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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Dona Ivone Lara: “pérola rara no compor e no cantar”

Uma necessária homenagem suburbana para aquelas que ajudaram a forjar nossa cultura

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 abr 2021, 10h23 - Publicado em 14 abr 2021, 18h19

Cada vez mais tenho pensado na importância de estudar e divulgar, buscar conhecer e se reconhecer melhor em nossa história e cultura de origem popular. Nesta semana, a necessidade de fazer essa imersão cultural se torna evidente.

Desde o último dia 11 de abril, quando uma das escolas de samba mais significativas do país completou seus 98 anos, – o Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela -, o mundo musical, especialmente nos subúrbios da Grande Madureira, está em festa. Ainda mais pelo fato de ontem, dia 13 de abril, também ter sido um dia mais que especial devido ao aniversário da eterna diva Yvonne Lara da Costa, nossa Dona Ivone Lara.

Acredito que os deuses da música e da alegria devem ter se unido para nos presentear, no mesmo mês, com o nascimento de tantas estrelas, a exemplo da Portela, Dona Ivone Lara e de Alfredo da Rocha Vianna Filho, o mestre Pixinguinha.

Foto em preto e branco da cantora Ivone Lara sorrindo
Dona Ivone Lara: seu aniversário também é merecidamente reconhecido como o Dia da Mulher Sambista (Internet/Divulgação)

Yvonne Lara da Costa veio ao mundo durante um complicado contexto mundial. A década de 1920 despontava logo após terminada a Primeira Guerra, ainda em meio ao grande impacto de uma pandemia de Gripe Espanhola e do surgimento do nazifascismo. O Brasil vivia uma crise de contestação de sua República Oligárquica e às vésperas do centenário de independência.

Sua própria vida se tornou um exemplo de superação das adversidades. Dona Ivone é sempre retratada por pessoas próximas como uma mulher forte e afetuosa, muito profissional e extremamente preocupada com a família. Tal como nos conta a cantora Dorina: “Eu vi na D. Ivone a alegria de estar viva e fazendo o que gosta. Ela se preocupava com os filhos; o marido partiu cedo, um dos filhos sofreu um acidente e ficou em seus cuidados, e acredito que foi mais por isso que se aposentou.” Dorina chegou a dizer em uma entrevista para o Museu do Samba: “Dona Ivone transbordava bondade, coração de mulher cheia de vida e consciência.”

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Para falar um pouco mais sobre essa personalidade singular da nossa história convidamos a amiga, enfermeira e compositora Marcia Lopes. Marcia nos conta que certa vez, assistindo a uma entrevista de Dona Ivone a mesma foi perguntada sobre como se sentia em relação ao machismo no samba, a grande artista lançou aquele olhar especial e respondeu: “Nem me preocupo com isso”.

Marcia segue afirmando: “Analisando o machismo estrutural atual a partir dos dias de hoje, dentro do século XXI, consigo entender o posicionamento da compositora em não estar nem aí; e isso não quer dizer que ela não tomaria a dianteira, pois sempre fez o que quis mesmo quando não podia. Era uma mulher que compreendia a vida e tinha sabedoria, os machistas não tiveram vida fácil com ela, era a dona do tabuleiro, por isto era dama. Era direta nas suas argumentações e tinha postura e muita decisão, simplesmente falava na hora certa – e isso é fantástico.

Como queria ter sido amiga de Dona Ivone Lara!

Ela tinha a sua verdade, assim como eu tenho a minha. Não é à toa que se graduou em duas profissões eminentemente femininas, Enfermagem e Serviço Social, que lhe deram um conhecimento, filosófico, da alma humana. Sempre foi muito estudiosa, e isso lhe forneceu referencial teórico que levou para a vida e beneficiou quem estava sob os seus cuidados técnicos e científicos tão bem elaborados. Foi percursora ao instaurar a terapia através do canto, na época em que militava de forma conjunta com a doutora Nise da Silveira, por uma prática na saúde mental humanizada. Trouxe para a arte todos esses pressupostos, pois cuidou de todos que passaram no seu caminho, com benevolência, compaixão e entrega.”

Em seu depoimento, Marcia Lopes demonstrou a forte identificação profissional, musical e feminina com Ivone Lara. Fato que merece destaque em função de sabermos que nossa história ainda é muito heteronormativa, mesmo no campo musical. Temos conhecimento da íntima relação entre o Choro, Jongo e o Samba, algo que também marcou a vida da nossa homenageada. Infelizmente ainda referenciamos pouco nomes como Chiquinha Gonzaga, Clementina de Jesus, Vovó Maria Joana, Tia Maria do Jongo, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, entre outras.

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Sobre este ponto Marcia nos diz: “Eu não sei qual era o time de Dona Ivone, mas nascemos no mesmo bairro, Botafogo, ambas enfermeiras com paixões em comum, a família e o samba, além de sermos compositoras. Por esse motivo, esta é uma digna narrativa de amor.

Ivone Lara, muito obrigada por sua existência que produziu uma obra de grandes significados no país e em uma nação de mulheres que reverenciam a sua história. Para mim, forte inspiração na vida. Se pudesse lhe oferecer uma canção, certamente seria o seu próprio “Bodas de Ouro”, em parceria com Paulo César Pinheiro, que traduz esse casamento que é a essência do Samba.”

Foto do encontro musical entre Dona Ivone Lara e Tia Maria do Jongo
Dona Ivone Lara e Tia Maria do Jongo: grandes inspirações femininas no campo da música (Jongo da Serrinha/Divulgação)

A História de Dona Ivone Lara é fortemente influenciada pela sua vivência suburbana, desde que, aos seis anos de idade, ficou órfã de pai e mãe e passou a estudar, em regime de internato, no Colégio Orsina da Fonseca, na Tijuca. Foi nessa escola que passou a ter aula de música com a pianista Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Heitor Villa-Lobos.
Aos 17 anos foi morar em Inhaúma, na casa do tio Dionísio Bento da Silva, onde aprendeu a tocar cavaquinho com o tio, conhecido por ser um famoso chorão que organizava animadas rodas de choro, não só em seu quintal como em toda a região dos subúrbios – contando com a participação de nomes como Pixinguinha e Jacob do Bandolim.
Foi por meio da sua relação familiar, que Ivone Lara se aproximou do mundo do Carnaval. O primo, Mestre Fuleiro, foi um dos fundadores do Império Serrano em 1947, uma dissidência da Escola de Samba Prazer da Serrinha. Por coincidência da vida, o filho do o presidente da Prazer da Serrinha, Oscar, se tornaria marido de Ivone.
A partir de Madureira, Dona Ivone conquistou o mundo com suas composições, parcerias de sucesso e apresentações memoráveis em todo o Brasil, e também nos Estados Unidos e diferentes países da América do Sul, África e Europa.
Seu reconhecimento permanece fortemente vivo às vésperas de seu centenário, e entre muitas das homenagens que recebeu em vida destacamos o desfile do Império Serrano, de 2012, em que foi tema central do enredo. Seu aniversário também passou a ser merecidamente reconhecido como Dia da Mulher Sambista.
Salve Dona Ivone Lara!

Este texto foi escrito por Rafael Mattoso em parceria com Marcia Lopes sambista, enfermeira obstetra e compositora.

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