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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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A quem interessa a liberação dos jogos de azar no Brasil?

Sob pretexto de aumentar receitas e empregos, descuida-se da saúde mental da população

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 8 dez 2020, 19h24 - Publicado em 8 dez 2020, 11h19

Para além da tragédia que pôs fim a mais de um milhão e meio de vidas em todo o mundo, uma das facetas mais tristes da pandemia é a forma como ela atingiu financeiramente – e emocionalmente – pequenos e médios empreendedores. Por trás do balcão de uma loja, padaria ou armarinho estão mais do que meras cifras: são sonhos de realização pessoal e, mais grave, o sustento de famílias.

Mas a evidente desaceleração econômica não pode servir de pretexto para o poder público e o grande empresariado tentar avançar com projetos duvidosos. Um dos mais questionáveis tramita na Câmara dos Deputados: é a liberação no Brasil dos cassinos e de jogos de azar em geral, como o do bicho, caça-níqueis e bingos.

A discussão não é nova: nos últimos 30 anos, volta e meia surge um novo projeto tentando implementar a legalidade sobre os jogos de azar. Mas a ideia retorna agora com força, sob a alegação da geração de emprego e criação de novas divisas em um ano que flerta com a recessão. No entanto, relega-se a segundo plano o fator que deveria ser primordial para quem legisla em interesse da causa pública: a saúde do brasileiro.

É fato que a prática de jogos de azar está relacionada a processos de adição, com impacto significativo nas relações sociais e familiares dos jogadores, bem como na sua saúde mental, com aumento dos casos de depressão, ansiedade e suicídio. Segundo estudos de universidades estrangeiras, para cada dólar arrecadado com tributação de jogos, gasta-se três dólares com custos sociais referentes às doenças mentais do vício do jogo. Em 2017, a OMS colocou o Transtorno de Jogo no Código Internacional de Doenças, ao lado da dependência do álcool, cocaína e de outras drogas. Segundo levantamento feito à época pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), a compulsão por jogos atinge cerca de 1% da população brasileira, totalizando mais de 2 milhões de viciados. Se ainda resta alguma dúvida que os jogos causam dependência, basta saber que eles ativam o sistema de recompensa, também acionado por uso de drogas. A lógica é a mesma.

Alguns deputados a favor da liberação dos jogos defendem que o incremento da receita por impostos poderia aumentar o orçamento de programas sociais, como o Bolsa Família. Porém, nós, brasileiros, estamos fartos de ver a receita de tributos serem destinadas a outra finalidade. Alguém viu melhorias nas estradas depois da criação da CIDE ou uma revolução na saúde pública com a criação da CPMF? Os mesmos políticos afirmam que os cassinos funcionaram sob “forte regulamentação”. Mas como acreditar nisso se nem mesmo os caça-níqueis da esquina são

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Na brilhante série americana “Ozark” (Netflix), um homem se vê diante do desafio de lavar milhões de dólares para um cartel de drogas mexicano. Ganha o jackpot que acertar em qual atividade o personagem decide investir: cassino. A série mostra que por trás do aparentemente inofensivo negócio do jogo correm todos os tipos de infrações: do tráfico de droga à lavagem de dinheiro, passando pela prostituição, corrupção, tráfico de arma e piora na segurança pública. Considerar todas estas variáveis é fundamental.

É preciso esclarecer a quem e por quê interessa a liberação dos jogos no Brasil e quem está por trás do gigantesco lobby que luta pela causa em Brasília. Minha aposta – desculpem o trocadilho – é que viriam à tona revelações essenciais antes do tema avançar no parlamento brasileiro.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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