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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Marília Mendonça: por que a morte de artistas nos emociona tanto?

Rainha da sofrência e do feminejo, Marília era uma voz única e potente do feminismo numa área historicamente machista

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 8 nov 2021, 12h25 - Publicado em 8 nov 2021, 08h37

No ano em que perdemos mais de 600 mil vidas para a Covid-19, período em que a morte se tornou um assunto tristemente corriqueiro, acontece o acidente com o avião da cantora Marília Mendonça e sua morte torna-se um sentimento de pesar nacional. A tragédia com a cantora goiana nos relembra outros episódios marcantes de luto nacional, como a do piloto Ayrton Senna e da banda Mamonas Assassinas. Mas por que temos sentimos uma emoção especial pela morte de artistas e celebridades, que se quer conhecíamos pessoalmente?

Uma primeira razão para esse sentimento é que, mesmo sem conhecê-los na intimidade, os temos como pessoas próximas. Talvez pela vocação do trabalho artístico, naturalmente de grande alcance, ou pela enorme exposição nas redes sociais nos últimos anos, tem-se a sensação de proximidade com atores, cantores e músicos. Essa sensação também se mantém quando artistas ficam doentes ou falecem: sentimos que se tratam de pessoas do nosso ciclo íntimo.

Um segundo ponto a ser considerado é a carga afetiva que os artistas trazem à memória. Muitas vezes, eles estão intrinsicamente atrelados à recordações – tristes ou felizes -, capazes de mexer com a nossa sensibilidade. Recentemente, quando morreram os atores Flavio Migliaccio e Nicette Bruno, milhares de fãs recordaram da importância de Xerife, da série “Shazan e Xerife” e a Dona Benta de “Sítio do Pica Pau Amarelo”, respectivamente, personagens que marcaram a infância de gerações. Ter a consciência da morte de heróis de infância é, de certa forma, como se uma parte essencial de nós também estivesse partindo e isso pode trazer certa nostalgia.

Também é preciso considerar que boa parte das pessoas vive sob a crença de que a vida dos artistas, esportistas e celebridades é perfeita e inabalável. Michael Schumacher foi um dos maiores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos e, no entanto, está em estado vegetativo sobre uma cama.  Celine Dion, com mais de 250 milhões de discos vendidos, cancelou sua nova turnê esta semana por problemas crônicos de saúde. Portanto, diante da notícia de uma doença ou mesmo da morte de pessoas famosas, fica evidente que dinheiro, fama, status ou poder não são capazes de salvá-los e tal percepção também impacta em grande parte das pessoas.

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Outra vertente da sensibilidade à morte de pessoas famosas é que ela nos relembra nossa própria finitude. É como se falecimento de uma artista como Marília Mendonça, aos 26 anos e com um bebê de menos de 2 anos para criar, desse um choque de realidade: nunca sabemos quando e como será o nosso fim. Em uma sociedade que vive para planejar o futuro e que joga neste tempo incerto toda a sua expectativa de felicidade, é uma mudança de paradigma bastante relevante. O recado é claro: viver e se preocupar apenas com o tempo presente.

No caso específico de Marília Mendonça, sua morte ganha um peso a mais por por ela ser uma artista cujo trabalho expressa o pensamento e os sentimentos de incontáveis pessoas – vide seus mais de 40 milhões de seguidores nas redes sociais. Rainha da sofrência e do feminejo, fora dos padrões estéticos impostos pela mídia, Marília era uma voz única e potente do feminismo numa área historicamente machista, como a da música sertaneja. Suas músicas se tornaram hits porque ela defendia a força e o valor das mulheres. É essa gigantesca massa de fãs que Marília Mendonça deixa agora órfã de seu talento.

Os últimos meses não foram de poucas mortes no Brasil. Além das vítimas anônimas da Covid-19, perdemos grandes nomes da nossa cultura, como Paulo José, Aldir Blanc, Paulo Gustavo, Tarcísio Meira, além dos outros já citados acima.

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Aos 92 anos, a grande dama das artes, Fernanda Montenegro, acaba de ser eleita imortal da Academia Brasileira de Letras. Fernanda é um farol constante de inteligência, bom senso e talento. Em sua biografia impecável, narra sua vida cheia de percalços, de quem vive de cultura no Brasil há quase 80 anos. Por que Marília Mendonça se foi aos 26 anos e Fernanda está entre nós aos 92? Ninguém tem a resposta. É preciso olhar para o mistério da vida com aceitação, otimismo e resiliência.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

 

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