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Blog da atriz Fernanda Torres
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Onda

Leia na crônica de Fernanda Torres

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h14 - Publicado em 22 jan 2017, 09h00

Os verões no Rio sempre foram quentes. Jamais esqueci da modorra do volta às aulas de março, das tardes escaldantes e das noites mornas que só davam trégua em fim de abril. Na época, a alta dos termômetros não significava mais do que a Terra dando outra volta em torno do Sol.

Não mais.

O outono ameno e chuvoso foi das poucas alegrias de 2016, para quem enfrentou quatro anos de estiagem no Sudeste. Mas dezembro entrou rasgando, com uma sensação térmica de 55 graus. A fornalha reacendeu, em mim, pelo menos, a síndrome do apocalipse do aquecimento global.

O verão não é mais só verão, é a prova da revolta do planeta com os macacos bípedes que teimam em queimar petróleo como se não houvesse amanhã. A hecatombe nuclear da infância cedeu terreno à paranoia do clima, e o calor sazonal se confundiu com o fim de mundo iminente.

Ando escondida em casa, fugindo do bafo, trancada na célula de sobrevivência com o ar-condicionado a mil. O panorama visto da bolha e as breves investidas na atmosfera hostil agravaram a culpa de ser agente do destrambelho. Impotente, continuo consumindo garrafas pet, produzindo lixo e cuspindo CO2 pelo cano de descarga.

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E foi nessa angústia que, dia desses, acordei assando na Guanabara. O pensamento fixo nos tsunamis, secas e mosquitos mutantes, o temor da morte e do futuro improvável dos filhos.

Tentei espantar os maus presságios com o noticiário da manhã na televisão. Chacina nos presídios do Norte, os planos de domínio continental do PCC de Marcola, seguidos da imagem de um iceberg do tamanho do Distrito Federal prestes a se desprender da Antártica.

Deprimi geral.

Gastei o resto do xampu no banho, me desfiz de mais um frasco não degradável, entrei no elevador já suada e rumei para uma reunião de trabalho, protegida no bólido climatizado. Na altura de Ipanema, a rádio deu de tocar um hit inconsequente dos anos 80.

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Peguei uma onda maneira
Dei “cutback”, “hang five, “hang ten”
Eu sou melhor surfista da minha rua…
Não tenho saco pra escola
As minha notas sempre são vermelhas
Mas eu não tô nem aí
Arrumo as malas e me mando pro Hawaí…

Quase chorei. O verão da minha adolescência veio inteiro. Marina cantando todas de bundinha de fora. A estudantada new wave, o Circo Voador do Arpoador, Nelson Motta e Lulu, o BRock, os meninos do Rio e a promessa de plenitude, gozo e felicidade eterna.

Tenho dois filhos, família, amigos, amo viver. A humanidade, é certo, acelera o carro de encontro ao muro. Não sei como dar conta da miséria, da quantidade de gente, da violência, do ódio, das guerras e dos dejetos industriais. Não sei o que fazer para tapar o buraco do ozônio. Não consumo aerossol, plantei 200 árvores no ano que passou e me irrito cada vez que jogo um saco de lixo fora.

Sou a favor da proibição do plástico e da descriminalização das drogas. O mundo vai ter de se virar do avesso para sair da enrascada, mas confesso que agradeci aos Miquinhos Amestrados por aquele instante efêmero de alienação.

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