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Patricia Lins e Silva

Por Patrícia Lins e Silva, pedagoga Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Educação
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Educação virtual não é pior do que a presencial. É diferente

O aluno virtual é o protagonista de seu desenvolvimento intelectual

Por Patricia Lins e Silva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 set 2020, 20h54 - Publicado em 22 set 2020, 20h11
Aulas virtuais: apenas diferentes (Jeshoots/Unsplash/Reprodução)
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               Estamos em setembro de 2020 e a pandemia ainda se alastra pelo mundo. No Brasil existe uma relação ambígua com a doença em todas as instâncias da sociedade, desde a governança até os cidadãos. Alguns tomam as precauções devidas, outros se cuidam sem muito zelo e muitos não se importam. É uma nação ‘esquizofrenizada’ pela doença  Covid-19, desde suas lideranças. Ou melhor, com lideranças que discordam entre si. Ou melhor, sem lideranças. Nada pior do que essa confusão num momento de crise grave. Mas hoje vamos pensar sobre educação escolar.

           Lendo e participando do debate sobre a abertura das escolas, percebo que muitas pessoas que se envolvem no assunto não têm ideia do que é o trabalho numa escola. Conhecem-na porque a frequentaram quando crianças e jovens. Assim, supõem – erradamente – que a educação é sempre transmissiva, aquela criada no século 19, para suprir a mão de obra necessária para as fábricas, depois da revolução industrial. Alunos divididos por salas, todos com a mesma idade, mesma matéria, testados com a mesma prova, no mesmo dia, e se espera o mesmo resultado. Essas pessoas precisam saber que a instituição escolar está questionando isso desde o século 20, quando a tecnologia digital passou a fazer parte do cotidiano da humanidade.

          Há quem opine sobre escolas, sem ter passado pelo território da educação escolar, e não faz ideia de que a instituição precisa mudar, vai mudar ou já mudou porque o mundo se transformou e é outro. A nova geração precisa ser preparada para acompanhar essa mudança. A função primordial da escola, hoje, é desenvolver a capacidade de pensar, raciocinar e refletir – que são características do ser humano – para enfrentar desafios e resolver problemas que virão numa realidade cada vez mais inusitada e surpreendente. Esse é o ambiente que vão encontrar no futuro. Muitas profissões ainda não existem e muitas já desapareceram. Muitos negócios também acabaram. Lembram-se dos videoclubes? Onde estarão seus donos? É fundamental entender a significação das transformações para as novas gerações e a consequente necessidade de modificar  a educação das novas gerações. Sem essa compreensão, nosso futuro estará muito comprometido.

         Leio e escuto muitas opiniões sobre o “conteúdo” das aulas on-line, que seria mais “fraco”, como se a educação virtual fosse uma educação de segunda classe. Pois não é. Não é porque, simplesmente, é OUTRA educação. Não é repetir as aulas-palestras pela tela do computador dos alunos. Não é deixar o aluno em casa, ou onde estiver, ouvindo sobre assuntos descontextualizados e desligados uns dos outros, e que depois vai estudar apenas para fazer a prova e não para aprender. Essa tentativa de mimetizar a escola presencial no mundo virtual, torna as aulas enfadonhas, não captura a atenção do aluno e, se já era difícil nas aulas presenciais, nas virtuais ainda é pior porque o aluno pode se desligar completamente, indo atrás de outras coisas que o interessem mais.

         Na educação on-line há uma mudança na relação do aluno com a aprendizagem. É um outro tipo de abordagem, que exige habilidades diferentes do aluno e do professor. Não basta o professor falar numa plataforma de chats, com uma câmera à sua frente e “dar” a matéria. A dinâmica é outra, a forma de educar é outra, a aprendizagem é outra, o conceito é outro. É diferente.

         O planejamento das tarefas on-line exige muito do professor. Exige abandonar um modo conhecido de dar aulas; exige retomar estudos sobre desenvolvimento cognitivo; exige criatividade para juntar as possibilidades cognitivas dos alunos com os desafios do conhecimento específico; exige que se reúna com colegas que tratam de assuntos semelhantes e com orientadores e assessores. E, ainda, e fundamental, precisa trabalhar com um especialista em tecnologia para conhecer o que a técnica oferece para que ele, professor, possa propor o que pretende da melhor maneira possível.

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         Quando leio que a educação on-line é fácil, que é pior, que os alunos não estão aprendendo, ou estão aprendendo menos, como disse o Procurador Geral da Republica – e não só ele – fico indignada. É o tipo de opinião de quem não conhece o trabalho da escola, as discussões que ali se travam sobre a educação necessária para quem vai viver sua vida adulta num século transformado pelas tecnologias e pelo aquecimento global.

         O aluno virtual recebe desafios e problemas para resolver, o que exige que ele vá procurar o conhecimento de que precisa. Há como uma inversão da relação que se dava numa sala de aula tradicional. O aluno se torna o protagonista da sua formação intelectual. Não estará só, pois evidentemente conta com o apoio do professor. Ao buscar a informação de que precisa para dar solução aos desafios e problemas, o aprendiz aprende a distinguir fontes confiáveis das não confiáveis, aplica o que compreendeu ao problema, experimenta, erra, trabalha com seu grupo, troca com os colegas, insiste, retoma, consulta o professor. É uma tarefa complexa, que requer muito estudo, tempo e reflexão, mas o conhecimento passa a ter outro significado, passa a ser compreendido como necessário e não um desejo arbitrário do professor ou dos adultos que rodeiam o aluno.

         Não se pode esquecer que esses alunos não conheceram o mundo sem os computadores. A escola analógica é anacrônica, distante da realidade deles. E não tem futuro. A escola já é outra e não voltará à forma tradicional. Muitos tentarão, ao preço de perderem uma das funções principais da instituição escolar que é a de educar as novas gerações para participarem da sociedade do tempo delas. A outra função é a renovadora, de que também estamos tratando aqui.

         Abro um parênteses: é uma imoralidade o Ministério da Educação não oferecer às crianças desprivilegiadas e seus professores acesso à tecnologia – computadores e internet – que hoje é a maneira de se ter relação com a realidade. Abre-se uma lacuna entre as crianças que são e as que não são digitais, com sérias consequências para o país. Fecho o parênteses.

         Como somos uma espécie gregária, que precisa dos outros, é indispensável o encontro presencial das crianças e jovens entre eles, com pessoas e com os professores. Não necessariamente para “aulas”, mas para conversar e fazer o que o professor achar necessário. Nesses encontros trocam-se valores, comportamentos morais, éticos, mesmo que não intencionalmente. Mas um professor é sempre um professor, nunca deixa de ter uma relação pedagógica com os alunos.

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         Essa outra forma de educar, incomum, que se estrutura como necessária para o século 21, frustra a representação de escola que temos impressa em nossas mentes, a velha escola do século 19, que é como um arquétipo de que é difícil nos libertarmos.

         Termino com uma má notícia: a escola pode até voltar atrás e tentar ser como era antes da pandemia, mas alerto que em breve chegarão mudanças ainda mais radicais do que apenas a escola on-line.

 

             

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