e agradece-se pelo bem estar das pessoas queridas”.

Foto do pesquisador do Instituto Histórico e Geográfico da Baixada de Irajá (Carlos Henrique/Arquivo pessoal)

O blog do Suburzine também aproveitou para prestar sua homenagem a data e lançou um zine sobre a festa de Cosme e Damião vista a partir dos subúrbios, periferias e comunidades. Como o amigo e idealizador Marcelo Bizar define é um zine: “feito nos subúrbios, para os subúrbios e pelos subúrbios”, e que pode ser visto no endereço eletrônico: https://suburzine.blogspot.com/

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A turma do Jongo da Serrinha e do Afrolaje também aproveitou para comemorar e organizaram suas lives com direito a muita história, música e roda virtual.

(Jongo da Serrinha/Divulgação)

Esperamos que os santos, que também são reconhecidos como padroeiros da medicina, enfermagem e outras áreas medicas, lidados a cura e a proteção das crianças, possam trazer o quanto antes um saquinho cheio de alegria e esperança pela resolução desse mal que nos afeta e impedem que as ruas voltem a ser totalmente livres para festejar e celebrar a vida.

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(Afrolaje/Divulgação)
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